segunda-feira, dezembro 17, 2012

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"Sinto-me às vezes tocado, não sei porquê, de um prenúncio de morte. Ou seja uma vaga doença, que se não materializa em dor e por isso tende a espiritualizar-se em fim, ou seja um cansaço que quer um sono tão profundo que o dormir lhe não basta — o certo é que sinto como se, no fim de um piorar de doente, por fim largasse sem violência ou saudade as mãos débeis de sobre a colcha sentida.
Considero então que coisa é esta a que chamamos morte. Não quero dizer o mistério da morte, que não penetro, mas a sensação física de cessar de viver. A humanidade tem medo da morte, mas incertamente; o homem normal bate-se bem em exercício, o homem normal, doente ou velho, raras vezes olha com horror o abismo do nada que ele atribui a esse abismo. Tudo isso é falta de imaginação. Nem há nada menos de quem pensa que supor a morte um sono. Por que o há-de ser se a morte se não assemelha ao sono? O essencial do sono é o acordar-se dele, e da morte, supomos, não se acorda. E se a morte se assemelha ao sono, deveremos ter a noção de que se acorda Não é isso, porém, o que o homem normal se figura: figura para si a morte como um sono de que não se acorda, o que nada quer dizer. A morte, disse, não se assemelha ao sono, pois no sono se está vivo e dormindo; nem sei como pode alguém assemelhar a morte a qualquer coisa, pois não pode ter experiência dela, ou coisa com que a comparar.
A mim, quando vejo um morto, a morte parece-me uma partida. O cadáver dá-me a impressão de um trajo que se deixou. Alguém se foi embora e não precisou de levar aquele fato único que vestira."

(Bernardo Soares, Livro do Desassossego)

sexta-feira, dezembro 14, 2012

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Disse-me: primeiro, inspira profundamente e enche o peito de ar; depois, mergulha no abismo do eu, do outro, e do cosmo; sabe que não mais poderás regressar à superfície, e que não poderás nunca chegar ao fundo...

quinta-feira, dezembro 06, 2012

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(quem fala afinal quando
exausto de falar teu mundo escutas?)

(António Carlos Cortez, Linha de Fogo)

quarta-feira, dezembro 05, 2012

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"Sinto desde há muito que estou diante de uma porta fechada - as coisas essenciais que eu nem posso conhecer nem ver passam-se do outro lado da porta." (Vieira da Silva)