Num ano, houve tanto que mudou. Ou fui eu quem mudou tanto...
Quem, hoje em dia, sai à rua sem ter a certeza de que vai ser violado, talvez roubado, quiçá espancado, raptado? Ou mesmo ser vítima de carjacking, ou alvo de terrorismo? Dizia-me ele no outro dia, depois de seis décadas a lutar por se abrir aos afectos: "Já não faço uma festa a um miúdo, se com ele me cruzar na rua"... Mas de onde vem este medo, de ser mal interpretado, de ser visto como errado?
E depois ainda há a depressão, e a recessão, e a instabilidade dos mercados, e as alterações climáticas, e os tufões, e os tsunamis, e o degelo... Where the fuck are all these things happening? Cada vez mais acredito não ser por acaso que todas essas notícias, assim lhes chamam, surjam constantemente nas primeiras páginas dos diários. Nem me parece ser coincidência que todos os dias se abram com elas os telejornais. Mas porquê?
Concordo cada vez mais com esses a quem chamamos loucos, com esses que vêm aquilo em que não podemos acreditar... Porque cada vez mais entendo o objectivo de, todos os dias, essa realidade nos ser oferecida a toda a hora, dura e crua. Só pode servir o intuito de nos separar, de nos afastar, de nos isolar. De nos fazer esquecer de que o sentido desta viagem é, pelo contrário, encontrarmo-nos, aproximarmo-nos, darmo-nos ao outro...
Para que despidos das relações, perdidos de nós mesmos, procuremos naquilo que vendem o preenchimento do vazio em que nos deixam. Para que trabalhemos, muito, e para que recebamos, pouco, na esperança de que seja suficiente, para o trocarmos... Por aquele último modelo de televisão, com alta-definição, para iludir a solidão. Por aquele automóvel vistoso, que na hora de ponta nos leva poderoso. Por aquela casa, lá no alto, junto às nuvens, longe de tudo e de todos...
Para onde podemos fugir... Onde nos podemos fechar, e trancar, seguros... E de onde podemos desfrutar, sozinhos, dessa vista desafogada sobre um mundo do qual nos sentimos cada vez menos parte, sobre esse outro de quem nos sentimos cada vez mais distantes...
...
Now in our culture we've been trained for individual differences to stand out, so you look at each person and immediately it is: brighter, dumber, older, younger, richer, poorer, and we make all these dimensional distinctions, put them in categories and treat them that way. And we get so that we only see others as separate from ourselves, in the ways that they're separate. And one of the dramatic characteristics of [...] experience is being with another person and suddenly seeing the ways in which they're like you, not different from you. And experiencing the fact of that which is essence in you, and which is essence in me, is indeed one. The understanding that there is no other, it is all one. (Richard "Ram Dass" Alpert)
[Salvador Dali na TV, em What's my line? Entretanto, oiço Saturday = Youth, de M83. Assim que possível, quero ler O Macaco Nú, de Desmond Morris, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, Cosmos, de Carl Sagan, A Era do Vazio, de Gilles Lipovetsky, 1984, de George Orwell, e Walden ou a Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau...]
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5 comentários:
"Não há nenhuma razão, bem entendido, para que os novos totalitarismos se pareçam com os antigos. O governo por meio de cacetes e pelotões de execução, de fomes artificiais, de detenções e deportações em massa não é somente desumano (parece que isso não inquieta muitas pessoas, actualmente); é - pode demonstrar-se - ineficaz. E numa era de técnica avançada a ineficácia é pecado contra o Espírito Santo. Um estado totalitário verdadeiramente «eficiente» será aquele em que o todo-poderoso comité executivo dos chefes políticos e o seu exército de directores terá o contrôle de uma população de escravos que será inútil constranger, pois todos eles terão amor à sua servidão. Fazer que eles amem, tal será a tarefa, atribuída nos estados totalitários de hoje aos ministérios de propaganda, aos redactores-chefes dos jornais e aos mestres-escolas (...)
Grande é a verdade, mas maior ainda, do ponto de vista prático, é o silêncio a respeito da verdade (...)"
(Aldous Huxley, 1946)
Refugiarmo-nos numa espécie de mundo autista, longe do clima de terror que os media promovem e que aos governos lhes convém, livres do regime totalitarista em que se tornou o consumo massificado, edificarmos um mundo à nossa medida, alienado de terrores gratuitos, distante de formas de escravização modernas, parece-me ser a única forma de sobrevivência, de nos preservarmos tal como somos…
somos nos quem muda e faz mudar o mundo - nao o contrario.
e tão pouco fazemos pelo mundo. falta uma luz. concordo q os media aos poucos vão fechando cada vez mais a porta e vai ficando tudo cada vez mais escuro mas não sou de acreditar na conspiração, sou mais de acreditar na transpiração. Mas falta alguém que fale verdade, que mostre um caminho, um caminho que nos leve a todos, e a todos é mesmo a todos, não só a metade ou a quase todos, um caminho. Só peço um caminho, não peço para chegar a lado nenhum mas gostava de sentir que estou a caminhar para lá e que um dia alguém vai lá chegar.
Já deves ter visto, ainda assim deixo aqui escrito.
www.storyofstuff.com
Parece-me que é um optimo comentário a este teu post.
Um beijo meu
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