sexta-feira, janeiro 06, 2012

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"Como é que podemos não nos interessar por política?! Pois se vivemos um momento tão grave, tão agitado, tão problemático desde o 25 de Abril no acerto de todas as forças, na chamada consolidação da democracia... Como é que podemos não nos interessar?! No que se refere a uma intervenção activa, não estou vocacionado para isso. Não é político quem quer, como não é escritor quem quer, como não é pintor quem quer. Há pessoas vocacionadas para uma vida activa e portanto têm uma intervenção mais directa nos problemas políticos. Não é o meu caso. Nesse sentido, não sou político. Mas evidentemente que me interesso. Em todo o caso, o interesse no sentido de uma vivência muito intensa de tudo quanto está a acontecer politicamente desvaneceu-se um pouco, por aquilo que será supérfluo estar a mencionar.

Não sou político no sentido activista do termo porque em tal sentido não é político quem quer. Mas estive a ponto de sê-lo por ter acreditado que uma determinada solução política resolveria os essenciais problemas humanos. Hoje penso que esses problemas escapam a uma concreta orientação política, porque todas essas orientações terão de resolver-se numa síntese final que mal descortinamos ainda. Há uma crise política geral, como há uma crise religiosa, artística, fiolosófica, porque há uma crise mundial. Neste virar de página na história humana a que assistimos, sabemos apenas que de todos os valores há um que inexoravelmente resiste e é o valor do próprio homem, da sua dignidade, da sua plena realização. Assim, aceitamos tudo quanto promova essa dignificação: o reajustamento económico pela socialização, para o que é elementar, a intensificação cultural em inteira liberdade, para o que é essencial. Ter-se-á realizado tudo? Decerto que não e assim o mais essencial se não terá atingido. Mas tal essencialidade primeira não está em nossa mão. Porque, referindo-se ela a uma plenitude humana, em que tudo se harmoniza - a vida e a morte adentro dos nossos estritos limites terrenos -, só a própria vida a poderá promover, quando e como não sabemos."

(Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)

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