"A meu ver, essas horas negras, em que de súbito o amor bate asas e mergulha, sem apelo nem agravo, até ao fundo do abismo para logo ascender em linha recta, devem ser enfrentadas sem receio, precisamente na medida em que o homem, mercê de um comportamento adequado, pode aspirar a reduzi-las no âmbito da sua existência. O que interessa, antes de mais, é que ele saiba com o que pode contar, caso se revele uma súbita incompatibilidade entre si e o objecto do seu amor: mas pressupõe esta incompatibilidade motivos profundos que desde há muito tenham vindo a minar o amor, ou será ela apenas o fruto de uma série de razões de circunstância, que nada têm a ver com essa amor? Desinteresso-me, desde já, pelo primeiro caso: estou a escrever O Amor Louco. Quanto ao segundo, em que me incluo, tenho a dizer que essas razões de circunstância deverão ser esclarecidas, que nunca se deve recuar, nem perante o intrincado da situação, nem, em última análise, perante o carácter altamente enigmático de algumas dessas razões. Dada a violência do embate que, quando eles menos o esperam, faz erguerem-se um contra o outro dois seres que até aí viviam em perfeito acordo e que, à primeira aberta, no dia seguinte, ou daí a momentos, serão incapazes de explicar a si mesmos esse seu reflexo, fruto da angústia e das suas gigantescas construções de papelão, no estilo das termiteiras, que, num abrir e fechar de olhos, se sobrepõem a tudo, creio que nos encontramos em presença de um mal já suficientemente diagnosticado para que lhe possamos detectar as origens e, posteriormente, dar-lhe remédio. Vemo-nos, uma vez mais, na necessidade de refutar a tão divulgada opinião de que o amor, tal como o diamante, se desgasta com o seu próprio pó, o qual se conserva em suspensão pela vida fora. Se é verdade que o amor sai indemne de tais desvarios, já o mesmo não acontece com o ser que ama. Esse ser está sujeito a sofrer e, o que é pior, a equivocar-se sobre as razões desse sofrimento. Tendo feito dádiva total de si mesmo, é levado a incriminar o amor, quando o defeito reside precisamente na vida." (André Breton, O Amor Louco)
[Untitled . James McCarthy . beinart.org]
[Oiço Ambivalence Avenue, de Bibio...]
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário