"Despi-me.
Mas como não tinha sono, não consegui adormecer. Fiquei deitado um bocado com os olhos fixos no escuro, naquela espessa massa escura que não tinha fundo nem cujas dimensões era possível apreender. O meu entendimento não conseguia entender. Era uma escuridão sem igual e eu sentia a sua presença exercer pressão sobre mim. Fechei os olhos, comecei a cantarolar meio alto só para mim e atirei-me uma vez e outra para cima da tarimba para me distrair, mas não me valeu de nada. A escuridão apoderou-se dos meus pensamentos e não me deixou em paz um só instante. Imagine-se que eu próprio me dissolvia na escuridão, que me fundia com ela! Ergui-me na cama e agitei os braços.
O meu estado nervoso dominava-me então por completo, por mais que tentasse contrariá-lo, não ajudava. Ali estava eu sentado, presa das mais estranhas fantasias, a mandar-me calar a mim próprio, a cantarolar canções de embalar, a transpirar pelo esforço de tentar encontrar tranquilidade. Fixei os olhos na escuridão; nunca na vida havia visto uma escuridão assim. Não havia quaisquer dúvidas de que ali me encontrava totalmente imerso numa espécie de escuridão especial, um elemento desesperado ao qual jamais alguém dera atenção antes. Ocupavam-me os pensamentos mais ridículos e tudo me fazia medo. [...]
Meu Deus, como estava escuro! E voltei a pensar no porto, nos navios, nos monstros negros que estavam ao largo, à minha espera. Queriam sugar-me para si, manter-me preso no seu seio e levar-me a navegar por mares e terras, através de reinos negros que nunca ninguém vira. Tive a sensação de encontrar-me a bordo, ser atraído para o mar, andar a pairar entre as nuvens, e afundar-me, afundar-me... Soltei um grito de angústia rouco e segurei-me com força à tarimba. Que viagem mais perigosa tinha feito, a zunir pelo espaço como uma pequena bola. Como me senti salvo, quando bati com a mão contra a tarimba dura! Morrer é assim, disse a mim próprio, agora vais morrer! Fiquei curtos instantes a pensar que ia morrer. Então levantei-me da tarimba e perguntei severamente:
- Quem disse que eu ia morrer? Se fui eu que inventei a palavra, estão estou no meu pleno direito de decidir o que ela há-de significar..."
(Knut Hamsun, Fome)
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