"Não me peças prefácios, nem juízos, nem conselhos,
Que me sinto empurrado
Para o trono dos velhos,
E coroado embalsamado!
Que pode, a ti, servir-te o que aprendi por mim?
Que darei eu do que ninguém me deu?
Chegar, nunca se chega! Mas, se há fim,
Cada qual ganhe belo o seu.
Chegar, nunca se chega ao píncaro sonhado!
Mas, se mais ampla já se nos anima
A linha do horizonte, – é o ganho dum pássaro
Deixando esfarrapado monte acima.
Nenhum caminho tem nenhum que se lhe iguale.
Meu – foi o meu suor; meus – os meus pés descalços.
Sofrer – só a quem sofre vale.
E o mais que se aprendeu são oiros falsos!
Ainda só há sol e azul pelos espaços
(Até se qualquer sombra lhes embace a quietude)
Diante desses passos
Que pedes que eu te ajude.
Pois vai! pois vai, sozinho, até que o sol se ponha,
Se entenebreça o azul, as aves emudeçam,
E tremam as estrelas, na medonha
Solidão onde, ao fim, desapareçam…
Sob, enquanto as houver, raríssimas estrelas,
Cava, na solidão, a terra escura,
E talvez venham a ser belas
As rosas, sobre a tua sepultura.
O que possas ganhar, tê-lo-ás, assim, ganhando,
Quando, perdido tudo o que era de perder,
Tombes, ao fim do descampado,
Sabendo que ninguém te pode socorrer…
Ninguém! Eu, menos que os demais,
Eu, que te perco, já, na curva do caminho,
E só te sei dizer adeuses tais
Que só te deixem mais sozinho.
Porque tu é que és tudo! a terra a cultivar,
A mão cultivadora, o arado da cultura,
O grão a semear,
O próprio fruto, – grão da mão futura.
Pois lavra-te, és o chão! emprega-te, és o braço!
Semeia-te, és o grão!
Floresce, frutifica, extingue-te! e, no espaço,
Pode, amanhã, nascer mais uma ideal constelação…
Entanto, se algum dia, por acaso,
Voltando à minha porta, me chamares,
Talvez, à tarde, ante esse imenso campo raso,
Possa eu ouvir os teus cantares.
Vendo, então, nos meus olhos, qualquer brilho,
Sentindo, em minha voz, tremer um alvoroço,
Vai-te embora feliz, meu irmão e meu filho!
Já te dei tudo quanto posso!"
(José Régio, A Chaga do Lado)
quarta-feira, novembro 11, 2009
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