sexta-feira, outubro 01, 2010

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- Aliocha, diga-me também outra coisa: vai obedecer-me sempre? É preciso também resolver já isto desde já.
- E com muito prazer, Lise, obrigatoriamente, mas não no mais importante. No mais importante, se a Lise não concordar comigo, farei na mesma o que o dever me manda.

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"'Que solidão?', pergunto-lhe eu. 'A solidão que agora reina por todo o lado, especialmente no nosso século, e ainda vem longe o fim dela. Porque cada um, hoje em dia, deseja isolar cada vez mais a sua pessoa, quer experimentar em si mesmo a plenitude da vida e, no entanto, o resultado é que todos os seus esforços, em vez da plenitude da vida, acabam num suicídio absoluto, porque em vez da plenitude da definição da sua personalidade entra num isolamento total. Porque todos, no nosso século, se separam, cada qual se isolando na sua toca, cada qual se afastando do outro, escondendo-se e escondendo o que possui, acabando por rejeitar os outros e ser rejeitado pelos outros. Acumula a sua riqueza em solidão e pensa: que forte eu sou, que rico... e mal sabe, o louco, que quanto mais acumula mais mergulha na impotência suicida. Porque está habituado a contar apenas consigo e, como unidade, se separou do comum, habituou a sua alma e não acredita na ajuda dos outros, nas pessoas e na humanidade e apenas receia que o seu dinheiro e os seus direitos adquiridos se percam. Hoje, por todo o lado, a mente humana irónica começa a perder a consciência de que o verdadeiro sustento do indivíduo não consiste no seu esforço pessoal e solitário, mas um esforço em comunidade humana. É inevitável, porém, que chegue o fim deste terrível isolamento e que se compreenda, de uma vez por todas, como é antinatural esta separação uns dos outros. Será assim o espírito da época, e as pessoas espantar-se-ão por terem passado tanto tempo na escuridão, sem verem a luz. [...] Mas, até lá, é necessário guardar a bandeira e, de vez em quando, nem que seja como acto isolado, um homem sozinho deve dar o exemplo e tirar a alma do isolamento para a elevar até à façanha da convivência em amor fraterno, nem que seja na qualidade de maluquinho religioso. É necessário isso para que não morra a grande ideia...'"

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"[...] também tens culpa, porque podia trazer luz aos facínoras como único justo e não trouxeste. Se lhes tivesses trazido luz, também terias alumiado o caminho dos outros, e talvez aquele que cometeu o crime não o tivesse cometido à tua luz. E mesmo que alumies mas vejas que as pessoas não se salvam à tua luz, continua firme e não duvides da força da luz celeste; tem fé de que, se agora não se salvaram, salvar-se-ão depois. E se não se salvarem depois, salvar-se-ão os filhos deles, porque a tua luz não morrerá, mesmo com a tua morte. O justo morre, mas a luz dele sobrevive. Alguém se salva sempre depois da morte do salvador. [...] Nunca procures recompensa, porque já é grande a tua recompensa na terra: a tua alegria espiritual, que apenas o justo pode obter. Não temas superiores nem poderosos, mas sê sábio e sempre virtuoso. Conhece a medida, conheces os prazos, aprende isso. Quando ficares sozinho, reza. Toma gosto ao cair por terra e beijá-la. Beija a terra e ama, ama incansável, insaciavelmente, ama todos, ama tudo, procura no amor o êxtase e o enlevo. Molha a terra com as lágrimas da tua alegria e ama essas tuas lágrimas. Não tenhas vergonha deste êxtase, mas preza-o, porque é uma dádiva divina, uma grande dádiva, e não é dada a muitos, mas só aos eleitos.

(excertos de Os Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski)

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