"Se os sofrimentos das crianças foram acrescentados para perfazer a soma de sofrimentos necessária à compra da verdade, então afirmo desde já que toda a verdade não vale esse preço. Ao fim e ao cabo, o que eu quero é que a mãe não abrace o carrasco cujos cães despedaçaram o filho dela! Que ela não se atreva a perdoar-lhe! Se ela quiser, que perdoe por si, que lhe perdoe o seu incomensurável sofrimento materno; mas não tem o direito de perdoar o sofrimento do seu filho despedaçado, que não se atreva a perdoar ao carrasco, nem que a própria criança lhe perdoasse! Mas, se assim for, se não há o direito de perdoar, onde está então a harmonia? Haverá em todo o mundo uma criatura que possa e tenha o direito de perdoar? Eu não quero a harmonia, por amor à humanidade, não a quero. Quero antes ficar do lado dos sofrimentos não vingados. É melhor que eu fique com o meu sofrimento não vingado e com a minha indignação não saciada, mesmo que não tenha razão. Também estabeleceram um preço demasiado alto para a harmonia, está para além das nossas posses pagar tanto pela entrada. Por isso, apresso-me a devolver o meu bilhete de entrada. E, se for um homem honesto, tenho a obrigação de o devolver com a máxima antecedência. É o que estou a fazer. Não quero dizer que não admita Deus, não, Aliocha, apenas lhe devolvo, com todo o respeito, o bilhete.
- Isso é uma revolta - disse Aliocha, cabisbaixo, numa voz muito ténue.
- Revolta? Eu não queria ouvir-te dizer esta palavra - disse Ivan com um sentimento profundo. - É impoosível viver-se revoltado, e eu quero viver. Diz-me tu próprio e frontalmente, responde-me: imagina tu que estás a construir o edifício do destino humano, com o objectivo de, no fim, fazeres com que as pessoas sejam felizes, que recebam a paz e o sossego, mas que para isso seria necessário e inevitável martirizar apenas uma criança minúscula, aquela criancinha que batia com a mãozinha no peito, e que seria sobre as lágrimas não vingadas dela que tinhas de erguer o edifício; concordarias então, nessas condições, em seres o arquitecto? Diz, e não mintas!" (Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov)
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