segunda-feira, outubro 25, 2010

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"Conheço uma certa emoção das horas, sei da aparição dos instantes-limite, das vozes submersas, e gostava de dar aos outros essa notícia. Há uma vida atrás da vida, uma irrealidade presente à realidade, mundo das formas de névoa, mundo incoercível e fugidio, mundo da surpresa e do aviso. Assim o próprio presente pode ter a voz do passado, vibrar como ele à obscuridade de nós. A minha retórica vem do desejo de prender o que me foge, de contar aos outros o que ainda não tem nome e onde as palavras se dissipam com a névoa do que narram." (Vergílio Ferreira, Aparição)

quarta-feira, outubro 20, 2010

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"Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem. A felicidade consiste em fazer coincidir os dois." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV)

sexta-feira, outubro 15, 2010

Stranger...

"Stranger, if you passing meet me and desire to speak to me, why should you not speak to me? And why should I not speak to you?"
(Walt Whitman)

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"A reflexão sanciona o fim da inocência mítica. A seguir o homem não pode deixar-se levar senão por evidências estabelecidas, converte-se em artesão da verdade [...] A existência funda-se numa ruptura, numa separação de si em relação a si, de si em relação ao mundo e de si em relação a Deus." (Georges Gusdorf, Mito y metafísica)

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"Eu, porém, relembrava o meu susto à súbita presença de alguém que agora sabia ser eu. [...] Mas no outro dia, assim que me levantei, coloquei-me no sítio donde me vira ao espelho e olhei. Diante de mim estava uma pessoa que me fitava com uma inteira individualidade que vivesse em mim e eu ignorava. Aproximei-me, fascinado, olhei de perto. E vi, vi os olhos, a face desse alguém que me habitava, que me era e eu jamais imaginara. Pela primeira vez eu tinha o alarme dessa viva realidade que era eu, desse ser vivo que até então vivera comigo na absoluta indiferença de apenas ser e em que agora descobria qualquer coisa mais, que me excedia e me metia medo." (Vergílio Ferreira, Aparição)

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"Para elas (a imensa maioria das criaturas humanas), viver é entregar-se ao unânime, deixar que os costumes, os preconceitos, os tópicos, os usos se instalem no interior. São espíritos débeis que (...) se sentem ameaçados e se preocupam então, precisamente para tirarem dos ombros o próprio peso que eles são, com atirarem-no sobre a colectividade, isto é, preocupam-se com despreocupar-se (...) um humilde afã de ser como os demais, de renunciar à possibilidade diante do próprio destino, dissolvendo-se no meio da multidão; é o eterno ideal do débil: a sua preocupação é fazer o que toda a gente faz." (José Ortega y Gasset, Que és filosofia?)

quinta-feira, outubro 14, 2010

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"Viajar é uma busca do que nunca se encontra. Porque o que pode encontrar-se está em nós. Dado o balanço, é o que há de mais interessante. O outro viajava à roda do seu quarto. Eu viajo à roda de mim que sempre está mais perto, mesmo assim. E não se pode dizer que tenha menos interesse do que quatro paredes." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente V)

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"Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV)

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"Tenho uma saudade imensa do mundo que vai nascer."
(Vergílio Ferreira, Conta-Corrente I)

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"A vida é feita de desperdícios em que se não faz absolutamente nada. Penso assim que ela foi malbaratada, que desbaratamos o que se poderia aproveitar em vida intensa e desse modo jamais poderemos recuperar. Mas acaso o homem não nasceu para isso mesmo? Para esbanjar? Uma vida totalmente aproveitada seria talvez insuportvável pelo imenso desgaste que de nós exigiria em nervos, emotividade, esforço mental." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente V)

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"Estás sentada no teu maple, as pernas estendidas, como costume, sobre uma cadeira, olhar absorto na TV. E de súbito, penso: dentro de algum tempo não nos veremos mais." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV)

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"É um lugar-comum dizer-se que 'não há amor como o primeiro'. E todavia não é verdade. O amor contrói-se longamente e não há assim amor como o último, o que dura ou devia durar até à morte." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente IV)

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"Estavam velhos e eram um casal muito unido. Por isso a forma de comunicarem entre si era naturalmente a agressão. Porque a agressão era nesse caso uma forma de distanciar o que está muito grudado. Como a fita gomada que se cola aos dedos. (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente V)

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"Nunca fui capaz [de manter um diário]. Creio que por pudor, digamos, por falta de coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto não. Mesmo que não falemos de nós (é-me difícil falar de mim). Aliás como os outros, desconheço-me. Talvez, também porque me evito. A verdade é que, quando me encontro bem pela frente, reconheço-me intragável. Mas enfim as virtudes são também desgostantes." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente I)

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"Em todo o caso, nos erros cometidos, no que foi verdade e falhou e se consumiu, no que me excitou e não tinha razão, um valor persiste quando a tudo dou um balanço e é o valor da própria vida. Só para ter existido valeu a pena existir. A maior recompensa da vida é ela própria. Creio que em que tudo o que disse não disse afinal outra coisa. Creio que de tudo o que me fascinou nada me fascinou mais do que a vida, o seu mistério inesgotável, a sua inesgotável maravilha. Dou o balanço a tudo quanto me aconteceu e a vertigem de ter vivido absorve e aniquila tudo o que aí falhou e mentiu. Foi bom ter nascido. Foi bom não ter acabado ainda de nascer..." (Vergílio Ferreira, Conta-Corrente V)

quarta-feira, outubro 13, 2010

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"[...] muito cedo tomei consciência da imensa distância entre o que se imagina e se é de facto (e não me excluo a mim próprio), porque, por feitio e visão, me convenci e convenço da irremediável solidão que é a vida, porque sei bem quanto gestos e palavras ficam sempre por fazer e dizer [...]" (Jorge de Sena a Mécia de Sena)

terça-feira, outubro 12, 2010

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"Onde eu não estou, as palavras me acham." (Manoel de Barros)

segunda-feira, outubro 11, 2010

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"Porque é que dizes quem me dera ser feliz e não dizes quem me dera ser medíocre? Porque dirias a mesma coisa. E o que provas ao dizê-lo é só que afinal já o eras." (Vergílio Ferreira)

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"O homem feliz é aquele que, ao despertar, se reencontra com prazer, e se reconhece como aquele que gosta de ser." (Paul Valéry)

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"Sê alegre apenas depois de dares a volta à vida toda. E regressares então a uma flor, ao sol num muro, a um verme no chão. A profunda alegria não é a do começo mas a do fim." (Vergílio Ferreira)

sexta-feira, outubro 08, 2010

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“Twenty years from now you will be more disappointed by the things you didn’t do than by the ones you did do. So throw off the bowlines, sail away from the safe harbor. Catch the trade winds in your sails. Explore. Dream. Discover." (Mark Twain)
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"Two roads diverged in a wood and I - I took the one less traveled by, and that has made all the difference." (Robert Frost)
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"Do not follow where the path may lead. Go instead where there is no path, and leave a trail." (Ralph Waldo Emerson)
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"Not all those who wander are lost." (J. R. R. Tolkien)
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"All journeys have secret destinations of which the traveler is unaware." (Martin Buber)
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"The only journey is the journey within." (Rainer Maria Rilke)

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“If I discover within myself a desire which no experience in this world can satisfy, the most probable explanation is that I was made for another world." (C.S. Lewis)

quarta-feira, outubro 06, 2010

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"Que distância entre esta triste prudência de hoje e aquela audácia, aquela intemperança de confiança doutros tempos! Mas silêncio! Não nos oiça o fantasma melancólico dos anos idos. A rêverie da saudade é para a alma que se deixa envolver nela como a hera para os muros que veste a abraça. A princípio é um adorno, uma gala. Mas as raízes vão entrando dia a dia por entre as pedras mais bem ligadas, abrindo-as, descolando-as. Quando se lhe acode não é mais já do que uma ruína - uma ruína encoberta e protegida por uma ilusão. Assim, pois, procuremos o sossego interior como última salvaguarda das liberdades do espírito. É o que se pode conservar no deserto de todas as esperanças."
(Antero de Quental, Cartas)

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"A escrita é apenas o esqueleto da ideia."
(Antero de Quental)

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"Se o pensamento indaga, o coração adivinha. Àquele podem iludi-lo os erros, que um desvio lhe introduza no cálculo atrevido. Mas a este não, que não calcula nem compara: vê e sente. Não é livre, não é activo; mas por isso mesmo se não pode enganar. É lá que a mesma lei da existência vive oculta, e dali solta os seus oráculos sempre certos."
(Antero de Quental, Cartas)

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"A felicidade, para mim, consiste em gozar de boa saúde, em dormir sem medo, e em acordar sem angústia." (Françoise Sagan)

segunda-feira, outubro 04, 2010

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"O erotismo é uma paixão que requer valentia."
(Emmanuelle Arsan, Emmanuelle)

sexta-feira, outubro 01, 2010

Solidão...

"É exactamente porque não há solidão que dizes que solidão. Imagina que eras o único homem no universo. Imagina que nascias de uma árvore, ou antes, porque eu quero pôr a hipótese de que não há árvores, nem astros, nem nada com que te confrontes: supõe que o universo é só o vazio e que tu nascias no meio desse vazio, sem nada para te confrontares. Como dizeres «eu estou sozinho»? Para pensares em «eu» e em «sozinho» tinhas de pensar em «tu» e em «companhia». Só há solidão «porque» vivemos com os outros..." (Vergílio Ferreira, Estrela Polar)

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Somos do tempo de viver aos molhos
Para morrer sozinhos.

(Reinaldo Ferreira, Poemas)

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"[...] um homem solitário, como todo o verdadeiro homem, (é) um ser que que vive em si próprio, que longamente se prepara antes de caminhar para os outros homens, a levar-lhes uma lição de força, seja a força do amor ou do ódio, seja a lição da alegria ou da vingança."
(Herberto Helder, Os Passos em Volta)

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"A arte não é, a meu ver, um prazer solitário. É um meio de comover o maior número de homens oferecendo-lhe uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns. Obriga, portanto, o artista a não se isolar; submete-o à verdade mais humilde e mais universal. E aquele que, muitas vezes, escolhe o seu destino por se sentir diferente, aprenderá bem depressa que só alimentará a sua arte e a sua diferença confessando a sua semelhança com o comum dos mortais. O artista forja-se nessa ida-e-volta perpétua de ele para os outros, a meio caminho entre a beleza que não pode dispensar e a comunidade a que não pode fugir."
(Albert Camus, Discours de Suède)

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- Aliocha, diga-me também outra coisa: vai obedecer-me sempre? É preciso também resolver já isto desde já.
- E com muito prazer, Lise, obrigatoriamente, mas não no mais importante. No mais importante, se a Lise não concordar comigo, farei na mesma o que o dever me manda.

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"'Que solidão?', pergunto-lhe eu. 'A solidão que agora reina por todo o lado, especialmente no nosso século, e ainda vem longe o fim dela. Porque cada um, hoje em dia, deseja isolar cada vez mais a sua pessoa, quer experimentar em si mesmo a plenitude da vida e, no entanto, o resultado é que todos os seus esforços, em vez da plenitude da vida, acabam num suicídio absoluto, porque em vez da plenitude da definição da sua personalidade entra num isolamento total. Porque todos, no nosso século, se separam, cada qual se isolando na sua toca, cada qual se afastando do outro, escondendo-se e escondendo o que possui, acabando por rejeitar os outros e ser rejeitado pelos outros. Acumula a sua riqueza em solidão e pensa: que forte eu sou, que rico... e mal sabe, o louco, que quanto mais acumula mais mergulha na impotência suicida. Porque está habituado a contar apenas consigo e, como unidade, se separou do comum, habituou a sua alma e não acredita na ajuda dos outros, nas pessoas e na humanidade e apenas receia que o seu dinheiro e os seus direitos adquiridos se percam. Hoje, por todo o lado, a mente humana irónica começa a perder a consciência de que o verdadeiro sustento do indivíduo não consiste no seu esforço pessoal e solitário, mas um esforço em comunidade humana. É inevitável, porém, que chegue o fim deste terrível isolamento e que se compreenda, de uma vez por todas, como é antinatural esta separação uns dos outros. Será assim o espírito da época, e as pessoas espantar-se-ão por terem passado tanto tempo na escuridão, sem verem a luz. [...] Mas, até lá, é necessário guardar a bandeira e, de vez em quando, nem que seja como acto isolado, um homem sozinho deve dar o exemplo e tirar a alma do isolamento para a elevar até à façanha da convivência em amor fraterno, nem que seja na qualidade de maluquinho religioso. É necessário isso para que não morra a grande ideia...'"

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"[...] também tens culpa, porque podia trazer luz aos facínoras como único justo e não trouxeste. Se lhes tivesses trazido luz, também terias alumiado o caminho dos outros, e talvez aquele que cometeu o crime não o tivesse cometido à tua luz. E mesmo que alumies mas vejas que as pessoas não se salvam à tua luz, continua firme e não duvides da força da luz celeste; tem fé de que, se agora não se salvaram, salvar-se-ão depois. E se não se salvarem depois, salvar-se-ão os filhos deles, porque a tua luz não morrerá, mesmo com a tua morte. O justo morre, mas a luz dele sobrevive. Alguém se salva sempre depois da morte do salvador. [...] Nunca procures recompensa, porque já é grande a tua recompensa na terra: a tua alegria espiritual, que apenas o justo pode obter. Não temas superiores nem poderosos, mas sê sábio e sempre virtuoso. Conhece a medida, conheces os prazos, aprende isso. Quando ficares sozinho, reza. Toma gosto ao cair por terra e beijá-la. Beija a terra e ama, ama incansável, insaciavelmente, ama todos, ama tudo, procura no amor o êxtase e o enlevo. Molha a terra com as lágrimas da tua alegria e ama essas tuas lágrimas. Não tenhas vergonha deste êxtase, mas preza-o, porque é uma dádiva divina, uma grande dádiva, e não é dada a muitos, mas só aos eleitos.

(excertos de Os Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski)