terça-feira, outubro 21, 2014

...

"Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me."

(Stig Dagerman, A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer)

segunda-feira, outubro 20, 2014

...

"Nunca fui excessivamente infeliz - porque não tenho imaginação: não me consumia, rondando e almejando em torno de paraísos fictícios, nascidos da minha própria alma desejosa como nuvens da evaporação d'um lago."

(Eça de Queiroz, O Mandarim)

quinta-feira, outubro 16, 2014

IDIOTIA & FELICIDADE

Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz, pergunta-me um leitor?

Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota seu proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si próprio que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade.Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. Uma delas foi experimentada comigo. Uma parente minha queria por força reconverter-me ao Catolicismo e, deste modo, passava a vida a dizer-me: «Alexandre, não penses. Se começas a pensar estragas tudo. A crença em Deus, se, em vez de pensares, reaprenderes a rezar, vem por si. É uma graça, sabias? Vá, reza comigo.» E ensinava-me orações que eu, muitas vezes de mãos postas, repetia aplicadamente. Acabei por não me casar com ela.

Não quero dizer, com isto, que não acredite na chamada (creio eu) revelação. Se revelação não existisse, como poderia um poeta do tomo de Paul Claudel entrar um dia em Notre-Dame e sentir-se, naquele preciso momento, convertido irresistivelmente ao Cristo e à irradiação da sua verdade e da sua beleza? E não pode afirmar-se que o grande poeta fosse um idiota.

Agora a minha parente era-o, de certeza, e queria fazer de mim outro idiota. Não por desejar reconverter-me, mas por aconselhar-me, como meio, o de eu não pensar, o de eu principalmente não pensar. Se tivesse casado com ela (que não era filha da minha lavadeira) talvez tivesse sido feliz - não se sabe - idiota e feliz. Assim, fiquei longos anos idiota e infeliz, infeliz por ser idiota e saber que o era e que não podia deixar de o ser. Ora, um idiota que é infeliz por saber que é idiota já pode estar a caminho de deixar de o ser. É uma possibilidade. É a tal luz no fundo do túnel, como se disse tantas vezes a propósito da situação económica deste idiota de país.

Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam.

O leitor gostaria de ser ministro ou secretário de Estado? Pois fique sabendo que há quem goste, embora - será justo dizê-lo - também há quem o seja a contra-gosto, por dever partidário ou patriótico.

Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo.

Oremos.

Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.

(Alexandre O'Neill, Uma Coisa em Forma de Assim)

EXAGEROS

O Alfredo atirou o jornal ao chão, irritadíssimo, e virou-se para mim:
- Estes jornalistas! Passam a vida a inventar coisas, é o que te digo. Então não afirmam que, no Sardoal, foi encontrado um frango com três pernas! Vê lá tu! É preciso ter descaramento.
Ajeitou-se melhor no sofá e, realmente indignado, coçou a tromba com a pata do meio.

(Mário-Henrique Leiria, Novos Contos do Gin)

sexta-feira, outubro 10, 2014

...

Dedicatória encontrada no interior de uma edição argentina de 1974 de La Sustancia del Zen, de Paul Wienpahl: "Ao meu amigo Silva Correia para que não se preocupe com as coisas deste mundo. Abreu (?)"

Sempre gostava de saber com que coisas de que outro mundo desejava o Abreu que o seu amigo se preocupasse...

quarta-feira, outubro 08, 2014

...

Dois mosquitos presos no âmbar
Viveram felizes para sempre.

(Rui Manuel Amaral)

...

Eu ainda sou do tempo em que só a mulher podia engravidar. Mas o progresso não cessa de me espantar: hoje, quem engravida é o casal. "Estamos grávidos", dizem-me. E eu escondo a náusea por detrás de um sorriso...

quinta-feira, outubro 02, 2014

...

Tenho algo para dizer aos pais de crianças índigo e cristal. Se tiverem interesse em saber o que é, e uma vez que tenho esse canal à disposição, vou agora enviar a mensagem telepaticamente para os vossos filhos. Abraços e até depois...