sexta-feira, abril 20, 2012

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"E depois, tentando deixar-me ainda mais enterrado, dizia-me que a luta contra a dispersão era o motivo mais oculto do coleccionista, e que eu, com o meu arquivo, tentava corrigir essa dispersão, mas, lamentavelmente, continuava a andar disperso, direito ao desastre. O meu filme é ambicioso, e podia ao menos deixar-me prepará-lo, dizia-lhe eu. O teu filme é a ideia de um louco, respondia-me ele, fazes-me lembrar um homem que conheci em Nova Iorque, que queria escrever tudo, tudo o que ouvisse a rua, não importava que fosse chato, néscio ou vulgar o que registasse, queria escrever tudo, era um grande maluco. Não sei, dizia-lhe eu, não sei quem era esse homem, mas sei que quero filmar todos os fracassos do mundo, todos. Mas se, na realidade, dizia-me ele, isso apenas demonstra que não sabes o que queres, embarcas numa coisa interminável para assim não teres de concluir nada, nuna vi niguém mais inconsciente, mais caprichoso." (Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan)

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"Em última instância (disse Vílnius improvisando de novo), como dizer?, as coisas têm de ser tal como são e tal como têm sido sempre; quero eu dizer que as grandes coisas estão reservadas para os grandes; os abismos para os profundos; as delicadezas e estremecimentos para os subtis; e, evidentemente, tudo o que é esquisito para os esquisitos."
(Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan)

terça-feira, abril 17, 2012

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‎"Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota a pisar um rosto humano. Para sempre."

(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)

sexta-feira, abril 13, 2012

O que é ler?

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"We – the civilised – have been inculcated to believe that belongings are more important than belonging." (Derrick Jensen, Endgame, Volume I)

Remember Remember - Scottish Widows

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"Os dias são frutos maduros que devemos saborear bem."
(Jean Giono, O Homem que Plantava Árvores)

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"O erotismo imaginado, sem parceiro, é a pior da solidão."
(Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro)

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"É na cama que eu quero que me digas tudo [...]"
(Eurico, Narrativas de Sonho e Textos Automáticos)

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"Comecei a fumar mais um cigarro. A não ser que vos informe especificamente do contrário, estou sempre a fumar mais um cigarro."
(Martin Amis, Money)

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"Vocês terão que se habituar a viver sem resultados nem esperança. Trabalharão durante algum tempo, serão apanhados, confessarão e morrerão. São estes os únicos resultados visíveis. Convençam-se de que é improvável virem a ocorrer mudanças perceptíveis durante a vossa vida. Nós somos os mortos. A nossa única vida autêntica está no futuro. Viveremos essa vida como uma mão cheia de pó e estilhaços de ossos. Mas ninguém sabe quando virá esse futuro. Até pode ser daqui a mil anos. De momento nada podemos fazer senão alargar a pouco e pouco os espaços de saúde mental."
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)

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"Preciso de tanto tempo para não fazer nada que não me sobra tempo para trabalhar." (Pierre Reverdy)

segunda-feira, abril 09, 2012

As cidades subtis. 5.

"Se quiserem acreditar, muito bem. Agora vou contar como é Otávia, cidade teia de aranha. Há um precipício no meio de duas montanhas escarpadas: a cidade está situada sobre o vácuo, ligada aos dois cumes por teleféricos e correntes e passarelas. Caminha-se sobre as travessas de madeira, com cuidado para não meter os pés nos intervalos, ou agarrados às malhas de cânhamo. Por baixo não há nada por centenas e centenas de metros; corre uma ou outra nuvem; entrevê-se mais abaixo o fundo do precipício.
Esta é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e de apoio. Tudo o resto, em vez de se elevar por cima, está pendurado por baixo: escadas de corda, camas de rede, tendas suspensas, cabides, terraços como barcas, odres de água, bicos de gás, espetos, cestos pendurados por cordéis, monta-cargas, duches, trapézios e aros para os jogos, teleféricos, candelabros, vasos com plantas de folhagens pendulares.
Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta do que noutras cidades. Sabem que além de um certo ponto a rede não aguenta."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)

As cidades e o desejo. 2.

"Ao cabo de três dias, andando para o meio-dia, o homem encontra-se em Anastásia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por grandes papagaios de papel. Eu deveria agora enumerar as mercadorias que aqui se compram com lucro: ágata ónix crisoprásio e outras variedades de calcedónia; gabar a carne do faisão dourado que se cozinha no fogo de lenha de cerejeira seca e se barra com muito orégão; falar das mulheres que vi tomar banho na piscina de um jardim e que às vezes convidam - conta-se - o transeunte a despir-se e a correr atrás delas na água. Mas com estas notícias não te diria a verdadeira essência da cidade: porque enquanto a descrição de Anastásia se limita a despertar os desejos um de cada vez para te obrigar a sufocá-los, a quem se encontra uma manhã no meio de Anastásia os desejos despertam todos ao mesmo tempo a assediar-nos. A cidade aparece-nos como um todo em que nenhum desejo se perde e de que nós fazemos parte, e como ela goza de tudo de que nós não gozamos só nos resta habitar este desejo e satisfazermo-nos com ele. Este poder, que consideram ora maligno ora benigno, tem-no Anastásia, cidade enganadora: se durante oito horas por dia trabalharmos como entalhadores de ágatas ónixes crisoprásios, a nossa fadiga que dá forma ao desejo toma do desejo a sua forma, e julgamos gozar por toda Anastásia enquanto afinal não passamos de seus escravos."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)

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"O poder do rei é governar, não é? Mas o homem não quer governar: tem vontade de forçar, como você disse. De ser mais do que homem, num mundo de homens. Escapar à condição humana, era o que eu dizia. Não apenas poderoso: todo poderoso. A quimérica doença, de que a vontade de poder é a justificação intelectual, é a vontade de divindade: todo o homem sonha ser deus."
(André Malraux, A Condição Humana)

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"A castidade, Maria Augusta? É uma coisa muito aborrecida do Senhor. São mistérios gozosos. A castidade é porca.
- É blasfémia, Frei Bento.
- Blasfémia é não amar, não ver, não sentir. Blasfémia é o delírio de si, sem mundos, sem outros, sem dó do que se desconhece. Isso é blasfémia."
(Maria Velho da Costa, Myra)