quarta-feira, dezembro 28, 2011
...
"Creio que uma das atitudes fundamentais do homem humano deve ser a de reconhecer em si, numa falta de compreensão ou numa falta de acção, a origem das deficiências que nota no ambiente em que vive; só começamos, na verdade, a melhorar quando deixamos de nos queixar dos outros para nos queixarmos de nós, quando nos resolvemos a fornecer nós mesmo ao mundoo que nos parece faltar-lhe; numa palavra, quando passamos de uma atitude de pessimista censura a uma atitude de criação optimista, optimista, não quanto ao estado presente, mas quanto aos resultados futuros." (Agostinho da Silva, Glossas III, 1934)
quinta-feira, dezembro 22, 2011
A Estrela
Gatinho, meu amigo,
fazes ideia do que seja uma estrela?
Dizem que todo este nosso imenso planeta
coberto de oceanos e montanhas
é menos que um grão de poeira
se comparado a uma delas
Estrelas são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos
O mesmo que a eternidade
Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco me importa
quanto dura uma estrela
Importa-me quanto duras tu,
querido amigo,
e esses teus olhos azul-safira
com que me fitas.
(Ferreira Gullar)
fazes ideia do que seja uma estrela?
Dizem que todo este nosso imenso planeta
coberto de oceanos e montanhas
é menos que um grão de poeira
se comparado a uma delas
Estrelas são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos
O mesmo que a eternidade
Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco me importa
quanto dura uma estrela
Importa-me quanto duras tu,
querido amigo,
e esses teus olhos azul-safira
com que me fitas.
(Ferreira Gullar)
Um instante
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
(Ferreira Gullar)
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
(Ferreira Gullar)
quarta-feira, dezembro 21, 2011
...
"'Que tinha esse xaile de tão especial?' 'A mãe fez esse xaile quando estava grávida de mim. Ela tinha uma adoração especial por ele.' 'Ah, estou a ver. Foi criado ao mesmo tempo que tu. E tu foste provavelmente o seu filho predilecto?' 'Por acaso, até fui.' 'Ah, não foi por acaso', respondi, começando a perder a paciência. Ele era a cara chapada da mãe, e, como ela, incapaz de decifrar a ordem natural das coisas. 'Bom, o xaile foi-se mesmo', disse eu, 'mas se isto te serve de consolo, só o que já foi perdido pode ser possuído para sempre'. Foi obviamente uma afirmação disparatada, mas pensei que iria gostar." (Kjell Askildsnen, Últimas notas de Thomas F. para o público em geral)
sexta-feira, dezembro 16, 2011
...
"Para o filósofo não há nunca os cegos que não querem ver, há sempre os cegos que não podem ver." (Agostinho da Silva)
quinta-feira, dezembro 15, 2011
quarta-feira, dezembro 14, 2011
...
"Eu pensava que queria ser poeta, mas no fundo queria ser poema."
(Enrique Vila-Matas em Bartleby e companhia, supostamente citando Jaime Gil de Biedma)
(Enrique Vila-Matas em Bartleby e companhia, supostamente citando Jaime Gil de Biedma)
...
"Também há-de chegar o dia em que eu próprio nunca existi; nem eu, nem todos os fantasmas que me calcaram aos pés e me deixaram inanimado... E há-de chegar também o dia em que o mundo nunca existiu: o mundo, o sol e as estrelas..." (Teixeira de Pascoaes, O Bailado)
terça-feira, dezembro 13, 2011
...
"A impossibilidade em que está o homem de realizar plenamente o seu ser sem poder deixar de tender a todo o momento para realizá-lo é a origem de todo o drama, e todas as maneiras como o drama surge são revelações daquela impossibilidade. O conhecimento metafísico surge na medida em que abandonamos a ilusão e o desejo de resolver plenamente o drama de ser no plano das existências." (José Marinho, Teoria do Ser e da Verdade)
...
"Se estes factos assombrosos são reais, vou enlouquecer.
Se são imaginários, já enlouqueci."
(Ambrose Pierce)
Se são imaginários, já enlouqueci."
(Ambrose Pierce)
domingo, dezembro 11, 2011
...
"Retirado en la paz de estos desiertos,
con pocos, pero doctos libros juntos,
vivo en conversación con los difuntos
y escucho con mis ojos a los muertos. [...]"
(Francisco de Quevedo)
con pocos, pero doctos libros juntos,
vivo en conversación con los difuntos
y escucho con mis ojos a los muertos. [...]"
(Francisco de Quevedo)
sexta-feira, dezembro 09, 2011
Bastava-nos Amar
Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.
Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.
Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
(Joaquim Pessoa, Português Suave)
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.
Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.
Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.
(Joaquim Pessoa, Português Suave)
sexta-feira, dezembro 02, 2011
terça-feira, novembro 29, 2011
...
"O fim para que os homens inventaram os livros foi para conservar a memória das coisas passadas contra a tirania do tempo, e contra o esquecimento dos homens, que ainda é maior tirania."
(Padre António Vieira)
(Padre António Vieira)
CARTA VÁRIA XI
"Há, talvez, duas espécies de revolução: Uma é a de mudar o mundo, como tanto tem sido tentado, sempre com resultados muito aquém das levantadas esperanças; a outra a de mudar cada pessoa, já que as perspectivas da transformação oposta ou parecem muito exageradas, muito desmentidas pelos resultados no quotidiano, ou envolvem tais dificuldades e tais riscos, mesmo vitoriosas, e sobretudo quando vitoriosas, que parece melhor tentar a alternativa. É isto o que diríamos da revolução pessoal que tem, no ocidente, os exemplos de São Paulo ou São Francisco, no Oriente, e por exemplo também, o caso de Buda e de, quase em nosso tempo, Ramakrishna que experimentou as três vias do Hinduísmo, do Cristianismo e do Islão, nelas três atingindo suas metas. Quem sabe, se não haveria ainda de trilhar novo caminho: o de, tomando toda a simplicidade, todo o despojamento, toda a disciplina, toda a dedicação do que foi citado - e bem sabendo das nossas inferioridades e limitações -, ninguém se retirar do mundo, como muito deles fizeram, ninguém se recolher a convento algum, mas no século permanecer, com bom humor, paciência, entusiasmo, fé no triunfo e absoluta confiança nas qualidades do homem, quaisquer que sejam as aparências. Combater sem agressividade, esperar sem se tornar passivo, acreditar haver saída para tudo, conservar-se na marcha geral, embora escolhendo seu próprio caminho e jamais esquecendo o seu rumo, abertos sempre a todas as ideias e acolhedores de todos os estímulos. Sem internas quebras, navegar ao que parece impossível, sem desânimos, adiantar a tarefa sem temer o paradoxo, dar toda a eternidade à corrida do tempo, sem pressa, nunca cessando a marcha. E ver em todos os companheiros não um grupo que se guia, o que logo faz surgir hierarquias, mas o nosso amparo, o nosso incitamento: Mestres, afinal, não discípulos."
(Agostinho da Silva, 1 de Julho de 1986)
(Agostinho da Silva, 1 de Julho de 1986)
segunda-feira, novembro 28, 2011
sexta-feira, novembro 25, 2011
Da Violência
Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem.
(Bertolt Brecht, Poemas)
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem.
(Bertolt Brecht, Poemas)
quinta-feira, novembro 24, 2011
quarta-feira, novembro 23, 2011
...
"É preciso ser-se um homem simples, ou nada. É preciso viver, amar, sofrer, compreender, aceitar, superar. Escrever é um pis-aller. Só escrevo porque estou só, mal portanto, magoado pelo muito que tenho sofrido. Não devemos escrever senão quando nos sentimos forçados a isso, quando precisamos de criar ou de estoirar."
(Romain Rolland, carta de 1904)
(Romain Rolland, carta de 1904)
...
"* Os dois princípios de acção que eu inscrevia no meu Diário eram os seguintes:
1. Nunca pertencer a um grupo, a uma associação política. Toda a associação de homens corrompe as ideias em nome das quais esta se realizou, fá-las desviar do seu verdadeiro sentido. Sou e quero continuar livre. E se vier a combater, à margem de qualquer campo, combaterei sozinho, só por mim responsável.
2. Regra moral: nunca ser passivo em coisa alguma, inclusivamente na aceitação. Submeter-me, talvez - não ser submetido. Sacrificar-me - não resignar-me. (29 de Setembro de 1898)
De toda a minha obra e de toda a minha vida se desentranha uma moral: lei de inteligência e de acção, lei interior e lei prática: - a lei da Verdade. Ser verdadeiro connosco próprios. Nunca dizermos ou escrevermos uma palavra a mais ou a menos do que julgamos a Verdade...
E há ainda uma segunda lei, que procurei imprimir a toda a minha obra: - a lei da simpatia (no sentido etimológico): «sofrer com». A lei do amor humano. (A E.R. Curtius, 27 de Fevereiro de 1926)
Faltaria, porém, aos seus mandamentos um terceiro, que é a lei da vida, aquela que ele tao poeticamente evocou na «sageza de Gottfried».
Sê piedoso diante do dia que nasce. Não penses no que acontecerá dentro de um ano, dentro de dez anos. Pensa no dia de hoje. Deixa em paz as teorias. Todas as teorias, como vês, mesmo as da virtude, são más, estúpidas, fazem mal. Não violes a vida. Vive hoje. Sê piedoso para cada dia. Ama-o, respeita-o, sobretudo, não o faças estiolar, não o impeças de florir. Ama-o, mesmo que pardo e triste, como hoje. Não te inquietes. Olha. Estamos no Inverno. Tudo dorme. A boa terra voltará a despertar. Sejamos uma boa e paciente terra como ela."
(Romain Rolland por ele próprio, de Jean-Bertrand Barrère)
1. Nunca pertencer a um grupo, a uma associação política. Toda a associação de homens corrompe as ideias em nome das quais esta se realizou, fá-las desviar do seu verdadeiro sentido. Sou e quero continuar livre. E se vier a combater, à margem de qualquer campo, combaterei sozinho, só por mim responsável.
2. Regra moral: nunca ser passivo em coisa alguma, inclusivamente na aceitação. Submeter-me, talvez - não ser submetido. Sacrificar-me - não resignar-me. (29 de Setembro de 1898)
De toda a minha obra e de toda a minha vida se desentranha uma moral: lei de inteligência e de acção, lei interior e lei prática: - a lei da Verdade. Ser verdadeiro connosco próprios. Nunca dizermos ou escrevermos uma palavra a mais ou a menos do que julgamos a Verdade...
E há ainda uma segunda lei, que procurei imprimir a toda a minha obra: - a lei da simpatia (no sentido etimológico): «sofrer com». A lei do amor humano. (A E.R. Curtius, 27 de Fevereiro de 1926)
Faltaria, porém, aos seus mandamentos um terceiro, que é a lei da vida, aquela que ele tao poeticamente evocou na «sageza de Gottfried».
Sê piedoso diante do dia que nasce. Não penses no que acontecerá dentro de um ano, dentro de dez anos. Pensa no dia de hoje. Deixa em paz as teorias. Todas as teorias, como vês, mesmo as da virtude, são más, estúpidas, fazem mal. Não violes a vida. Vive hoje. Sê piedoso para cada dia. Ama-o, respeita-o, sobretudo, não o faças estiolar, não o impeças de florir. Ama-o, mesmo que pardo e triste, como hoje. Não te inquietes. Olha. Estamos no Inverno. Tudo dorme. A boa terra voltará a despertar. Sejamos uma boa e paciente terra como ela."
(Romain Rolland por ele próprio, de Jean-Bertrand Barrère)
terça-feira, novembro 22, 2011
...
"1901: aos trinta e cinco anos.
Passo dias sem ver ninguém nem receber uma única carta. Este profundo silêncio, sucedendo, senão ao movimento do mundo, ao ruído do mundo que chegava até mim nos anos passados, aturde-me um pouco por momentos. Acabarei por me habituar. Estou calmo. Posso, mesmo, suportar não ter tempo para sonhar, para escrever os meus sonhos, não estar inteiramente ocupado por sonhos miúdos. Já não tenho mais pressa. Talvez morra amanhã e eis-me a agir como se tivesse diante de mim cinquenta anos para viver. Ocupo-me, antes de mais nada, em alargar a minha personalidade, da base ao tecto, reconstruindo os seus alicerces, que tinham vacilado um pouco, e fazendo entrar em todas as dependências da casa, em todos os andares, mais ar e mais luz. (Romain Rolland a Louis Gillet, 25 de Outubro de 1901)"
(Romain Rolland por ele próprio, de Jean-Bertrand Barrère)
Passo dias sem ver ninguém nem receber uma única carta. Este profundo silêncio, sucedendo, senão ao movimento do mundo, ao ruído do mundo que chegava até mim nos anos passados, aturde-me um pouco por momentos. Acabarei por me habituar. Estou calmo. Posso, mesmo, suportar não ter tempo para sonhar, para escrever os meus sonhos, não estar inteiramente ocupado por sonhos miúdos. Já não tenho mais pressa. Talvez morra amanhã e eis-me a agir como se tivesse diante de mim cinquenta anos para viver. Ocupo-me, antes de mais nada, em alargar a minha personalidade, da base ao tecto, reconstruindo os seus alicerces, que tinham vacilado um pouco, e fazendo entrar em todas as dependências da casa, em todos os andares, mais ar e mais luz. (Romain Rolland a Louis Gillet, 25 de Outubro de 1901)"
(Romain Rolland por ele próprio, de Jean-Bertrand Barrère)
segunda-feira, novembro 21, 2011
...
Vale a pena ler Occupy first. Demands come later, de Slavoj Žižek, e The Occupy movements are the realists, not Europe's ruling elites, de John Gray. E ver a forma como, neste vídeo, John Stewart recorre ao humor para descontruir a recorrente mistificação...
domingo, novembro 20, 2011
Viva o amor
"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em 'diálogo'. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam 'praticamente' apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do 'tá tudo bem, tudo bem', tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso 'dá lá um jeitinho sentimental'. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A 'vidinha' é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também." (Miguel Esteves Cardoso)
quarta-feira, novembro 16, 2011
...
"[...] Muitos dizem que uma república teria de ser uma nação de anjos, porque os homens, com as suas inclinações egoístas, não são capazes de uma constituição de forma tão sublime. Mas, precisamente, por meio destas inclinações, a natureza intervém a favor da vontade geral assente na razão, mas impotente na prática. Trata-se simplesmente de organizar o Estado de tal modo (e isso não é coisa acima das forças humanas) que a acção de cada uma das inclinações egoístas, opondo-se umas às outras, acabe por moderar ou destruir os seus efeitos desastrosos. O resultado é, para a razão, o mesmo que seria se essas inclinações não existissem, e cada homem é forçado a ser bom cidadão, ainda que não moralmente bom.
O problema de organizar um Estado, por árduo que possa parecer, pode ser resolvido até mesmo no caso de um povo de demónios, contando que dotados de entendimento. O problema é: 'Dada uma multidão de seres racionais que requerem leis universais que assegurem a sua conservação, mas cada um dos quais se mostra secretamente inclinado a furtar-se a essas leis, estabelecer uma constituição tal que, embora as suas intenções privadas se combatam, se refreiem umas às outras, sendo o resultado que o seu modo de se conduzirem publicamente seja o mesmo que se não tivessem essas intenções'. Um problema como este tem de ser resolúvel; não requer que saibamos como alcançar o aperfeiçoamento moral dos homens, mas apenas que conheçamos o mecanismo da natureza, a fim de o usarmos sobre os homens, organizando o conflito das intenções hostis presentes num povo de tal modo que os seus elementos se obriguem a si mesmos a submeter-se a leis coercivas. É assim instaurado um Estado pacífico e a força das suas leis." (Kant, Perpetual Peace)
O problema de organizar um Estado, por árduo que possa parecer, pode ser resolvido até mesmo no caso de um povo de demónios, contando que dotados de entendimento. O problema é: 'Dada uma multidão de seres racionais que requerem leis universais que assegurem a sua conservação, mas cada um dos quais se mostra secretamente inclinado a furtar-se a essas leis, estabelecer uma constituição tal que, embora as suas intenções privadas se combatam, se refreiem umas às outras, sendo o resultado que o seu modo de se conduzirem publicamente seja o mesmo que se não tivessem essas intenções'. Um problema como este tem de ser resolúvel; não requer que saibamos como alcançar o aperfeiçoamento moral dos homens, mas apenas que conheçamos o mecanismo da natureza, a fim de o usarmos sobre os homens, organizando o conflito das intenções hostis presentes num povo de tal modo que os seus elementos se obriguem a si mesmos a submeter-se a leis coercivas. É assim instaurado um Estado pacífico e a força das suas leis." (Kant, Perpetual Peace)
quinta-feira, novembro 10, 2011
...
"Una niña indígena perseguía al director del equipo, silenciosa sombra pegada a su cuerpo, y lo miraba fijo a la cara, de muy cerca, como queriendo meterse en sus raros ojos azules. El director recurrió a los buenos oficios de Ticio, que conocía a la niña y entendía su lengua. Ella confesó:
– Yo quiero saber de qué color ve usted las cosas.
– Del mismo que tú – sonrió el director.
– ¿Y cómo sabe usted de qué color veo yo las cosas?"
(Eduardo Galeano, Puntos de vista)
– Yo quiero saber de qué color ve usted las cosas.
– Del mismo que tú – sonrió el director.
– ¿Y cómo sabe usted de qué color veo yo las cosas?"
(Eduardo Galeano, Puntos de vista)
...
"Considero ser esta a maior tarefa numa relação entre duas pessoas: que uma vele a solidão da outra. Pois, se a essência tanto da indiferença quanto da multidão consiste em não reconhecer solidão alguma, o amor e a amizade existem para propiciar continuamente oportunidades para a solidão. E são verdadeiras apenas as comunhões que ritmicamente interrompem estados profundos de solidão." (Rainer Maria Rilke, Da Solidão e da Doença, Sobre a Morte e Sobre a Vida)
...
"Este livro é, portanto, um livro de combate, de acordo com a definição admirável e fundamental de Paulo: 'Porque não lutamos contra a carne e o sangue, mas contra os príncipes, contra as autoridades, contra os que governam este mundo [kosmokratoras] de trevas e contra os espíritos do mal que estão nos céus'. (Efésios 6: 12). Ou, traduzindo na linguagem de hoje: ' A nossa luta não é contra este ou aquele indivíduo corrupto, mas contra a generalidade dos que ocupam o poder, contra a sua autoridade, contra a ordem global e a mistificação ideológica que a sustenta'. Travar esta luta significa aprovar a fórmula de Badiou: mieux vaut un désastre qu'un désêtre ['mais vale um desastre que um des-ser'] - mais vale assumir o risco e comprometer-nos com a fidelidade a um Acontecimento-Verdade, ainda que este acabe em catástrofe, do que vegetarmos na sobrevivência sem acontecimentos hedonista e utilitarista daqueles a que Nietzsche chama os 'últimos homens'." (Slavoj Žižek, Viver no Fim dos Tempos)
...
"Quando nos são mostradas imagens de crianças que morrem de fome em África, incitando-nos a que façamos qualquer coisa para os ajudar, a mensagem ideológica subentendida é do género: 'Não pense, não politize, esqueça as causas da miséria, aja, contribua com o seu dinheiro, de modo a não ter de pensar!' Rousseau compreendera já perfeitamente a má-fé dos admiradores multiculturalistas das culturas alheias, quando, no Émile, nos alertava contra o 'filósofo que ama os tártaros para se dispensar de amar o seu vizinho mais próximo'." (Slavoj Žižek, Viver no Fim dos Tempos)
...
"Como se torna adulto um indivíduo? Aprendendo quando deve violar a norma explícita que o vincula. Assim, no que se refere ao casamento, pode razoavelmente dizer-se que o estado adulto se atinge quando a pessoa casada se torna capaz de cometer adultério. A única prova da razão é a queda ocasional na 'irracionalidade' (como Hegel bem sabia)." (Slavoj Žižek, Viver no Fim dos Tempos)
segunda-feira, novembro 07, 2011
quinta-feira, novembro 03, 2011
...
"Se um soldado cercado pelo inimigo quiser encontrar uma saída, tem de aliar um intenso desejo de viver a uma estranha indiferença em relação à morte. Não deve simplesmente agarrar-se à vida, sucumbindo assim à cobardia: não escaparia. Também não deve ter muita pressa de morrer, pois isso seria suicidar-se: não sobreviveria. Deve procurar a vida num espírito de indiferença furiosa; deve desejar a vida como água e estar todavia pronto para beber o vinho da morte." (Gilbert Keith Chesterton, Ortodoxia)
...
"Na medida em que, para São Paulo, 'morte' e 'vida' designam designam as duas posições existenciais (subjectivas) e não factos 'objectivos', não será inteiramente justificado colocar de novo a questão paulina: quem está hoje verdadeiramente vivo?
E se estar realmente vivo se resumisse hoje à busca de uma intensidade excessiva que nos ponha em contacto com um para-além da 'simples vida'? E se, quando nos agarramos à sobrevivência, mesmo que isso seja considerado como 'passar uns bons tempos', estivermos afinal a perder a própria vida?
[...] O propósito de todos estes comportamentos rituais não visará precisamente impedir a 'Coisa' de acontecer - essa 'Coisa' sendo o próprio excesso de vida? A catástrofe que ele ou ela teme não é, afinal, que lhe aconteça realmente qualquer coisa? [...]
Será então um paradoxo caracteristicamente nietzschiano dizer que o grande perdedor da afirmação aparente da vida contra qualquer causa transcendente seja a vida real? O que torna a vida digna de ser vivida é o próprio excesso da vida: a consciência de que existe qualquer coisa pela qual estamos dispotos a arriscar a vida (podemos chamar a esse excesso 'liberdade', 'honra', 'dignidade', 'autonomia', etc.). Só estamos realmente vivos se estivermos prontos a correr esse risco." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
E se estar realmente vivo se resumisse hoje à busca de uma intensidade excessiva que nos ponha em contacto com um para-além da 'simples vida'? E se, quando nos agarramos à sobrevivência, mesmo que isso seja considerado como 'passar uns bons tempos', estivermos afinal a perder a própria vida?
[...] O propósito de todos estes comportamentos rituais não visará precisamente impedir a 'Coisa' de acontecer - essa 'Coisa' sendo o próprio excesso de vida? A catástrofe que ele ou ela teme não é, afinal, que lhe aconteça realmente qualquer coisa? [...]
Será então um paradoxo caracteristicamente nietzschiano dizer que o grande perdedor da afirmação aparente da vida contra qualquer causa transcendente seja a vida real? O que torna a vida digna de ser vivida é o próprio excesso da vida: a consciência de que existe qualquer coisa pela qual estamos dispotos a arriscar a vida (podemos chamar a esse excesso 'liberdade', 'honra', 'dignidade', 'autonomia', etc.). Só estamos realmente vivos se estivermos prontos a correr esse risco." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
...
"[...] É aí que o zen propriamente dito diverge da sua versão 'acomodatícia' ocidental: a verdadeira grandeza do zen consiste em não se reduzir a uma viagem interior ao nosso 'verdadeiro eu'; a finalidade da meditação zen consiste, pelo contrário, em esvaziar totalmente o 'eu', em aceitar que o 'eu' não existe e que não há nenhuma verdade interior para descobrir." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
...
"A lição dos romances de Marguerite Duras é mais pertinente que nunca: o meio - o único meio - para um casal viver uma relação verdadeiramente pessoal (sexual e de amor) não consiste em ficar a olhar um para o outro, esquecendo o mundo à sua volta, mas em olhar juntos, de mãos dadas, para o exterior." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
quarta-feira, novembro 02, 2011
...
"Na boa velha RDA era impossível alguém combinar três características: convicção (crença na ideologia oficial), inteligência e honestidade. Se era convicto e inteligente, não era honesto; se era inteligente e honesto, não era convicto; se era convicto e honesto, não era inteligente. Não podemos dizer o mesmo da ideologia da democracia liberal? Se pretendemos levar a sério a ideologia liberal hegemónica, não é possível ser ao mesmo tempo inteligente e honesto: ou se é completamente idiota ou cinicamente corrupto." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
terça-feira, novembro 01, 2011
"Normalizing the unthinkable"
"[Reinhold Niebuhr]'s view was that rationality belongs to the cool observer. But because of the stupidity of the average man, he follows not reason, but faith. And this naive faith requires necessary illusion, and emotionally potent oversimplifications, which are provided by the myth-maker to keep the ordinary person on course. It's not the case, as the naive might think, that indoctrination is inconsistent with democracy. Rather, as this whole line of thinkers observes, it is the essence of democracy. The point is that in a military state or a feudal state or what we would now call a totalitarian state, it doesn't much matter what people think, because you've got a bludgeon over their heads and you can control what they do. But when the state loses the bludgeon, when you can't control people by force, and when the voice of the people can be heard, you have this problem - it may make people so curious and so arrogant that they don't have the humility to submit to a civil rule, and therefore you have to control what people think. And the standard way to do this is to resort to what in more honest days used to be called propaganda, manufacture of consent, creation of necessary illusions. Various ways of either marginalizing the general public or reducing them to apathy in some fashion."
E vale a pena ler este ensaio de Edward S. Herman, publicado em 1991: The Banality of Evil.
E vale a pena ler este ensaio de Edward S. Herman, publicado em 1991: The Banality of Evil.
segunda-feira, outubro 31, 2011
...
"Great spirits have always encountered violent opposition from mediocre minds. The mediocre mind is incapable of understanding the man who refuses to bow blindly to conventional prejudices and chooses instead to express his opinions courageously and honestly."
(Albert Einstein, letter to Morris Raphael Cohen, professor emeritus of philosophy at the College of the City of New York, March 19, 1940. Einstein is defending the appointment of Bertrand Russell to a teaching position.)
(Albert Einstein, letter to Morris Raphael Cohen, professor emeritus of philosophy at the College of the City of New York, March 19, 1940. Einstein is defending the appointment of Bertrand Russell to a teaching position.)
...
"I have repeatedly said that in my opinion the idea of a personal God is a childlike one. You may call me an agnostic, but I do not share the crusading spirit of the professional atheist whose fervor is mostly due to a painful act of liberation from the fetters of religious indoctrination received in youth. I prefer an attitude of humility corresponding to the weakness of our intellectual understanding of nature and of our own being."
(Albert Einstein, letter to Guy H. Raner Jr., Sept. 28, 1949)
(Albert Einstein, letter to Guy H. Raner Jr., Sept. 28, 1949)
...
"Either the thing is true, or it isn't. If it is true, you should believe it, and if it isn't, you shouldn't. And if you can't find out whether it's true or whether it isn't, you should suspend judgment. It seems to me a fundamental dishonesty and a fundamental treachery to intellectual integrity to hold a belief because you think it's useful, and not because you think it's true." (Bertrand Russel)
Love Police...
"What you need to do is buy things you don't need. That's the best way to support the economy... If you see a buddhist on the street, try to get them to leave their religion.... Meditation is a waste of good shopping time. Miserable people shop more, so please, remain as miserable as you can."
...
"O homem é talvez mortal, mas morramos resistindo e, se é o nada que nos está reservado, façamos com que isso seja uma injustiça." (Sénancour, Obermann)
...
"It's my belief that history is a wheel. Inconstancy is my very essence, says the wheel. Rise up on my spokes if you like but don't complain when you're cast back down into the depths. Good times pass away, but then so do the bad. Mutability is our tragedy, but it's also our hope. The worst of times, like the best, are always passing away." (Boetius, Consolatio Philosophiae, 524)
Estertores...
Para quem não teve a oportunidade de ler, aqui fica a ligação a Pescadores de águas turvas, mais uma pérola de José António Saraiva, autor das famosas crónicas Fazer a mesma vida gastando metade e No poupar é que está o ganho. Lá que o senhor é poupado no acto de pensar, isso é inegável. Pois leia-se mais este delírio e pasme-se com aquilo que escreve, e também com aquilo que ensina: "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático." Aqui deixo a minha resposta possível, publicada no site do 'Sol' a 27 de Outubro...
---
Caro José António Saraiva,
Tenho, desde já, três hipóteses: ou assumo que o senhor está a ser intelectualmente desonesto, que age de má fé, alimentado pelo medo do porvir, procurando defender o "estado de coisas" que tão bem o trata, e respondo-lhe à letra; ou assumo que este texto é fruto da sua inconsciência, gerada por um profundo afastamento da realidade que o rodeia, e, com alguma condescendência, dou-me ao trabalho de lhe explicar o que se passa no mundo e no país real, a si, que dirige um órgão de comunicação social; ou assumo, por fim, que a dimensão dos delírios que ultimamente tem produzido se fundam numa retirada involuntária da realidade, associada a desequilíbrios do foro psicológico, e, nesse caso, por mero pudor e respeito, opto pelo silêncio. Enfim, apesar de tudo, acredito que se situa algures entre a primeira e a segunda hipóteses (mas com alguns traços da terceira - quem consegue ser são num mundo como este?), pelo que procurarei ser o mais construtivo possível na minha resposta...
Antes de mais, começa por afirmar ser incapaz de compreender que gente é esta que se indigna, com quê, e porquê... Apesar de crer que conhece minimamente (também pela profissão que desempenha) o contexto social nacional e mundial actual, acredito serem genuínas essas questões que se coloca: acredito que não saiba, de facto, "quem é esta gente", nem porque se indigna. Não digo isto apenas pela bolha em que sei viver a sua vida (facilmente aferida pelas crónicas humorísticas sobre a poupança com que, tão gentilmente, nos presenteou nos últimos tempos), mas sobretudo pelo exercício oco dos dois parágrafos seguintes, em que subitamente já percebe muito bem que "haja pessoas indignadas." É quase confrangedor sentir a forma como escreve sobre uma realidade que é incapaz de tocar, numa quase absurda assunção de um lugar que não conhece, mas que sabe ou imagina existir: não há sentimento nas suas palavras, não há nervo, há apenas um vazio estéril; você não sabe o que é não ver "nenhuma saída"; e, se alguma vez soube, é óbvio que já se esqueceu...
Depois da tese superficial em que reduz o fundamento da indignação ao desemprego, diz o senhor que a aflição motivada pela potencial, ou real, perda da autonomia (colocando em causa a sobrevivência, ou a possibilidade de uma vida digna) conduz ao sentimento de revolta... Caro senhor, permita-me que lhe diga o seguinte, de uma forma muito simples: uma das características dos "indignados" que por esse mundo fora se manifestam é precisamente o partilharem a consciência de que essa asfixia de oportunidades não é, como se procura fazer crer, uma fatalidade; "não é a crise, é o sistema" tem sido proferido globalmente (por aqueles que conseguem ter voz - muitos há que estão silenciados), e o sentimento de revolta não nasce apenas da frustração ou do desespero daqueles que se encontram no terrível limite da sua condição; nasce, sobretudo, da percepção lúcida que é hoje possível ter-se de que a dignidade humana é verdadeiramente posta em causa pelo modelo de sociedade em que vivemos, pelos poderes sociopatas que se erguem neste paradigma do capitalismo selvagem e que, como se tem verificado nas últimas décadas, e de uma forma cada vez mais grave e acentuada, perpetuam e aprofundam as desigualdades e as injustiças sociais, hipotecando milhares de milhões de vidas presentes e futuras. Escreveu Camus: "A revolta nasce do espectáculo da insensatez, perante uma condição injusta. [...] Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim." Suponho que compreenda o que isto significa...
Não tenho de lhe explicar que a história da Humanidade é também a história da luta contra as formas de opressão; nem que lhe dizer que nenhum sistema, depois de implementado, por muito que seja melhor do que anterior, está livre de ser preterido ou transformado, com mais ou menos dores de crescimento, sofrendo de forma mais ou menos traumática. Sim, urge a mudança, e urge a mudança profunda, porque uma coisa é certa: como alguém gritava no dia 15 de Outubro, em Lisboa, se continuarmos por este caminho, vai chegar rapidamente o dia em que "a única coisa que os pobres terão para comer serão os ricos". E suponho que nem pobres nem ricos anseiem por esse dia...
Não deixa de ser engraçada a forma como, agindo o medo do desconhecido, ou de perder aquilo que se tem investido, se tenta descredibilizar um movimento de protesto, alegando não apresentar uma alternativa ao modelo vigente. Já tinha apreciado esse gesto desesperado, quando o mesmo procurava infantilizar, mas foi a primeira vez que o vi ser feito no sentido de ligar o movimento ao terrorismo. E porque razão são os indignados terroristas? Porque rejeitam este modelo de sociedade mas não propõem outro, diz o senhor. Brilhante! Um verdadeiro "salto", sem qualquer lógica ou sustentação. Duas coisas... Em primeiro lugar, para se afirmar que algo não funciona, não tem necessariamente de se saber dizer como deveria funcionar - se eu estivesse em condições de gerir o País, apresentava um projecto para ser Governo, mas como não estou, procuro conhecer os projectos daqueles que se apresentam a eleições, daqueles que se afirmam estar em condições de resolver os problemas com que nos defrontamos. Significa isto que me demito de criticar e protestar contra aquilo que julgo ser errado? Significa isso que renuncio ao meu direito de participar? Claro que não. Não sou adepto do "come e cala." Procurando usar um exemplo prosaico, como o senhor procura fazer nas suas crónicas: qualquer trabalhador sabe dizer se o chefe é ou não competente, e se as suas qualidade de liderança são uma mais valia para a empresa; mas para poder aferir isso não tem que saber ocupar o lugar do chefe, compreende? Em segundo lugar, apesar da natureza relativamente inorgânica destes movimentos, que por todo o mundo começam a surgir, é falso que não tenham propostas alternativas. Mas, mais importante do que isso: é sobretudo falso que procurem destruir (apesar de compreender que seja esse o seu medo), e que não sejam motivados pelo desejo de participar na construção dessas mesmas alternativas. E é isso que também reivindicam: o direito de participar. Mas não se preocupe, porque é isso vai acontecer, mais tarde ou mais cedo. E talvez ainda tenha a sorte de o viver...
"Tudo isto é uma lufada de ar fresco. As críticas segundo as quais o movimento não tem um objectivo concreto ou é ideologicamente vago não me dizem grande coisa. Nesta país, a cultura da dissidência é hoje tão insípida que penso que é óptimo as pessoas voltarem a practicá-la, ou a participar nela pela primeira vez, juntando-se em carne e osso num espaço de protesto. Além disso, as reivindicações podem não ser muito precisas, mas as razões gerais do protesto são perfeitamente claras e válidas por si mesmas." (Siddhartha Mitter, Alternatives Internationales)
"Não é a crise, é o sistema", grita-se. Mas o sistema é feito de pessoas, alguém responde. Sim, é, mas de pessoas paridas pelo própria sistema, que de uma forma viciosa se vai alimentando de si mesmo. As pessoas dão corpo a este sistema, fazem dele o que são, mas é também no seio do sistema, daquilo que ele é, que as pessoas nascem e ganham vida. O sistema só muda quando as pessoas mudam. E, quando o sistema muda, as pessoas mudam também... Quando se nasce, nasce-se no seio de uma família, de uma cultura, de uma sociedade, que nos acolhe, ou não. Há muitos mundos, diferentes, neste nosso mundo, uns mais ricos de afectos, de valores, outro mais miseráveis. E esses mundos particulares dão à luz pessoas com mundos internos muito diferentes... Conscientes desta dinâmica de causalidades mutáveis, devemos trabalhar no sentido de ir criando mecanismos que defendam as pessoas das muitas incapacidades daquilo que é ser-se humano hoje, geradas por este mundo desigual e muitas vezes atroz. Na minha opinião, apenas um ser incapaz de sentir empatia pelo outro, e desesperadamente vazio, está disposto a pisar e a escravizar, e apenas para se encher daquilo que é acessório, e que apenas permite mascarar o que, por sua infelicidade, esteve sempre ausente no mundo que o viu nascer. Tenho a convicção de que as pessoas que oprimem, mais ou menos despoticamente, com recurso às mais variadas armas para o conseguir, não são mais do que, também elas, um miserável produto da vida nascida e crescida neste mundo tristemente minado por lugares despovoados de amor e de afectos, sem valores e sem limites. E esses lugares engravidam, perpetuam-se, e ameaçam a sobrevivência e a dignidade da espécie humana...
Como explicou recentemente Luís Queirós no Jornal de Negócios, creio que, "para sobreviver, a nossa civilização tem de encontrar formas de prosperar sem crescimento: uma prosperidade não centrada em conteúdos predominantemente materiais, em que se valorize mais o 'ser' do que 'ter', num mundo com novos valores e uma nova espiritualidade." Não sei se a transição será suave, não sei sequer se será possível, mas não tenha medo, nem fique angustiado: lembre-se de que não controla absolutamente nada, e de que aquilo que tiver de acontecer, acontecerá... Porque, "na realidade, não estamos a sofrer uma crise, mas um feixe de crises, uma soma de crises tão intimamente misturadas umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas de outras, até se formar um verdadeiro sistema. Ou seja, estamos a enfrentar uma crise sistémica do mundo ocidental que afecta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a guerra, a geopolítica, o clima, o ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.", escreveu Igancio Romanet na última edição do Le Monde Diplomatique.
"Human history can be viewed as a slowly dawning awareness that we are members of a larger group. Initially our loyalties were to ourselves and our immediate family, next, to bands of wandering hunter-gatherers, then to tribes, small settlements, city-states, nations. We have broadened the circle of those we love. We have now organized what are modestly described as super-powers, which include groups of people from divergent ethnic and cultural backgrounds working in some sense together — surely a humanizing and character building experience. If we are to survive, our loyalties must be broadened further, to include the whole human community, the entire planet Earth. Many of those who run the nations will find this idea unpleasant. They will fear the loss of power. We will hear much about treason and disloyalty. Rich nation-states will have to share their wealth with poor ones. But the choice, as H. G. Wells once said in a different context, is clearly the universe or nothing." (Carl Sagan)
Mas regressando ao seu texto, não posso não lhe deixar uma nota sobre aquilo que ensina nas suas aulas de política... Diz-me então que "os movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", certo? Que "o seu objectivo é tentar impedir pela força o Governo legitimamente eleito de aplicar as medidas que considera necessárias.". Caro senhor, esquece-se de um pequeno pormenor, e refiro-me agora à escala local: Pedro Passos Coelho "tem toda a legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha eleitoral", escreveu recentemente no Jornal de Negócios o nosso Prémio Camões, Manuel António Pina. Compreende? Não consigo imaginar maior vigor democrático do aquele em que um povo consciente (da complexa conjuntura nacional e mundial) afirma o seu descontentamento, de forma pacífica, nas ruas, sem esperar pelo dia do voto. "O caminho dos 'indignados' não é definitivamente o trilho certo para construir um país melhor", conclui. Está a falar de um país melhor para quem, pergunto-lhe eu? Para si? E cuidado com esse "definitivamente". Lembre-se das palavras de Eric Hoffer: "Só podemos ter certeza absoluta das coisas que não compreendemos." E eu compreendo que seja difícil para si, e para qualquer pessoa, entender a dimensão e o significado de um movimento inédito de protesto, que se ensaia, de forma consonante, à escala mundial...
É curiosa a forma como o senhor, um suposto liberal, lutando contra a expressão da indignação, que afirma ser "terrorista" e antidemocrática, ou seja, que afirma constituir uma ameaça à liberdade, introduz claramente a ideia de que seria desejável limitar a liberdade da contestar nas ruas. "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", escreve. De alguma forma, alinha com alguns dos regimes que condena na sua crónica, repudiando as manifestações populares de descontentamento. Também as deseja proibir? Se os "terroristas" estão dispostos a destruir este mundo, que acha que faz o senhor, com essas suas palavras, ao seu mundo alegadamente democrático? Como diria Žižek, faz lembrar Jonathan Alter e Alan Dershowitz: mostravam tanto respeito pela dignidade humana que, para a defender, estavam dispostos a legalizar a tortura - ou seja, a suprema degradação da dignidade humana. Irónico, no mínimo...
E volto a trazer-lhe Carl Sagn, se me permite: "widespread intellectual and moral docility may be convenient for leaders in the short term, but it is suicidal for nations in the long term. One of the criteria for national leadership should therefore be a talent for understanding, encouraging, and making constructive use of vigorous criticism."
Por último, como indignado que estou e sou, devo dizer-lhe que não tenho intenção alguma de me tornar poder. Quanto a mim, pode ficar descansado. Como escreveu Bianciardi, "a revolução, se quiser resistir, deve permanecer revolução. Se se transforma em governo, já está falida... Os lugares que deixaram de ter uma revolução permanente recuperaram a tirania." Conte comigo para essa luta, enquanto o medo do porvir não me vergar, como diria que aconteceu consigo. Mas é normal, lembre-se de Pitigrilli, que é do seu tempo: "nasce-se incendiário e acaba-se bombeiro."
Cumprimentos,
Filipe Feio
P.S. Um conselho: leia a história da ascensão de Hitler, e verá que está enganado. Esse senhor, ao contrário do que diz, foi legitimado nas urnas, muito com a ajuda do grupo de comunicação social de Alfred Hugenberg...
---
Caro José António Saraiva,
Tenho, desde já, três hipóteses: ou assumo que o senhor está a ser intelectualmente desonesto, que age de má fé, alimentado pelo medo do porvir, procurando defender o "estado de coisas" que tão bem o trata, e respondo-lhe à letra; ou assumo que este texto é fruto da sua inconsciência, gerada por um profundo afastamento da realidade que o rodeia, e, com alguma condescendência, dou-me ao trabalho de lhe explicar o que se passa no mundo e no país real, a si, que dirige um órgão de comunicação social; ou assumo, por fim, que a dimensão dos delírios que ultimamente tem produzido se fundam numa retirada involuntária da realidade, associada a desequilíbrios do foro psicológico, e, nesse caso, por mero pudor e respeito, opto pelo silêncio. Enfim, apesar de tudo, acredito que se situa algures entre a primeira e a segunda hipóteses (mas com alguns traços da terceira - quem consegue ser são num mundo como este?), pelo que procurarei ser o mais construtivo possível na minha resposta...
Antes de mais, começa por afirmar ser incapaz de compreender que gente é esta que se indigna, com quê, e porquê... Apesar de crer que conhece minimamente (também pela profissão que desempenha) o contexto social nacional e mundial actual, acredito serem genuínas essas questões que se coloca: acredito que não saiba, de facto, "quem é esta gente", nem porque se indigna. Não digo isto apenas pela bolha em que sei viver a sua vida (facilmente aferida pelas crónicas humorísticas sobre a poupança com que, tão gentilmente, nos presenteou nos últimos tempos), mas sobretudo pelo exercício oco dos dois parágrafos seguintes, em que subitamente já percebe muito bem que "haja pessoas indignadas." É quase confrangedor sentir a forma como escreve sobre uma realidade que é incapaz de tocar, numa quase absurda assunção de um lugar que não conhece, mas que sabe ou imagina existir: não há sentimento nas suas palavras, não há nervo, há apenas um vazio estéril; você não sabe o que é não ver "nenhuma saída"; e, se alguma vez soube, é óbvio que já se esqueceu...
Depois da tese superficial em que reduz o fundamento da indignação ao desemprego, diz o senhor que a aflição motivada pela potencial, ou real, perda da autonomia (colocando em causa a sobrevivência, ou a possibilidade de uma vida digna) conduz ao sentimento de revolta... Caro senhor, permita-me que lhe diga o seguinte, de uma forma muito simples: uma das características dos "indignados" que por esse mundo fora se manifestam é precisamente o partilharem a consciência de que essa asfixia de oportunidades não é, como se procura fazer crer, uma fatalidade; "não é a crise, é o sistema" tem sido proferido globalmente (por aqueles que conseguem ter voz - muitos há que estão silenciados), e o sentimento de revolta não nasce apenas da frustração ou do desespero daqueles que se encontram no terrível limite da sua condição; nasce, sobretudo, da percepção lúcida que é hoje possível ter-se de que a dignidade humana é verdadeiramente posta em causa pelo modelo de sociedade em que vivemos, pelos poderes sociopatas que se erguem neste paradigma do capitalismo selvagem e que, como se tem verificado nas últimas décadas, e de uma forma cada vez mais grave e acentuada, perpetuam e aprofundam as desigualdades e as injustiças sociais, hipotecando milhares de milhões de vidas presentes e futuras. Escreveu Camus: "A revolta nasce do espectáculo da insensatez, perante uma condição injusta. [...] Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim." Suponho que compreenda o que isto significa...
Não tenho de lhe explicar que a história da Humanidade é também a história da luta contra as formas de opressão; nem que lhe dizer que nenhum sistema, depois de implementado, por muito que seja melhor do que anterior, está livre de ser preterido ou transformado, com mais ou menos dores de crescimento, sofrendo de forma mais ou menos traumática. Sim, urge a mudança, e urge a mudança profunda, porque uma coisa é certa: como alguém gritava no dia 15 de Outubro, em Lisboa, se continuarmos por este caminho, vai chegar rapidamente o dia em que "a única coisa que os pobres terão para comer serão os ricos". E suponho que nem pobres nem ricos anseiem por esse dia...
Não deixa de ser engraçada a forma como, agindo o medo do desconhecido, ou de perder aquilo que se tem investido, se tenta descredibilizar um movimento de protesto, alegando não apresentar uma alternativa ao modelo vigente. Já tinha apreciado esse gesto desesperado, quando o mesmo procurava infantilizar, mas foi a primeira vez que o vi ser feito no sentido de ligar o movimento ao terrorismo. E porque razão são os indignados terroristas? Porque rejeitam este modelo de sociedade mas não propõem outro, diz o senhor. Brilhante! Um verdadeiro "salto", sem qualquer lógica ou sustentação. Duas coisas... Em primeiro lugar, para se afirmar que algo não funciona, não tem necessariamente de se saber dizer como deveria funcionar - se eu estivesse em condições de gerir o País, apresentava um projecto para ser Governo, mas como não estou, procuro conhecer os projectos daqueles que se apresentam a eleições, daqueles que se afirmam estar em condições de resolver os problemas com que nos defrontamos. Significa isto que me demito de criticar e protestar contra aquilo que julgo ser errado? Significa isso que renuncio ao meu direito de participar? Claro que não. Não sou adepto do "come e cala." Procurando usar um exemplo prosaico, como o senhor procura fazer nas suas crónicas: qualquer trabalhador sabe dizer se o chefe é ou não competente, e se as suas qualidade de liderança são uma mais valia para a empresa; mas para poder aferir isso não tem que saber ocupar o lugar do chefe, compreende? Em segundo lugar, apesar da natureza relativamente inorgânica destes movimentos, que por todo o mundo começam a surgir, é falso que não tenham propostas alternativas. Mas, mais importante do que isso: é sobretudo falso que procurem destruir (apesar de compreender que seja esse o seu medo), e que não sejam motivados pelo desejo de participar na construção dessas mesmas alternativas. E é isso que também reivindicam: o direito de participar. Mas não se preocupe, porque é isso vai acontecer, mais tarde ou mais cedo. E talvez ainda tenha a sorte de o viver...
"Tudo isto é uma lufada de ar fresco. As críticas segundo as quais o movimento não tem um objectivo concreto ou é ideologicamente vago não me dizem grande coisa. Nesta país, a cultura da dissidência é hoje tão insípida que penso que é óptimo as pessoas voltarem a practicá-la, ou a participar nela pela primeira vez, juntando-se em carne e osso num espaço de protesto. Além disso, as reivindicações podem não ser muito precisas, mas as razões gerais do protesto são perfeitamente claras e válidas por si mesmas." (Siddhartha Mitter, Alternatives Internationales)
"Não é a crise, é o sistema", grita-se. Mas o sistema é feito de pessoas, alguém responde. Sim, é, mas de pessoas paridas pelo própria sistema, que de uma forma viciosa se vai alimentando de si mesmo. As pessoas dão corpo a este sistema, fazem dele o que são, mas é também no seio do sistema, daquilo que ele é, que as pessoas nascem e ganham vida. O sistema só muda quando as pessoas mudam. E, quando o sistema muda, as pessoas mudam também... Quando se nasce, nasce-se no seio de uma família, de uma cultura, de uma sociedade, que nos acolhe, ou não. Há muitos mundos, diferentes, neste nosso mundo, uns mais ricos de afectos, de valores, outro mais miseráveis. E esses mundos particulares dão à luz pessoas com mundos internos muito diferentes... Conscientes desta dinâmica de causalidades mutáveis, devemos trabalhar no sentido de ir criando mecanismos que defendam as pessoas das muitas incapacidades daquilo que é ser-se humano hoje, geradas por este mundo desigual e muitas vezes atroz. Na minha opinião, apenas um ser incapaz de sentir empatia pelo outro, e desesperadamente vazio, está disposto a pisar e a escravizar, e apenas para se encher daquilo que é acessório, e que apenas permite mascarar o que, por sua infelicidade, esteve sempre ausente no mundo que o viu nascer. Tenho a convicção de que as pessoas que oprimem, mais ou menos despoticamente, com recurso às mais variadas armas para o conseguir, não são mais do que, também elas, um miserável produto da vida nascida e crescida neste mundo tristemente minado por lugares despovoados de amor e de afectos, sem valores e sem limites. E esses lugares engravidam, perpetuam-se, e ameaçam a sobrevivência e a dignidade da espécie humana...
Como explicou recentemente Luís Queirós no Jornal de Negócios, creio que, "para sobreviver, a nossa civilização tem de encontrar formas de prosperar sem crescimento: uma prosperidade não centrada em conteúdos predominantemente materiais, em que se valorize mais o 'ser' do que 'ter', num mundo com novos valores e uma nova espiritualidade." Não sei se a transição será suave, não sei sequer se será possível, mas não tenha medo, nem fique angustiado: lembre-se de que não controla absolutamente nada, e de que aquilo que tiver de acontecer, acontecerá... Porque, "na realidade, não estamos a sofrer uma crise, mas um feixe de crises, uma soma de crises tão intimamente misturadas umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas de outras, até se formar um verdadeiro sistema. Ou seja, estamos a enfrentar uma crise sistémica do mundo ocidental que afecta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a guerra, a geopolítica, o clima, o ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.", escreveu Igancio Romanet na última edição do Le Monde Diplomatique.
"Human history can be viewed as a slowly dawning awareness that we are members of a larger group. Initially our loyalties were to ourselves and our immediate family, next, to bands of wandering hunter-gatherers, then to tribes, small settlements, city-states, nations. We have broadened the circle of those we love. We have now organized what are modestly described as super-powers, which include groups of people from divergent ethnic and cultural backgrounds working in some sense together — surely a humanizing and character building experience. If we are to survive, our loyalties must be broadened further, to include the whole human community, the entire planet Earth. Many of those who run the nations will find this idea unpleasant. They will fear the loss of power. We will hear much about treason and disloyalty. Rich nation-states will have to share their wealth with poor ones. But the choice, as H. G. Wells once said in a different context, is clearly the universe or nothing." (Carl Sagan)
Mas regressando ao seu texto, não posso não lhe deixar uma nota sobre aquilo que ensina nas suas aulas de política... Diz-me então que "os movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", certo? Que "o seu objectivo é tentar impedir pela força o Governo legitimamente eleito de aplicar as medidas que considera necessárias.". Caro senhor, esquece-se de um pequeno pormenor, e refiro-me agora à escala local: Pedro Passos Coelho "tem toda a legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha eleitoral", escreveu recentemente no Jornal de Negócios o nosso Prémio Camões, Manuel António Pina. Compreende? Não consigo imaginar maior vigor democrático do aquele em que um povo consciente (da complexa conjuntura nacional e mundial) afirma o seu descontentamento, de forma pacífica, nas ruas, sem esperar pelo dia do voto. "O caminho dos 'indignados' não é definitivamente o trilho certo para construir um país melhor", conclui. Está a falar de um país melhor para quem, pergunto-lhe eu? Para si? E cuidado com esse "definitivamente". Lembre-se das palavras de Eric Hoffer: "Só podemos ter certeza absoluta das coisas que não compreendemos." E eu compreendo que seja difícil para si, e para qualquer pessoa, entender a dimensão e o significado de um movimento inédito de protesto, que se ensaia, de forma consonante, à escala mundial...
É curiosa a forma como o senhor, um suposto liberal, lutando contra a expressão da indignação, que afirma ser "terrorista" e antidemocrática, ou seja, que afirma constituir uma ameaça à liberdade, introduz claramente a ideia de que seria desejável limitar a liberdade da contestar nas ruas. "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", escreve. De alguma forma, alinha com alguns dos regimes que condena na sua crónica, repudiando as manifestações populares de descontentamento. Também as deseja proibir? Se os "terroristas" estão dispostos a destruir este mundo, que acha que faz o senhor, com essas suas palavras, ao seu mundo alegadamente democrático? Como diria Žižek, faz lembrar Jonathan Alter e Alan Dershowitz: mostravam tanto respeito pela dignidade humana que, para a defender, estavam dispostos a legalizar a tortura - ou seja, a suprema degradação da dignidade humana. Irónico, no mínimo...
E volto a trazer-lhe Carl Sagn, se me permite: "widespread intellectual and moral docility may be convenient for leaders in the short term, but it is suicidal for nations in the long term. One of the criteria for national leadership should therefore be a talent for understanding, encouraging, and making constructive use of vigorous criticism."
Por último, como indignado que estou e sou, devo dizer-lhe que não tenho intenção alguma de me tornar poder. Quanto a mim, pode ficar descansado. Como escreveu Bianciardi, "a revolução, se quiser resistir, deve permanecer revolução. Se se transforma em governo, já está falida... Os lugares que deixaram de ter uma revolução permanente recuperaram a tirania." Conte comigo para essa luta, enquanto o medo do porvir não me vergar, como diria que aconteceu consigo. Mas é normal, lembre-se de Pitigrilli, que é do seu tempo: "nasce-se incendiário e acaba-se bombeiro."
Cumprimentos,
Filipe Feio
P.S. Um conselho: leia a história da ascensão de Hitler, e verá que está enganado. Esse senhor, ao contrário do que diz, foi legitimado nas urnas, muito com a ajuda do grupo de comunicação social de Alfred Hugenberg...
sexta-feira, outubro 28, 2011
...
"Não serão também as explosões neonazis pós-comunistas uma prova negativa da presença dessas possibilidades de emancipação, o sintoma de uma tomada de consciência, através de uma explosão de raiva, de possibilidades falhadas? Não devemos recear estabelecer um paralelo com a vida psíquica individual: tal como a consciência de ter passado ao lado de uma possibilidade 'privada' (digamos, a de se lançar numa relação amorosa plena e satisfatória) deixa muitas vezes marcas sob a forma de ansiedades 'irracionais, dores de cabeça, crises de raiva, o vazio que representa a possibilidade malograda de uma revolução pode explodir e degenerar sob a forma de crises 'irracionais', de iras destruidoras..." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
quinta-feira, outubro 27, 2011
...
"Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal." (Eça de Queirós, Farpas, 1872)
quarta-feira, outubro 26, 2011
...
"It takes more courage to examine the dark corners of your own soul than it does for a soldier to fight on a battlefield."
(William Butler Yeats)
(William Butler Yeats)
terça-feira, outubro 25, 2011
"Burla dos direitos adquiridos", por Ângelo Correia
Em Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias, Ângelo Correia afirmou que adquiridos são apenas os direitos como o direito à vida, o direito à liberdade, etc.. Defendeu que todos os outros direitos, ou seja, aqueles que custam dinheiro ao Estado, são direitos que "não existem", que estão dependentes da solidez da economia. Concluiu mesmo que a ideia de direitos adquiridos se trata de uma "burla".
No entanto, menos de um ano depois, a 23 de Outubro de 2011, quando questionado por uma jornalista da Antena 1 sobre a possibilidade de, em função do momento difícil que o país atravessa, abdicar da sua subvenção vitalícia de ex-titular de cargo público (quando, ainda por cima, trabalha no sector privado), Ângelo Correia afirmou não estar disponível, por se tratar de um "direito adquirido" legalmente.
Aqui ficam os endereços para as respectivas páginas. Vale a pena ver e ouvir...
"Nós não tivemos a ousadia e a necessidade de explicar a diferença entre direitos adquiridos [...] - direito à vida, direito à liberdade - e os outros, que são os direitos decorrentes da economia, que não são adquiridos. Só o são, enquanto a economia for sólida."
(Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias: http://videos.sapo.pt/m4f98nFL3iuMKcfSAagz - minuto 33:05)
"Os direitos que nós temos são direitos adquiridos legalmente."
(Outubro de 2011, à Antena 1, recusando renunciar à sua subvenção vitalícia: http://www.rtp.pt/noticias/?headline=46&visual=9&tm=9&t=Angelo-Correia-aceita-corte-de-subvencao-mas-nao-abdica-por-se-tratar-de-um-direito-adquirido.rtp&article=491873)
No entanto, menos de um ano depois, a 23 de Outubro de 2011, quando questionado por uma jornalista da Antena 1 sobre a possibilidade de, em função do momento difícil que o país atravessa, abdicar da sua subvenção vitalícia de ex-titular de cargo público (quando, ainda por cima, trabalha no sector privado), Ângelo Correia afirmou não estar disponível, por se tratar de um "direito adquirido" legalmente.
Aqui ficam os endereços para as respectivas páginas. Vale a pena ver e ouvir...
"Nós não tivemos a ousadia e a necessidade de explicar a diferença entre direitos adquiridos [...] - direito à vida, direito à liberdade - e os outros, que são os direitos decorrentes da economia, que não são adquiridos. Só o são, enquanto a economia for sólida."
(Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias: http://videos.sapo.pt/m4f98nFL3iuMKcfSAagz - minuto 33:05)
"Os direitos que nós temos são direitos adquiridos legalmente."
(Outubro de 2011, à Antena 1, recusando renunciar à sua subvenção vitalícia: http://www.rtp.pt/noticias/?headline=46&visual=9&tm=9&t=Angelo-Correia-aceita-corte-de-subvencao-mas-nao-abdica-por-se-tratar-de-um-direito-adquirido.rtp&article=491873)
segunda-feira, outubro 24, 2011
É a ética, estúpidos!
Quando foi descoberto, Miguel Macedo defendeu-se alegando estar a receber o subsídio de alojamento ao abrigo da lei. Quando, numa questão de ética, se recorre ao escudo da legalidade, está tudo dito... Altere-se a lei, para que a mesma, quando devidamente aplicada, possa defender o País de indivíduos ccmo este, bandidos sem escrúpulos nem carácter...
Entretanto, eis que o ministro da Administração Interna teve a lata de vir dizer, de forma absolutamente arrogante e profundamente hipócrita, ventindo a pele da seriedade ofendida, que abdica de uma coisa que é sua por direito, apenas porque não quer perder "um minuto" da sua atenção. Ouviram bem? Sócios, ele renuncia porque quer estar "concentrado" naquilo que tem para fazer.
Ou seja, atribui a esta "polémica", como a designa, e àquilo em que a mesma se funda, um cariz perfeitamente irrelevante: para ele, não passa de uma distracção. O tipo vai renunciar, sim, mas não julguem que o faz porque se trata de algo eticamente reprovável. Não... Vai renunciar, mas para não se desconcentrar daquilo que, porventura, considera essencial. Ah pois: porque isto de aproveitar um vazio legal para roubar os portugueses não passa de uma coisa meramente acessória, de uma minudência, de uma distracçãozinha. Mas que mal tem pôr os portugueses a pagar 1400 euros por mês para que o dito senhor possa habitar a sua própria casa? Hum?
Enfim, só isto já seria suficiente para que, num país decente, o homem fosse afastado por quem de direito (já que o senhor não tem a decência de tomar a decisão de se demitir). Mas a história não termina aqui...
José Cesário, Secretário de Estado das Comunidades (outro que estava na mesma situação), optou também por prescindir do subsídio de alojamento a que tinha direito. Segundo fonte da Secretaria de Estado, "decidiu abdicar do subsídio para não introduzir qualquer tipo de ruído na gestão política da secretaria de Estado que tutela". Aqui, aproveito para citar o Aventar:
"É em momentos destes que descubro que, afinal, perífrase é frase mas no mau sentido, tal como eufemismo é uma treta codificada. O que José Cesário poderia ter dito, se estivesse minimamente interessado em parecer uma pessoa séria, seria qualquer coisa como: 'Um subsídio como este só faria sentido se pudesse ser aplicado a qualquer funcionário público que fosse obrigado a trabalhar longe da sua residência oficial, sendo obrigado a pagar alojamento perto do local de trabalho. Como eu ganho mais do que a maioria dos funcionários públicos e, ainda por cima, possuo uma segunda casa na cidade em que, agora, trabalho, é imoral receber esse subsídio, ainda para mais num país em dificuldades financeiras'."
Mas esta triste comédia não poderia chegar ao fim sem a participação de Aguiar Branco. O ministro da Defesa Nacional vai renunciar também ao subsídio, apesar de, ao contrário dos outros dois, "não ter casa própria em Lisboa." E porquê? Confesso que já tenho medo de perguntar... Será porque estamos a viver tempos difíceis, dos tais sacrifícios, e o abastado senhor deseja contribuir para o esforço que é exigido aos portugueses? Não! Pasme-se: "em solidariedade com os outros membros do governo". Mas será mesmo esta a razão? Acontece que o ministro da Defesa pode, se assim o desejar, utilizar o Forte de São Julião da Barra, sua Residência Oficial. Assim sendo, que sentido faz ter acesso ao subsídio se tem uma habitação à sua disposição? Será legal? Imoral é certamente: "Passos, não gosto muito do Forte, vou antes alugar uma casa. Mete o meu nome no despacho. Mil euros mensais, ok? Ou comem todos, ou há moralidade."
Assim vai este lamaçal. Que miséria...
[Fundamentos para a indignação: Indignados Lisboa!]
Entretanto, eis que o ministro da Administração Interna teve a lata de vir dizer, de forma absolutamente arrogante e profundamente hipócrita, ventindo a pele da seriedade ofendida, que abdica de uma coisa que é sua por direito, apenas porque não quer perder "um minuto" da sua atenção. Ouviram bem? Sócios, ele renuncia porque quer estar "concentrado" naquilo que tem para fazer.
Ou seja, atribui a esta "polémica", como a designa, e àquilo em que a mesma se funda, um cariz perfeitamente irrelevante: para ele, não passa de uma distracção. O tipo vai renunciar, sim, mas não julguem que o faz porque se trata de algo eticamente reprovável. Não... Vai renunciar, mas para não se desconcentrar daquilo que, porventura, considera essencial. Ah pois: porque isto de aproveitar um vazio legal para roubar os portugueses não passa de uma coisa meramente acessória, de uma minudência, de uma distracçãozinha. Mas que mal tem pôr os portugueses a pagar 1400 euros por mês para que o dito senhor possa habitar a sua própria casa? Hum?
Enfim, só isto já seria suficiente para que, num país decente, o homem fosse afastado por quem de direito (já que o senhor não tem a decência de tomar a decisão de se demitir). Mas a história não termina aqui...
José Cesário, Secretário de Estado das Comunidades (outro que estava na mesma situação), optou também por prescindir do subsídio de alojamento a que tinha direito. Segundo fonte da Secretaria de Estado, "decidiu abdicar do subsídio para não introduzir qualquer tipo de ruído na gestão política da secretaria de Estado que tutela". Aqui, aproveito para citar o Aventar:
"É em momentos destes que descubro que, afinal, perífrase é frase mas no mau sentido, tal como eufemismo é uma treta codificada. O que José Cesário poderia ter dito, se estivesse minimamente interessado em parecer uma pessoa séria, seria qualquer coisa como: 'Um subsídio como este só faria sentido se pudesse ser aplicado a qualquer funcionário público que fosse obrigado a trabalhar longe da sua residência oficial, sendo obrigado a pagar alojamento perto do local de trabalho. Como eu ganho mais do que a maioria dos funcionários públicos e, ainda por cima, possuo uma segunda casa na cidade em que, agora, trabalho, é imoral receber esse subsídio, ainda para mais num país em dificuldades financeiras'."
Mas esta triste comédia não poderia chegar ao fim sem a participação de Aguiar Branco. O ministro da Defesa Nacional vai renunciar também ao subsídio, apesar de, ao contrário dos outros dois, "não ter casa própria em Lisboa." E porquê? Confesso que já tenho medo de perguntar... Será porque estamos a viver tempos difíceis, dos tais sacrifícios, e o abastado senhor deseja contribuir para o esforço que é exigido aos portugueses? Não! Pasme-se: "em solidariedade com os outros membros do governo". Mas será mesmo esta a razão? Acontece que o ministro da Defesa pode, se assim o desejar, utilizar o Forte de São Julião da Barra, sua Residência Oficial. Assim sendo, que sentido faz ter acesso ao subsídio se tem uma habitação à sua disposição? Será legal? Imoral é certamente: "Passos, não gosto muito do Forte, vou antes alugar uma casa. Mete o meu nome no despacho. Mil euros mensais, ok? Ou comem todos, ou há moralidade."
Assim vai este lamaçal. Que miséria...
[Fundamentos para a indignação: Indignados Lisboa!]
sexta-feira, outubro 21, 2011
Memórias que são pérolas, ou do que eu me fui lembrar...
Era o ano de 2007 ou 2008 (não sei bem, mas também não interessa), e estava eu sentado no meu posto de trabalho, na redacção de um jornal com quase 150 anos de história, frente a um obsoleto modelo de computador (talvez dos tempos da fundação!), que a contragosto se arrastava por entre mais de uma dezena de janelas do "browser" - todas elas abertas em páginas acerca do assunto sobre o qual estava convictamente debruçado, diga-se - quando oiço a voz sábia do meu editor de então, vinda da secretária do lado, e indicando-me o caminho: "Então? Que estás tu a fazer? Isto aqui não é para perder tempo a investigar: é para escrever!"
quarta-feira, outubro 19, 2011
sexta-feira, outubro 14, 2011
...
"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção." (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)
quarta-feira, outubro 12, 2011
15 Out | 15h | 951 cidades | 82 países
Lisboa - Marquês de Pombal | Porto - Praça da Batalha | Angra do Heroísmo - Praça Velha | Braga - Avenida Central | Coimbra - Praça da República | Évora - Praça do Sertório | Faro - Jardim Manuel Bivar
Resto do mundo: http://15october.net/!
...
"Na verdade, a filosofia é nostalgia; o desejo de se sentir em casa em qualquer lugar." (Novalis, Fragmentos)
...
"Um passo a mais neste caminho da lucidez impiedosa, e fico sem pé na vida." (Miguel Torga, Diário XIV)
...
"O meu sonho de felicidade? O sonho de felicidade."
(Louis Aragon, em resposta ao questionário de Marcel Proust)
(Louis Aragon, em resposta ao questionário de Marcel Proust)
...
"Could a greater miracle take place than for us to look through each other's eyes for an instant?" (Henry David Thoreau)
Is there cause for optimism?
"The cost of sanity, in this society, is a certain level of alienation." (Terence McKenna)
"Well, if I were dependent on the notion that human institutions are necessary to pull us out of the ditch, I would be very despairing. As I said, nobody’s in charge – not the IMF, the Pope, the communist party, the jews, no, no, no -, nobody has their finger on what’s going on. So then, why hope? Isn’t it just a runaway train, out of control? I don’t think so. I think the out-of-controlness is the most hopeful thing about it! After all, whose control is it out of? You and I never controlled it in the first place! Why are we anxious about the fact that it’s out of control? I think if it’s out of control, then our side... is winning."
"Well, if I were dependent on the notion that human institutions are necessary to pull us out of the ditch, I would be very despairing. As I said, nobody’s in charge – not the IMF, the Pope, the communist party, the jews, no, no, no -, nobody has their finger on what’s going on. So then, why hope? Isn’t it just a runaway train, out of control? I don’t think so. I think the out-of-controlness is the most hopeful thing about it! After all, whose control is it out of? You and I never controlled it in the first place! Why are we anxious about the fact that it’s out of control? I think if it’s out of control, then our side... is winning."
terça-feira, outubro 11, 2011
...
"He thought that it was loneliness which he was trying to escape and not himself. But the street ran on: catlike, one place was the same as another to him. But in none of them could he be quiet." (William Faulkner, Light in August)
...
"Às tantas vem à tona, tem o nariz a sangrar. Madrugada. Adivinha a madrugada pelo vidro da bandeira da porta. Chega à casa de banho para estancar a hemorragia.
Tonto, a língua encortiçada, diante do espelho do lavatório. De cabeça para trás e o braço no ar parece um cego a pedir passagem. Nessa posição é-lhe difícil ver-se, tem de forçar o olhar ao longo do nariz donde descorrem umas mechas de algodão; os poucos cabelos da calva estão eriçados numa penugem de pássaro esgrouviado. Por trás, ao fundo, reflecte-se a brancura da sanita contra a parede de azulejos: cortando o espelho cai a prumo o fio do autoclismo com o cabo de porcelana. Também a branco, o cabo. Também reluzente.
Elias molha a testa à torneira. Quando torna a endireitar-se é toda a massa do cérebro que se bloqueia com o movimento e tem de se amparar no lavatório para não cair. Cabeça pendida para trás outra vez, braço no ar; a recompor-se nesse vazio dele mesmo, nessa surdez branca e mundo branco, descai os olhos, força-os a seguirem a quilha do nariz até ao espelho e depara novamente com a parede de azulejos em fundo com a sanita. E na sanita está ela: Mena.
Viu-a como se soubesse que ela sempre ali estivera, sentada nua, os cotovelos sobre os joelhos. Os reflexos da luz ora a dissolvem no vidrado do azulejos, ora a recuperam, muito pálida.
Mas há uma sombra que atravessa o espelho por trás dele. Leva um braço levantado como Elias (podia ser a sombra dele próprio a deslocar-se, a abandoná-lo) e na mão erguida tem um dedo a deitar fogo. Fogo não, sangue. Isso, sangue. E quando se chega a Mena, ela, que já estava à espera desse dedo com a boca estendida como um animal amestrado, recebe-o e suga-o. Suga-o numa cadência obediente e sonolenta.
Elias reage. Aproxima-se mais do espelho até o ocupar por completo com o rosto e fita-se demoradamente. Cara a cara com ele, mas incapaz de pensar, apenas a ver-se. Quando se cansa concentra-se num último e silencioso olhar com a dureza de quem volta costas a um irmão.
Dirige-se então à retrete e urina. De braço no ar, sempre de braço no ar, descarrega uma calda ardente e turvada de febre num jacto ruidoso - de cavalo. Esgota-se até à última gota em arrancadas bruscas, quase dolorosas que furam a espuma acumulada no fundo da sanita.
De cara para o tecto, quase solene, quem o visse diria que estava a defazer com a urina quaisquer restos de memória que desejava ignorar."
(José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)
Tonto, a língua encortiçada, diante do espelho do lavatório. De cabeça para trás e o braço no ar parece um cego a pedir passagem. Nessa posição é-lhe difícil ver-se, tem de forçar o olhar ao longo do nariz donde descorrem umas mechas de algodão; os poucos cabelos da calva estão eriçados numa penugem de pássaro esgrouviado. Por trás, ao fundo, reflecte-se a brancura da sanita contra a parede de azulejos: cortando o espelho cai a prumo o fio do autoclismo com o cabo de porcelana. Também a branco, o cabo. Também reluzente.
Elias molha a testa à torneira. Quando torna a endireitar-se é toda a massa do cérebro que se bloqueia com o movimento e tem de se amparar no lavatório para não cair. Cabeça pendida para trás outra vez, braço no ar; a recompor-se nesse vazio dele mesmo, nessa surdez branca e mundo branco, descai os olhos, força-os a seguirem a quilha do nariz até ao espelho e depara novamente com a parede de azulejos em fundo com a sanita. E na sanita está ela: Mena.
Viu-a como se soubesse que ela sempre ali estivera, sentada nua, os cotovelos sobre os joelhos. Os reflexos da luz ora a dissolvem no vidrado do azulejos, ora a recuperam, muito pálida.
Mas há uma sombra que atravessa o espelho por trás dele. Leva um braço levantado como Elias (podia ser a sombra dele próprio a deslocar-se, a abandoná-lo) e na mão erguida tem um dedo a deitar fogo. Fogo não, sangue. Isso, sangue. E quando se chega a Mena, ela, que já estava à espera desse dedo com a boca estendida como um animal amestrado, recebe-o e suga-o. Suga-o numa cadência obediente e sonolenta.
Elias reage. Aproxima-se mais do espelho até o ocupar por completo com o rosto e fita-se demoradamente. Cara a cara com ele, mas incapaz de pensar, apenas a ver-se. Quando se cansa concentra-se num último e silencioso olhar com a dureza de quem volta costas a um irmão.
Dirige-se então à retrete e urina. De braço no ar, sempre de braço no ar, descarrega uma calda ardente e turvada de febre num jacto ruidoso - de cavalo. Esgota-se até à última gota em arrancadas bruscas, quase dolorosas que furam a espuma acumulada no fundo da sanita.
De cara para o tecto, quase solene, quem o visse diria que estava a defazer com a urina quaisquer restos de memória que desejava ignorar."
(José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)
segunda-feira, outubro 10, 2011
...
"Sanity and happiness are an impossible combination. [...] No sane man can be happy, for to him life is real, and he sees what a fearful thing it is. Only the mad can be happy, and not many of those."
(Mark Twain, The Mysterious Stranger)
(Mark Twain, The Mysterious Stranger)
sábado, outubro 08, 2011
...
"Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs." (Miguel Torga, Diário XIV)
sexta-feira, outubro 07, 2011
...
“We have to create culture, don't watch TV, don't read magazines, don't even listen to NPR. Create your own roadshow. The nexus of space and time where you are now is the most immediate sector of your universe, and if you're worrying about Michael Jackson or Bill Clinton or somebody else, then you are disempowered, you're giving it all away to icons, icons which are maintained by an electronic media so that you want to dress like X or have lips like Y. This is shit-brained, this kind of thinking. That is all cultural diversion, and what is real is you and your friends and your associations, your highs, your orgasms, your hopes, your plans, your fears. And we are told 'no', we're unimportant, we're peripheral. 'Get a degree, get a job, get a this, get a that.' And then you're a player, you don't want to even play in that game. You want to reclaim your mind and get it out of the hands of the cultural engineers who want to turn you into a half-baked moron consuming all this trash that's being manufactured out of the bones of a dying world.” (Terence McKenna)
...
"To dare is to lose one's footing momentarily. Not to dare is to lose oneself." (Soren Kierkegaard)
...
"When a man asks himself what is meant by action he proves that he isn't a man of action. Action is a lack of balance. In order to act you must be somewhat insane. A reasonably sensible man is satisfied with thinking." (James Arthur Baldwin)
...
"O material da vida não é a estabilidade e a harmonia quieta, mas a luta permanente entre os contrários." (Yussof Murad)
...
"Hoje fala-se e procura-se a identificação. As pessoas querem identificar-se. Querem o que é igual a elas, o que não as destabiliza. Andamos sempre à procura do conforto. Mas o conforto é a morte." (Helder Macedo)
quinta-feira, outubro 06, 2011
Earth pilgrim...
"It seems to me that one of the fundamental failures of our time is our disconnection from the natural world [...]" (Satish Kumar)
"[...] No longer are we humble enough to identify ourselves as just a part of the whole; the consequence of this separation is grave environmental crisis; we are challenged as humankind has never been challenged before; to prove our mastery, not of nature, but of ourselves; to make peace with the earth and appreciate it for what it gives not for what we can take."
"[...] No longer are we humble enough to identify ourselves as just a part of the whole; the consequence of this separation is grave environmental crisis; we are challenged as humankind has never been challenged before; to prove our mastery, not of nature, but of ourselves; to make peace with the earth and appreciate it for what it gives not for what we can take."
...
"É através da loucura que o homem, mesmo na posse da razão, poderá tornar-se verdade concreta e objectiva aos seus próprios olhos. Do homem ao homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco." (Michel Foucault, História da Loucura na Idade Clássica)
terça-feira, outubro 04, 2011
quarta-feira, setembro 28, 2011
...
"Os cães são o nosso elo com o Paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentarmo-nos com um cão ao pé de uma colina, numa linda tarde, é voltar ao Éden, onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz." (Milan Kundera)
terça-feira, setembro 27, 2011
...
"I know of no more encouraging fact than the unquestionable ability of man to elevate his life by a conscious endeavor. It is something to be able to paint a particular picture, or to carve a statue, and so to make a few objects beautiful; but it is far more glorious to carve and paint the very atmosphere and medium through which we look, which morally we can do. To affect the quality of the day, that is the highest of arts."
(Henry David Thoreau, Walden)
(Henry David Thoreau, Walden)
segunda-feira, setembro 26, 2011
...
"Agora voltavam a sentir a tempestade. Verdade, o vendaval andava lá fora, e era como se os dois, assim nus e no neio dos destroços de roupa espalhados pelo chão, tivessem sido levados pela água e pelas trevas para um território secreto à margem do pavor e do tempo." (José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)
I will be a hummingbird
"It's the little things citizens do. That's what will make the difference. My little thing is planting trees." (Wangari Maathai, 1940-2011)
quinta-feira, setembro 22, 2011
...
"Ah, se eu pudesse te transmitir a lembrança, só agora viva, do que nós dois já vivemos sem saber, Queres te lembrar comigo? oh, sei que é difícil: mas vamos para nós." (Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H)
quarta-feira, setembro 21, 2011
terça-feira, setembro 13, 2011
segunda-feira, setembro 12, 2011
...
"Deste-me inocentemente a mão, e porque eu a segurava é que tive coragem de me afundar. Mas não procures entender-me, faz-me apenas companhia. Sei que tua mão me largaria, se soubesse." (Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H.)
...
"[...] Pensou que a sua situação se assemelhava à da velha história do círculo traçado a giz: duas mulheres disputam a posse da criança puxando-a pelos braços e pelas pernas; ganha aquela que puxar com mais força, mas a criança pertence à mulher que realmente a largou." (Arto Paasilinna, A Lebre de Vatanen)
...
"You are never dedicated to something you have complete confidence in. No one is fanatically shouting that the sun is going to rise tomorrow. They know it is going to rise tomorrow. When people are fanatically dedicated to political or religious faiths, or any other kinds of dogmas or goals, its always because these dogmas or goals are in doubt." (Robert M. Pirsig)
"A fanatic is a man who consciously over compensates a secret doubt." (Aldous Huxley)
"The whole problem with the world is that fools and fanatics are always so certain of themselves, but wiser people so full of doubts." (Bertrand Russell)
"A fanatic is a man who consciously over compensates a secret doubt." (Aldous Huxley)
"The whole problem with the world is that fools and fanatics are always so certain of themselves, but wiser people so full of doubts." (Bertrand Russell)
sexta-feira, setembro 09, 2011
...
"O Senhor fez-me para os prazeres da carne, como à toupeira para viver longe da luz; e tal como esse bicho, que tem tudo para viver dentro da terra, também eu tinha o necessário para uma vida de prazeres. Eu sempre fiz tenções de me matar, se um dia a força dos homens me vergasse a uma vida diferente daquela que o meu corpo sente. [...] Tu, Kyra, se não sentes vocação - como julgo - para viver na virtude, nessa virtude que vem de Deus e só em alegria se exerce, não sejas uma virtuosa contrariada e seca, não faças troça do Senhor e sê apenas como ele te fez, doida ou mesmo debocahada, mas debochada a que não falte um coração! É melhor assim. E tu, Dragomir, se não podes ser homem virtuoso, sê como a tua irmã e a tua mãe; até podes ser ladrão, se ladrão fores de boa alma; porque homem sem alma, meus filhos, é um morto que impede os vivos de viver [...]" (Panait Istrai, Kyra Kyralina)
quarta-feira, setembro 07, 2011
Escape...
"When we get out of the glass bottle of our ego, and when we escape like squirrels in the cage of our personality and get into the forest again, we shall shiver with cold and fright. But things will happen to us so that we don't know ourselves. Cool, unlying life will rush in, and passion will make our bodies taut with power. We shall laugh, and institutions will curl up like burnt paper." (D. H. Lawrence)
...
"To dare is to lose one's footing momentarily. To not dare is to lose oneself." (Soren Kierkegaard)
terça-feira, setembro 06, 2011
...
"Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura." (Friedrich Nietzsche)
sexta-feira, setembro 02, 2011
quinta-feira, setembro 01, 2011
quarta-feira, agosto 31, 2011
...
"Cruzei fronteiras, transpus limites, parti à descoberta de novos mundos, de universos para lá do infinito imaginado; e tendo perdido algures o trilho que conduz ao paraíso, encontrei o caminho de regresso a mim mesmo: a este fogacho que arde sem saber onde, e se apaga sem saber quando." (Antónimo Ortónimo, mais conhecido por Tó Tó)
...
"Je n’ai jamais désiré une belle voiture, je n’ai jamais désiré autre chose que d’être moi-même. Je peux marcher dans les rues avec les mains dans les poches, et je me sens un prince". (Albert Cossery)
...
"Quem se recusa o prazer, quem se faz de monge, em qualquer sentido, é porque tem uma capacidade enorme para o prazer, uma capacidade perigosa - daí um temor maior ainda. Só quem guarda as armas à chave é que receia atirar sobre todos."
(Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem)
(Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem)
...
"- Quem se recusa o prazer, quem se faz de monge, em qualquer sentido, é porque tem uma capacidade enorme para o prazer, uma capacidade perigosa - daí um temor maior ainda. Só quem guarda as armas à chave é que receia atirar sobre todos." (Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem)
segunda-feira, agosto 29, 2011
quinta-feira, agosto 25, 2011
...
"Je n’ai jamais désiré une belle voiture, je n’ai jamais désiré autre chose que d’être moi-même. Je peux marcher dans les rues avec les mains dans les poches, et je me sens un prince." (Albert Cossery)
segunda-feira, agosto 22, 2011
...
"En plongeant au fond des voluptés, il en rapportait plus de gravier que de perles." (Honoré de Balzac, La Fille aux yeux d’or, 1835)
sexta-feira, agosto 12, 2011
sexta-feira, agosto 05, 2011
...
"Só há uma liberdade, fazer as contas com a morte. Depois disso, tudo é possível. Não posso forçar-te a crer em Deus. Crer em Deus é aceitar a morte. Quando tiveres aceitado a morte, o problema de Deus ficará resolvido por si - e não o inverso." (Albert Camus, Cadernos)
...
"O homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse mesmo mundo. Efectivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo, sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na sua própria pátria. Excepto nos momentos fulgurantes da plenitude, toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus actos escapam-lhes noutros actos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas; fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso deixar de ser para sempre. Neste ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências, emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter, na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê mais que a linha mais elevada dessas vidas, sem adquirir consciência do pormenor que as vai minando. Então fazemos arte sobre essas existências. Romanceamo-las de maneira elementar. Cada um, nesse sentido, procura fazer da sua vida uma obra de arte. Desejamos que o amor perdure e sabemos que tal não acontece; e ainda que, por milagre, ele pudesse durar uma vida inteira, seria ainda assim um amor imperfeito. Talvez que, nesta insaciável necessidade de subsistir, nós compreendêssemos melhor o sofrimento terrestre, se o soubéssemos eterno. Parece que, por vezes, as grandes almas se sentem menos apavoradas pelo sofrimento do que pelo facto de este não durar. À falta de uma felicidade incansável, um longo sofrimento ao menos constituiria um destino. Mas não; as nossas piores torturas terão um dia de acabar. Certa manhã, após tantos desesperos, uma irreprimível vontade de viver virá anunciar-nos que tudo acabou e que o sofrimento não possui mais sentido do que a felicidade." (Albert Camus, O Homem Revoltado)
terça-feira, julho 05, 2011
...
"Our greatest pretenses are built up not to hide the evil and the ugly in us, but our emptiness. The hardest thing to hide is something that is not there." (Eric Hoffer)
...
"We can be absolutely certain only about things we do not understand."
(Eric Hoffer, The True Believer)
"The weakness of a soul is proportionate to the number of truths that must be kept from it." (ibid.)
(Eric Hoffer, The True Believer)
"The weakness of a soul is proportionate to the number of truths that must be kept from it." (ibid.)
...
"A certeza - isto é, a confiança no carácter objectivo das nossas percepções, e na conformidade das nossas ideias com a «realidade» ou a «verdade» - é um sintoma de ignorância ou de loucura. O homem mentalmente são não está certo de nada, isto é, vive numa incerteza mental constante; quer dizer, numa instabilidade mental permanente; e, como a instabilidade mental permanente é um sintoma mórbido, o homem são é um homem doente." (Fernando Pessoa)
segunda-feira, junho 27, 2011
Obrigatório...
"During times of universal deceit, telling the truth is revolutionary." (George Orwell)
sábado, junho 25, 2011
...
- Concretar, decidir... es envejecer.
- Es madurar. La adolescencia vive en potencia porque todo es posible para ella y el joven es eterno viviendo en potencia; te vuelves mortal cuando te conviertes en acto, cuando decides ser productivo y vivir al fin para los demás: fundas casa y tomas oficio.
- ¿Sientas la cabeza?
- Escoges pareja, fundas familia y trabajas.
(extracto de entrevista con Javier Gomá, ensayista)
- Es madurar. La adolescencia vive en potencia porque todo es posible para ella y el joven es eterno viviendo en potencia; te vuelves mortal cuando te conviertes en acto, cuando decides ser productivo y vivir al fin para los demás: fundas casa y tomas oficio.
- ¿Sientas la cabeza?
- Escoges pareja, fundas familia y trabajas.
(extracto de entrevista con Javier Gomá, ensayista)
sexta-feira, junho 24, 2011
...
"And if the world unites/ sets the mounatin alight/ then outside your house will become your home// Like children, let's play/ I want to feel at home / I want to feel at home."
"Ganha-se a vida, perde-se a batalha!"
"A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas, ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos. Não sei o que era a minha." (Machado de Assim, Dom Casmurro)
terça-feira, junho 21, 2011
...
"In dictatorships, we are more fortunate than you in the West in one respect: we believe nothing of what we read in the newspapers, and nothing of what we watch on television, because we know it's propaganda and lies; unlike you in the West, we've learned to look behind the propaganda and to read between the lines, and unlike you, we know that the real truth is always subversive." (Zdenek Urbánek)
Para que serve a utopia?
“Um homem do povoado de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir no alto do céu, e na volta contou: disse que tinha contemplado, lá de cima, a vida humana, e disse que somos um mar de foguinhos. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que não chega a saber do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros, outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e, quem se aproxima, se acende.” (Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços)
sexta-feira, junho 17, 2011
quinta-feira, junho 09, 2011
...
"O que há de mais belo na nossa vida é o sentimento de mistério. É este o sentimento fundamental que se detém junto ao berço da verdadeira arte e da ciência. Quem nunca o experimentou, nem sabe já admirar-se ou espantar-se, pode considerar-se como morto, sem luz, totalmente cego! A vivência do mistério - embora com laivos de temor - criou também a religião. A consciência da existência de tudo quanto para nós é impenetrável, de tudo quanto é manifestação da mais profunda razão e da mais deslumbrante beleza, e que só é acessível à nossa razão nas suas formas mais primitivas, essa consciência, esse sentimento, constituem a verdadeira religiosidade. Nesse sentido, e em mais nenhum, pertenço à classe dos homens profundamente religiosos. Não posso conceber um Deus que recompense e castigue os objectos da sua criação, ou que tenha vontade própria, de puro arbítrio no género da que nós sentimos dentro de nós. Nem tão-pouco consigo imaginar um indivíduo que sobreviva à sua morte corporal; as almas fracas que alimentam tais pensamentos fazem-no por medo ou por egoísmo ridículo. A mim basta-me o mistério da eternidade da vida, a consciência e o pressentimento da admirável elaboração do ser, assim como o humilde esforço para compreender uma partícula, por mais pequena que seja, da razão que se manifesta na natureza." (Albert Einstein, Como vejo o Mundo, ENP, 1962)
terça-feira, junho 07, 2011
...
"Conhecer a morte - própria, alheia - implica conjuntamente descobrir o que cada um tem de único (a sua vida irrepetível) e o que todos temos em comum, a genérica morte: as duas coisas estão inextricavelmente unidas, porque o que enfatiza a nossa peculiaridade pessoal é a segurança de que se trata de uma ocasião momentânea, destinada a extinguir-se sem remédio nem retorno e, por isso mesmo, ferozmente preciosa. É a sombra da morte que torna a vida amável, não só digna de amor mas também merecedora de doce simpatia e de acolhimento."
(Fernando Savater, O Meu Dicionário Filosófico)
(Fernando Savater, O Meu Dicionário Filosófico)
quinta-feira, maio 12, 2011
Liberdade...
"Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda." (Cecilia Meireles)
quarta-feira, maio 11, 2011
...
"O homem é apenas uma luz acesa entre duas sombras. A de um útero e a de uma sepultura." (Albino Forjaz de Sampaio, Mais Além da Morte e do Amor, Guimarães, 1922)
Medo
Ando à volta de tudo isto e,
como quem se despede para sempre,
de costas para o vento e para o amor,
desço em direcção a um cais onde são
inúteis as palavras.
Bebo, fumo, sonho, e conheço bem essa dor
que vem do fundo,
dos vales assombrados onde a amargura
prepara as suas armas.
Não há estrelas, astros, castiçais, nada a
não ser o medo,
nestes climas da alma.
(José Agostinho Baptista)
como quem se despede para sempre,
de costas para o vento e para o amor,
desço em direcção a um cais onde são
inúteis as palavras.
Bebo, fumo, sonho, e conheço bem essa dor
que vem do fundo,
dos vales assombrados onde a amargura
prepara as suas armas.
Não há estrelas, astros, castiçais, nada a
não ser o medo,
nestes climas da alma.
(José Agostinho Baptista)
...
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só
(José Tolentino Mendonça)
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só
(José Tolentino Mendonça)
Os amigos
Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
(José Tolentino Mendonça, A noite abre meus olhos)
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
(José Tolentino Mendonça, A noite abre meus olhos)
...
"Quando chegares ao coração da vida,
não te acharás melhor do que o criminoso
nem pior do que o profeta."
(Kahlil Gibran)
não te acharás melhor do que o criminoso
nem pior do que o profeta."
(Kahlil Gibran)
sexta-feira, maio 06, 2011
...
"Eternity isn't some later time. Eternity isn't a long time. Eternity has nothing to do with time. Eternity is that dimension of here and now which thinking and time cuts out. This is it. And if you don't get it here, you won't get it anywhere. And the experience of eternity right here and now is the function of life. There's a wonderful formula that the Buddhists have for the Bodhisattva, the one whose being (sattva) is illumination (bodhi), who realizes his identity with eternity and at the same time his participation in time. And the attitude is not to withdraw from the world when you realize how horrible it is, but to realize that this horror is simply the foreground of a wonder and to come back and participate in it. 'All life is sorrowful' is the first Buddhist saying, and it is. It wouldn't be life if there were not temporality involved which is sorrow. Loss, loss, loss." (Joseph Campbell, The Power of Myth)
...
"People say that what we're all seeking is a meaning for life. I don't think that's what we're really seeking. I think what we're seeking is an experience of being alive, so that our life experiences on the purely physical plane will have resonance within our own innermost being and reality, so that we actually feel the rapture of being alive. That's what it's all finally about." (Joseph Campbell, The Power of Myth)
quarta-feira, maio 04, 2011
...
"[...] go back to simple food. The Roman legions conquered the world on millet porridge." (The letters of D. H. Lawrence, D. H. Lawrence, carta a Aldous Huxley, 5 de Setembro de 1929)
...
"Sorry you are feeling low in spirits. Don't worry, it is very common with men when they pass forty - or when they draw near forty. Men seem to undergo a sort of spiritual change of life, with really painful depression and loss of energy. Even men whose physical health is quite good. Son don't be fret. [...] It's a condition which often drags overal several years. Then, in the end, you come out of it with a new sort of rhythm, a new psychic rhythm: a sort of re-birth. Meanwhile, it is what the mystics call the little death, and you have to put up with it. I have had it too, though not so acutely as some men. But then my health is enough to depress the Archangel Michael himself." (The letters of D. H. Lawrence, D. H. Lawrence, carta a Mark Gertler, 23 Dezembro de 1929)
quarta-feira, abril 27, 2011
...
"A veces creo que nada tiene sentido. En un planeta minúsculo, que corre hacia la nada desde millones de años, nacemos en medio de dolores, crecemos, luchamos, nos enfermamos, sufrimos, hacemos sufrir, gritamos, morimos, mueren, y otros están naciendo para volver a empezar la comedia inútil. ¿Sería eso, verdaderamente? ¿Toda nuestra vida sería una serie de gritos anónimos en un desierto de astros indiferentes?" (Ernesto Sabato)
...
"Lamentablemente, en estos tiempos en que se ha perdido el valor de la palabra, también el arte se ha prostituido, y la escritura se ha reducido a un acto similar al de imprimir papel moneda."
(Ernesto Sabato, Antes del fin, 1999)
"Me pregunto en qué clase de sociedad vivimos, qué democracia tenemos donde los corruptos viven en la impunidad, y al hambre de los pueblos se la considera subversiva." (ibid.)
(Ernesto Sabato, Antes del fin, 1999)
"Me pregunto en qué clase de sociedad vivimos, qué democracia tenemos donde los corruptos viven en la impunidad, y al hambre de los pueblos se la considera subversiva." (ibid.)
terça-feira, abril 26, 2011
...
"Incapaz de receber e transmitir ideias e sentimentos, o cérebro da grande massa da sociedade portuguesa, em virtude daquele impiedoso princípio 'lamarckiano' que condena à morte o órgão que não trabalha, definha-se, atrofia-se, lenhifica-se, e a alma portuguesa estagna na tranquilidade morta das águas paludosas." (Manuel Laranjeira, O Pessimismo Nacional)
...
"No inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise." (Dante Alighieri)
...
"O país está a viver acima dos seus meios. Mais tarde ou mais cedo era inevitável que acabasse em bancarrota." (semanário inglês The Economist, sobre Portugal, a 6 de Fevereiro de 1892)
...
PLAYBOY: If life is so purposeless, do you feel that it's worth living?
KUBRICK: Yes, for those of us who manage somehow to cope with our mortality. The very meaninglessness of life forces man to create his own meaning. Children, of course, begin life with an untarnished sense of wonder, a capacity to experience total joy at something as simple as the greenness of a leaf; but as they grow older, the awareness of death and decay begins to impinge on their consciousness and subtly erode their joie de vivre, their Idealism—and their assumption of Immortality. As a child matures, he sees death and pain everywhere about him, and begins to lose faith in the ultimate goodness of man. But if he’s reasonably strong—and lucky—he can emerge from this twilight of the soul into a rebirth of life’s élan. Both because of and in spite of his awareness of the meaninglessness of life, he can forge a fresh sense of purpose and affirmation. He may not recapture the same pure sense of wonder he was born with, but he can shape something far more enduring and sustaining. The most terrifying fact about the universe is not that it is hostile but that it is indifferent; but if we can come to terms with this indifference and accept the challenges of life within the boundaries of death—however mutable man may be able to make them—our existence as a species can have genuine meaning and fulfilment. However vast the darkness, we must supply our own light.
KUBRICK: Yes, for those of us who manage somehow to cope with our mortality. The very meaninglessness of life forces man to create his own meaning. Children, of course, begin life with an untarnished sense of wonder, a capacity to experience total joy at something as simple as the greenness of a leaf; but as they grow older, the awareness of death and decay begins to impinge on their consciousness and subtly erode their joie de vivre, their Idealism—and their assumption of Immortality. As a child matures, he sees death and pain everywhere about him, and begins to lose faith in the ultimate goodness of man. But if he’s reasonably strong—and lucky—he can emerge from this twilight of the soul into a rebirth of life’s élan. Both because of and in spite of his awareness of the meaninglessness of life, he can forge a fresh sense of purpose and affirmation. He may not recapture the same pure sense of wonder he was born with, but he can shape something far more enduring and sustaining. The most terrifying fact about the universe is not that it is hostile but that it is indifferent; but if we can come to terms with this indifference and accept the challenges of life within the boundaries of death—however mutable man may be able to make them—our existence as a species can have genuine meaning and fulfilment. However vast the darkness, we must supply our own light.
quarta-feira, abril 13, 2011
...
"Hoje, que tanto se fala em crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico." (Eça de Queirós, Distrito de Évora)
sexta-feira, abril 08, 2011
...
"Escrevo-lhe numa tarde brumosa, triste, duma tristeza lúgubre. E escrevo-lhe, para que você me perdoe o meu silêncio. Demais você sabe que o meu silêncio é o meu tédio, este desolamento de morte, este desânimo, este cansaço prematuro - em face dos homens, das coisas da vida." (Manuel Laranjeira a Amadeu de Souza-Cardoso, em carta de 1905, Cartas)
terça-feira, abril 05, 2011
...
"Eles (os incontidos) descobrem lados inexplorados dos sentimentos humanos, põem luz em coisas sensíveis que têm trevas, apesar do tacto carnal." (Barão de Teive, A Educação do Estóico)
...
"O meu abandono íntimo de toda a especulação metafísica, a minha náusea moral de toda a sistematização do desconhecido, não procedem, como na maioria dos que concordariam comigo, da incapacidade de especulação. Pensei e sei." (Barão de Teive, A Educação do Estóico, Obras de Fernando Pessoa)
"Qualquer que seja o segredo do mistério das cousas, ele é, por certo, ou muito complexo, ou, se é muito simples, é de uma simplicidade que não temos faculdade que veja. Contra a maioria das doutrinas filosóficas tenho a queixa de que são simples; o facto de quererem explicar é prova bastante de tal, pois explicar é simplificar." (ibid.)
"Qualquer que seja o segredo do mistério das cousas, ele é, por certo, ou muito complexo, ou, se é muito simples, é de uma simplicidade que não temos faculdade que veja. Contra a maioria das doutrinas filosóficas tenho a queixa de que são simples; o facto de quererem explicar é prova bastante de tal, pois explicar é simplificar." (ibid.)
...
"O escrúpulo é a morte da acção. Pensar na sensibilidade alheia é estar certo de não agir. Não há acção, por pequena que seja - e quanto mais importante, mais isso é certo - que não fira outra alma, que não magoe alguém, que não contenha elementos de que, se tivermos coração, nos não tenhamos que arrepender. Muitas vezes tenho pensado que a filosofia real do eremita estará antes no esquivar-se a ser hostil, pelo simples facto de viver, do que em qualquer pensamento directamente relacionado com o isolar-se."
(Barão de Teive, A Educação do Estóico, Obras de Fernando Pessoa)
(Barão de Teive, A Educação do Estóico, Obras de Fernando Pessoa)
segunda-feira, abril 04, 2011
...
"Quando eu ergo a minha fronte para a luz não quero dizer que estou fitando estrelas, esquecido da terra onde poiso os pés; como quando olhos para a terra, cujo ventre me gerou, não quer isso dizer que eu só esteja fitando a lama, esquecido da luz que me vem do alto. É preciso não olhar demasiado para cima, nem demasiado para baixo; é preciso olhar para a frente, para a vida: abranger no mesmo olhar o céu e a terra. Creio que você, meu amigo, está olhando demasiado para cima, com fé demasiada no alto. Acho admirável essa fé... mas... acho-a infecunda também." (Manuel Laranjeira a Teixeira de Pascoaes, em carta de 1904, Cartas)
quarta-feira, março 30, 2011
sexta-feira, março 25, 2011
...
"I am sorry to think that you do not get a man's most effective criticism until you provoke him. Severe truth is expressed with some bitterness." (Henry David Thoreau)
segunda-feira, março 21, 2011
...
"Comparada com a opinião que temos de nós mesmos, a opinião pública é uma débil tirana. O que um homem pensa de si mesmo, eis o que determina, ou pelo menos indica, o seu destino. Haja auto-emancipação também nas Antilhas da fantasia e da imaginação. Que Wilberforce (1) será capaz de desencadeá-la? Pensai, igualmente, nas senhoras do país que tecem almofadas de toalete até à hora da morte, para não deixarem transparecer um interesse muito vivo pelos seus destinos! Como se se pudesse matar o tempo sem lesar a eternidade." (Henry David Thoureau, Walden; ou a Vida nos Bosques, 1854)
(1) - William Wilberforce (1759-1833), parlamentar inglês que lutou pela libertação dos escravos nas Antilhas Inglesas.
(1) - William Wilberforce (1759-1833), parlamentar inglês que lutou pela libertação dos escravos nas Antilhas Inglesas.
...
"Os homens trabalham à sombra de um erro, lançando ao solo para adubo o que têm de melhor. Por uma sina ilusória, vulgarmente chamada necessidade, desgastam-se, como se diz num velho livro, a amontoar tesouros que a traça e a ferrugem estragarão e que os ladrões hão-de roubar. É uma vida de imbecis, como perceberão ao fim dela, se não antes." (Henry David Thoureau, Walden; ou a Vida nos Bosques, 1854)
"Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida." (ibid.)
"Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida." (ibid.)
segunda-feira, março 14, 2011
Das crónicas (anacrónicas) para adormecer...
Já não suporto a indignação de certos cronistas, opinantes contagiados ou "guardiões do regime" face ao sentimento de revolta de uma suposta "geração à rasca" contra o "estado a que isto chegou". É quase caricata a forma como os senhores procuram minar a legitimidade das "jovens" vozes que à rua saíram em protesto, afirmando que não viveram a ditadura, que não fizeram a guerra, etc.. Defendendo, no fundo, que os meninos malcriados e mal-agradecidos fazem parte, na verdade, de uma geração muito privilegiada, que devia era sentir-se grata por aquilo que herdou, acabar de vez com a insolência, baixar a cabeça, e tratar de se fazer à vida...
Diz um, escrevendo de um lugar bem longe do País real... "Tirando o difícil acesso a um mercado de trabalho fechado por razões de conjuntura económica e, se calhar também, de falta de visão empresarial, a actual geração jovem foi privilegiada em muitas coisas relativamente à minha: para começar, não tiveram de viver sufocados por uma ditadura nem ameaçados por uma guerra; não tiveram como única escolha académica universidades públicas de entrada difícil, ensino tipo-militar e cursos restritos e com aplicação prática imediata no mundo do trabalho. Nós não tínhamos o luxo de cursos inúteis nem universidades mixurucas que os pais ou os contribuintes pagavam; não tínhamos Erasmus, nem exames colectivos, nem pós-graduações e doutoramentos para todos; não tínhamos internet nem cinema em casa (só nas salas e só aqueles que a censura permitia) e não fazíamos downloads de tudo; não viajávamos porque não tínhamos dinheiro nem era suposto os jovens viajarem, não tínhamos telemóveis nem roupas de marca, nem Bairro Alto nem nada que fazer a não ser estudar ou ir para a tropa."
Desculpem-me a ingenuidade, mas porque raio a consciência de que a realidade pode ser muito pior do que aquilo que é deve limitar ou matar o desejo de a transformar em algo melhor? Porque carga de água têm os "jovens" de aceitar como imutável uma determinada conjuntura apenas porque uns quantos "velhos" lhes dizem o quão difícil foi conquistá-la? Há toda uma geração para quem a ditadura, a guerra, e tantos outros momentos passados não passam de um imaginário não vivido, de um monte de histórias de outros tempos. Não foi esse o tempo em que cresceram, nem foi esse o lugar que conheceram. Mas atenção: esse passado não é, de todo, irrelevante. Mesmo que sem consciência disso, apenas porque esse passado existiu, estes "jovens" podem hoje olhar um futuro diferente, porventura mais largo, para além desse contexto que já só se vive nas memórias de quem, no seu tempo, foi também capaz de sonhar mais alto. Se os "velhos" têm razão para estar satisfeitos, porque têm, isso deve-se ao facto de terem conseguido, ao que me parece, transmitir a mensagem mais importante de todas: a de que os "jovens" se não podem nunca conformar...
Posto isto, e perante aquilo que é o inequívoco assassínio continuado do futuro de todo um País, das suas gerações de hoje e das vindouras, levado a cabo pela mediocridade dos sucessivos governos, é compreensível que os "velhos", cansados das suas lutas, perversamente comprometidos com o sistema, e com medo do porvir, arrumem as botas e se encostem para uma sesta. Porque podem. Porque devem. Porque os "jovens" de hoje aí estão...
Diz um, escrevendo de um lugar bem longe do País real... "Tirando o difícil acesso a um mercado de trabalho fechado por razões de conjuntura económica e, se calhar também, de falta de visão empresarial, a actual geração jovem foi privilegiada em muitas coisas relativamente à minha: para começar, não tiveram de viver sufocados por uma ditadura nem ameaçados por uma guerra; não tiveram como única escolha académica universidades públicas de entrada difícil, ensino tipo-militar e cursos restritos e com aplicação prática imediata no mundo do trabalho. Nós não tínhamos o luxo de cursos inúteis nem universidades mixurucas que os pais ou os contribuintes pagavam; não tínhamos Erasmus, nem exames colectivos, nem pós-graduações e doutoramentos para todos; não tínhamos internet nem cinema em casa (só nas salas e só aqueles que a censura permitia) e não fazíamos downloads de tudo; não viajávamos porque não tínhamos dinheiro nem era suposto os jovens viajarem, não tínhamos telemóveis nem roupas de marca, nem Bairro Alto nem nada que fazer a não ser estudar ou ir para a tropa."
Desculpem-me a ingenuidade, mas porque raio a consciência de que a realidade pode ser muito pior do que aquilo que é deve limitar ou matar o desejo de a transformar em algo melhor? Porque carga de água têm os "jovens" de aceitar como imutável uma determinada conjuntura apenas porque uns quantos "velhos" lhes dizem o quão difícil foi conquistá-la? Há toda uma geração para quem a ditadura, a guerra, e tantos outros momentos passados não passam de um imaginário não vivido, de um monte de histórias de outros tempos. Não foi esse o tempo em que cresceram, nem foi esse o lugar que conheceram. Mas atenção: esse passado não é, de todo, irrelevante. Mesmo que sem consciência disso, apenas porque esse passado existiu, estes "jovens" podem hoje olhar um futuro diferente, porventura mais largo, para além desse contexto que já só se vive nas memórias de quem, no seu tempo, foi também capaz de sonhar mais alto. Se os "velhos" têm razão para estar satisfeitos, porque têm, isso deve-se ao facto de terem conseguido, ao que me parece, transmitir a mensagem mais importante de todas: a de que os "jovens" se não podem nunca conformar...
Posto isto, e perante aquilo que é o inequívoco assassínio continuado do futuro de todo um País, das suas gerações de hoje e das vindouras, levado a cabo pela mediocridade dos sucessivos governos, é compreensível que os "velhos", cansados das suas lutas, perversamente comprometidos com o sistema, e com medo do porvir, arrumem as botas e se encostem para uma sesta. Porque podem. Porque devem. Porque os "jovens" de hoje aí estão...
A Pátria
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta [...]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro [...]
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, – como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos [...], sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes [...] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, – de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar [...]”
(Guerra Junqueiro, A Pátria, 1896)
[Retirado de Arrastão...]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro [...]
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre, – como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos [...], sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes [...] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, – de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar [...]”
(Guerra Junqueiro, A Pátria, 1896)
[Retirado de Arrastão...]
Subscrever:
Mensagens (Atom)