segunda-feira, novembro 11, 2013

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"Uma filosofia consoladora concordante com a religião pretende que a dependência em que a alma está dos sentidos e dos órgãos é apenas fortuita e passageira, e que ela será livre e feliz quando a morte do corpo a tiver libertado desses poderes tirânicos. É muito belo, mas, religião à parte, não é seguro. Portanto, como não posso ter a certeza perfeita de ser imortal a não ser depois de ter deixado de viver, hão-de perdoar-me se não tenho pressa de conseguir conhecer tal verdade."

(Giacomo Casanova, História da Minha Vida)

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"Se bem que o homem seja livre, não se deve contudo julgar que é senhor de fazer tudo o que quer. Torna-se escravo logo que se determina a agir quando é agitado por uma paixão. [...] Aquele que tem a força de suspender os seus actos até que chegue a calma, esse é o sábio. É um ser raro."

(Giacomo Casanova, História da Minha Vida)

domingo, novembro 10, 2013

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"[...] queria conhecê-la, retê-la ao menos um momento, saber como, quem era, olhou ainda à volta, desistiu em seguida e com fúria insofrida começou a subir a avenida, por todo o lado luzes lojas anúncios, beba cerveja, visite as vistas, vista as visitas, emagreça, coma, veja, Yvette é diferente de Irene mas ambas preferem modess, compre gess kleenex reglex mex, ponha o tampão, tampe o porão, afague o grelo para que cresça, aplique a pica na pombinha, afogue o fogo enquanto é novo, esfole o fole enquanto é jovem, amole a mola enquanto pode, use a caneta se lhe dá na veneta, meta o grego na greta, molhe a marreta na vala estreita, vergue a vara na valeta, vá ao veio e volte cedo, esprema o mamão no matacão, um bom colchão dá tesão, olhe em todas a direções cuidado com os aviões, ordens conselhos sugestões, publicidade até à náusea, entrou num bar, bebeu um bagaço que lhe soube a escarro, saiu pior que entrara, estômago e boca numa brasa, pensamentos perplexos perturbavam-lhe o cérebro baralhado por incongruentes factos gestos frases e um remorso vago [...]"

(Almeida Faria, Rumor Branco)

quarta-feira, novembro 06, 2013

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"Conta uma velha piada da República Democrática Alemã que um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que toda a sua correspondência será lida pelos censores, ele diz aos amigos: «Vamos combinar um código: se receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa.» Passado um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita a azul: «Tudo é uma maravilha por aqui: as lojas estão abastecidas, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance — a única coisa que não temos é tinta vermelha.» Esta situação não é a mesma que vivemos hoje? Temos toda a liberdade que desejamos, a única coisa que nos falta é a «tinta vermelha»: «sentimo-nos livres» porque nos falta a linguagem para articular a nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual — «guerra ao terrorismo», «democracia e liberdade», «direitos humanos», etc., etc. — são termos falsos, que mistificam a nossa perceção da situação, em vez de permitirem que pensemos nela."

(Slavoj Žižek, O Ano em que Sonhámos Perigosamente)

segunda-feira, novembro 04, 2013

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"[...] The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity."

(William Butler Yeats, The Second Coming)

sexta-feira, novembro 01, 2013

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Nunca li nada de Valter Hugo Mãe (sim, com maiúsculas!). Tenho em casa O Remorso de Baltazar Serapião, o tal suposto "tsunami literário" com que venceu o prémio Saramago. Ontem, li a entrevista que deu à Ler do mês passado: as suas respostas são de tal forma banais e superficiais - e a momentos tão absurdas ou narcísicas - que duvido que alguma vez venha a pegar no romance...

Deixo um pequeno excerto:

"Continua com vontade de ter um filho?
Continuo. A minha vida não está preparada para um filho, ainda não sei tomar conta de mim. Acho que a solteirice aguda me cria muito medo, muito respeito, não tenho uma casa preparada para crianças, tudo na minha casa magoa, tudo se parte, tudo é tão delicadozinho, parece um museu de tralhas afetivas. Uma criança chegava ali e partia-me tudo. Se tivesse um filho tinha de preparar a casa, arrumar os 'biscuits' para um uso mais pragmático. A minha casa não serve muito para viver, é assim uma coisa de passeio.

Mas é uma dimensão que queria ter?
É. Tenho uma amiga que me anda a puxar para ir a um orfanato onde há crianças de sete, oito, nove anos, as que têm mais dificuldade em serem adotadas.Talvez uma criança com essa idade me seja mais fácil receber, e ao mesmo tempo também é uma aventura muito incrível, acolher-se uma pessoa que talvez já não tenha esperança nenhuma de ter um vínculo familiar profundo, e dizer-lhe que ela também tem direito a tudo. O meu quarto de hóspedes talvez venha a ser o quarto de uma menina. As meninas são mais misteriosas e têm mais que se lhe diga, são mais interessantes. Jogam menos cartas e conversam mais."