quarta-feira, outubro 30, 2013

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"Temos dificuldade em compreender nos outros aquilo que não somos capazes de viver."

(António Alçada Baptista, Catarina ou o Sabor da Maçã)

sexta-feira, outubro 25, 2013

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"The clear awareness of having been born into a losing struggle need not lead one into despair. I do not especially like the idea that one day I shall be tapped on the shoulder and informed, not that the party is over but that it is most assuredly going on - only henceforth in my absence. (It's the second of those thoughts: the edition of the newspaper that will come out on the day after I have gone, that is the more distressing.) Much more horrible, though, would be the announcement that the party was continuing forever, and that I was forbidden to leave. Whether it was a hellishly bad party or a party that was perfectly heavenly in every respect, the moment that it became eternal and compulsory would be the precise moment that it began to pall."

(Christopher Hitchens, Hitch-22: A Memoir)

quinta-feira, outubro 24, 2013

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"We're all going to die, all of us, what a circus! That alone should make us love each other but it doesn't. We are terrorized and flattened by trivialities, we are eaten up by nothing."

(Charles Bukowski)

quarta-feira, outubro 23, 2013

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"Geralmente as mulheres gostam de jardineiros. A sua intimidade com a natureza, os seus conhecimentos um pouco misteriosos semeados de palavras latinas, o seu respeito pelo tempo, pelas estações e pelas lentidões necessárias, a sua preocupação com o prazer: tudo isto seduz. Sem esquecer alguns atributos físicos que atordoam algumas, como as mãos largas com calos, as feições vincadas pelo ar puro, os cheiros penetrantes que produzem, a mistura de suor e terra ao fim de um árduo dia de trabalho... Sem esquecer também que um cenário propício a abraços inéditos, como um recinto de sebes ou por trás das treliças, traz mais ideias novas do que as paredes do quarto conjugal. Em todas as épocas, foram muitas as que cederam aos encantos desta corporação."

(Érik Orsenna, O Jardineiro do Rei-Sol)

terça-feira, outubro 22, 2013

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"Senhor, estamos num mundo de estropiados em marcha."

(José Cardoso Pires, E Agora, José?)

sexta-feira, outubro 18, 2013

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Juntos

O país que inventámos
Sem querer

(Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios)

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"Quando a Natália [Correia] e a irmã desciam a Morais Soares, as árvores afastavam-se para elas passarem."

(Manuel da Fonseca)

O Girassol de Rio de Onor

Existe juro um girassol em rio de onor
mais importante por exemplo para mim que seja lá quem for
Eu vi hoje na andaluzia o girassol de rio de onor
à beira de uma estrada pouco antes de chegar a fernan nuñez
(Amigos que passais em direcção a córdova ou aos cobres de lucena
dai-me notícias desse girassol menos brilhante sol
mas bem mais acessível pelo menos para nós que não temos raízes
mas pomos o que temos sobre a terra)
Reconheci-o logo embora há muitos anos o não visse
além de o conhecer sabia ser ele natural de rio de onor
e lá habitualmente residente
É ele raios o partam disse idênticas as pétalas igual a cor
é ele ó céus é ele sem tirar nem pôr
o meu amigo girassol de rio de onor
(é fácil ter na flor um verdadeiro amigo
se o não sabíeis antes desde agora que o sabeis)
Era mesmo era ele sem tirar nem pôr
o girassol de rio de onor há tantos anos visto
Mas nós os que lá fomos e por lá passámos
nós é que já não somos quem lá fomos
e muito menos nós que somos vivos menos os mesmos somos
que tu ó meu amigo com as tuas
duas pernas pendentes lá da ponte sobre o rio
pequena ponte e diminuto rio
a dois passos dos olhos tão redondos que solares
dessas duas ou três quatro no máximo crianças
(meu deus essas crianças onde é hoje o seu país?)
Viajo pela espanha mas é este julgo juro o girassol
pois embora não esteja em portugal
não há ainda julgo plantas nacionais
e além disso aquela terra é meio espanhola
Mas nós que assim passamos pelos campos pelos dias
nós que não temos nem nunca tivemos
coisa pequena como uns palmos de país
pomos tudo o que somos nestes seres que passamos
e nos fixamos só em certas fotografias que tiramos
Era aquele julgo juro o girassol de há anos
mas nós que como sombras por aqui passamos
porventura seremos os que éramos há anos?
Qual é ao certo o nosso verdadeiro país?
Lanço a pergunta aos verdes campos outonais da andaluzia
mas esta paisagem que tanto me diz
quem sou isso é que ela nem ninguém mo diz

(Ruy Belo)

segunda-feira, outubro 14, 2013

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"Sim, é tempo de assentar, de crescer. Na verdade, nem há escolha: não assentar e não crescer está a dar cabo de mim. Tenho de desistir disso, de ser novo, antes que seja tarde demais."

(Martin Amis, Dinheiro)

Interiores

Onde estamos agora que não nos vemos,
tu sentada diante da TV
e eu escrevendo isto, não sei o quê,
como outros dois que nós não conhecemos?

Será que alguma coisa permaneceu
do nosso amor como uma inevitabilidade,
uma saudade pousada agora na mão de Deus
existindo para sempre na sua breve eternidade?

Talvez percorramos uma rota circular
através da curvatura do espaço e do tempo
onde haveremos de nos reencontrar;
será que então de alguma forma nos reconheceremos?

(Manuel António Pina, Os Livros)

O Grito

Não valia a pena esperar, ninguém viria
que nos segurasse a cabeça e nos pegasse nas mãos,
estávamos sós e essa solidão éramos nós;

e era indiferente sabê-lo ou não,
ou gritar (ou acreditar), porque ninguém ouvia:
o grito era a própria indiferença.

Presente, apenas presente;
a memória, presente,
a esperança, presente.

E, no entanto, houvera um tempo
em que tínhamos sido talvez felizes,
quando não nos dizia respeito a felicidade,

e em que tínhamos estado perto
de alguma coisa maior que nós
ou do nosso exacto tamanho.

Como um animal devorando-se
por dentro a si mesmo,
consumira-se, porém,

o pouco que nos pertencera, os dias e as noites,
a certeza e o deslumbramento, a cerejeira e a
palavra “cerejeira” ainda em carne na jovem boca.

Nenhuma beleza e nenhuma verdade que nos salvasse,
nenhuma renúncia que nos prendesse
ou nos libertasse, nenhuma compaixão que

nos devolvesse o ser
ou o mesmo,
ou fosse a morada de algo inumano como um coração.

Nenhuns passos ecoavam no grande quarto interior,
nenhumas pálpebras se abriam,
como poderíamos não nos ter perdido?

Entre 10 elevado a mais infinito
e 10 elevado a menos infinito,
uma indistinta presença impalpável na indiferença azul,

sós,
sem ninguém à escuta,
nem a nossa própria voz.

(Manuel António Pina, Os Livros)

sexta-feira, outubro 11, 2013

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"É a este retorno a nós mesmos que a adversidade nos força, e talvez seja isso que a torna mais insuportável para a maioria dos homens."

(Jean-Jacques Rousseau, Os Devaneios do Caminhante Solitário)

quinta-feira, outubro 10, 2013

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Entretido que estava com a leitura de Uma Abelha na Chuva, eis se não quando, subitamente, no início do capítulo quarto, ao passar por "Quando estiou, partiram", me lembrei de Manuela Moura Guedes...

E a mentir estaria se dissesse que não voltei atrás para ver como ficaria se Carlos de Oliveira tivesse optado por "Quando estilou, partiram."

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"Não conheço melhor receita para aprendizes de escritores que aquela que se contém neste provérbio coreano: «Quando desenhares a cobra não lhe ponhas as patas, nem que seja para a embelezares»."

(José Cardoso Pires, O Tempo e o Modo, nº 6, Junho de 1963)

quarta-feira, outubro 09, 2013

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"Contudo, para além do entretenimento,obtém-se algo mais da leitura na cama: um tipo especial de privacidade. Ler na cama é um acto egocêntrico, imóvel, livre das convenções sociais comuns, invisível aos olhos do mundo e, por se passar entre os lençóis, no reino da luxúria e do ócio pecaminoso, com o picante das coisas proibidas. Talvez seja a recordação dessa leituras nocturnas que empresta aos romances de John Dickson Carr, Michael Innes, Anthony Gilbert – todos lidos durante as férias de Verão da minha adolescência – uma certa tonalidade erótica. A frase casual «levar um livro para a cama» sempre me pareceu carregada de expectativas sensuais."

(Alberto Manguel, Uma História da Leitura)

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"Há assim uma vontade de viver sem nada recusar da vida que é a virtude que eu mais venero neste mundo."

(Albert Camus, L'Été)

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"Os homens e as sociedades definem-se tanto ou mais pelo que calam, que pelo que dizem."

(Jorge de Sena, revista O Tempo e o Modo, Junho de 1963)

segunda-feira, outubro 07, 2013

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"Bastante tarde é que comecei a dar-me conta deste processo monstruoso que impende sobre as pessoas. Porque a morte é natural, se anda lá por longe. Que é assim. Que é o destino de todos. Mas quando foi dos meus pais, pareceu-me acabar-se o mudo, não estava ainda calejada, é difícil perceber, será que os jovens sofrem mais? Depois passou. Tudo passa, tudo esquece. E só nos últimos anos, já pesando a idade e começando a desaparecer, hoje um outro amanhã, velhos amigos ou simples conhecidos e, com ela, o meu tempo, a morte se tornou uma inimiga digamos que pessoal."

(Mário Dionísio, A morte é para os outros)

sexta-feira, outubro 04, 2013

José Cardoso Pires

"Encontrei-o pela primeira vez em casa da Snu Abecassis, gerente das Publicações Dom Quixote, por ocasião dum cocktail festivo: Ievtuchenko em Lisboa, duas dezenas de convites. O Cardoso Pires estava por lá, com os olhos pequenos a espreitar tudo, e pareceu-me desconfiado. Mas não, não era desconfiança. O Cardoso Pires, basta a gente tocar-lhe ao de leve, faz o contrário das sensitivas e estende as folhas. Daí a um quarto de hora falávamos animadamente."

(Fernando Assis Pacheco, 7.2.68)