quinta-feira, junho 24, 2010

Por favor, alguém conte à minha mãe que me portei mal...

A reportagem de capa da edição de hoje da Visão é um atentado à inteligência. Não conheço o movimento descrito, nem os fundamentos do mesmo, nem os podres que, obviamente, estarão presentes (como estarão em qualquer associação ou grupo de pessoas) mas as opções editoriais da revista, e o preconceito e o medo com que o senhor jornalista encarou a missão, roçam o inacreditável. Sexo? Orgias? Mas onde? E quando? Parece-me a mim que o senhor jornalista tem um enorme receio de que o chão lhe falte, sendo, por isso, incapaz de compreender aquilo que foge à matriz do pensamento que, por clara limitação, adoptou como sua. O resultado (com a ajuda da venenosa capa, possivelmente da responsabilidade de uma direcção desesperadamente à procura de vendas) é inevitável: a diabolização de algo que, claramente, o senhor não conseguiu entender (ou viver), e a construção de um trabalho opaco, tendencioso e sensacionalista. Não pretendo alongar-me sobre este assunto, mas confesso que o final do texto me fez soltar uma valente gargalhada, imaginando o desconforto que o dito senhor sentiu quando, surpresa das surpresas, alguém lhe tocava. Ainda por cima, parece que havia mãos de homem à mistura... Ou muito me engano, ou o senhor não conseguiu lidar com o prazer e com a excitação que sentiu ao viver essa sua, aparente, transgressão, sentindo por isso, inclusivamente, a necessidade de evocar a autoridade materna. "Não contem isto à minha mãe", assim termina o texto. Como quem, verdadeiramente, diz, "Alguém lhe conte, por favor, que eu preciso que ela me diga que eu me portei mal. Se não..."

Umas horas depois, aqui estou, porque senti vontade de vir acrescentar mais isto...

Não tenho nada contra o autor da reportagem, nem sequer o conheço. Acredito que possa ser um bom jornalista, e, obviamente, uma excelente pessoa. Não ponho isso em causa. O que ponho em causa são as suas competências para a realização de um trabalho deste cariz, bem como as várias opções editoriais da revista Visão no tratamento do mesmo...

Com fundamento ou não (não é isso que me interessa agora!), o que esta reportagem fez foi lembrar-me uma das características que me mais me desilude no jornalismo (e em muitos daqueles que o fazem): a forma como rapidamente condena e diaboliza aquilo que, de alguma forma, por medo ou incompreensão, sente que se afasta da norma que esta nossa sociedade (muito com a sua ajuda!) luta por preservar. Nada de novo, mas, felizmente, continua a fazer-me alergia...

Verdade que não tenho especial simpatia (e, nalguns casos, nenhuma mesmo!) por movimentos, seitas e igrejas que se alimentam obscenamente da espiritualidade ou do vazio daqueles que congregam, nem conheço os meandros da referida "seita do sexo", à excepção do que li no artigo...

Mas o modo como este trabalho foi apresentado obriga-me a afirmar, mais uma vez, que não posso tolerar a forma como, sistematicamente, o jornalismo se demite de tentar compreender aqueles que (por vezes, muito à frente do seu tempo) vão procurando respostas alternativas para as questões fundamentais da vida; nem consigo aceitar a rapidez com que se demite de dar a conhecer algumas das simples (mas, por vezes, tão importantes), descobertas, grandes dúvidas ou pequenas certezas com que esses filósofos, visionários, vagabundos ou aprendizes de feiticeiro se vão cruzando nas suas viagens marginais...

Alguém genuinamente justo acredita ainda que a solução se encontra na manutenção e na defesa do sistema que hoje existe? E quem, se não quem parte à procura de algo diferente, nos poderá dar a conhecer um mundo novo?

2 comentários:

Ka. disse...

Absolutamente perfeita sua defesa. Não li a matéria inteira, apenas fragmentos (não chega no Brasil essa revista). Mas, do pouco que tive acesso só posso agradecê-lo por ajudar a desatar os nós arcaicos que amarram e empacam a sociedade. Aqui e ai. Parabéns.

:)

Filipe Feio disse...

Obrigado pelo seu comentário, mas não é uma defesa, porque não me senti atacado. É apenas a minha opinião, fruto de uma perplexidade já perto do residual...