segunda-feira, março 14, 2011

Das crónicas (anacrónicas) para adormecer...

Já não suporto a indignação de certos cronistas, opinantes contagiados ou "guardiões do regime" face ao sentimento de revolta de uma suposta "geração à rasca" contra o "estado a que isto chegou". É quase caricata a forma como os senhores procuram minar a legitimidade das "jovens" vozes que à rua saíram em protesto, afirmando que não viveram a ditadura, que não fizeram a guerra, etc.. Defendendo, no fundo, que os meninos malcriados e mal-agradecidos fazem parte, na verdade, de uma geração muito privilegiada, que devia era sentir-se grata por aquilo que herdou, acabar de vez com a insolência, baixar a cabeça, e tratar de se fazer à vida...

Diz um, escrevendo de um lugar bem longe do País real... "Tirando o difícil acesso a um mercado de trabalho fechado por razões de conjuntura económica e, se calhar também, de falta de visão empresarial, a actual geração jovem foi privilegiada em muitas coisas relativamente à minha: para começar, não tiveram de viver sufocados por uma ditadura nem ameaçados por uma guerra; não tiveram como única escolha académica universidades públicas de entrada difícil, ensino tipo-militar e cursos restritos e com aplicação prática imediata no mundo do trabalho. Nós não tínhamos o luxo de cursos inúteis nem universidades mixurucas que os pais ou os contribuintes pagavam; não tínhamos Erasmus, nem exames colectivos, nem pós-graduações e doutoramentos para todos; não tínhamos internet nem cinema em casa (só nas salas e só aqueles que a censura permitia) e não fazíamos downloads de tudo; não viajávamos porque não tínhamos dinheiro nem era suposto os jovens viajarem, não tínhamos telemóveis nem roupas de marca, nem Bairro Alto nem nada que fazer a não ser estudar ou ir para a tropa."

Desculpem-me a ingenuidade, mas porque raio a consciência de que a realidade pode ser muito pior do que aquilo que é deve limitar ou matar o desejo de a transformar em algo melhor? Porque carga de água têm os "jovens" de aceitar como imutável uma determinada conjuntura apenas porque uns quantos "velhos" lhes dizem o quão difícil foi conquistá-la? Há toda uma geração para quem a ditadura, a guerra, e tantos outros momentos passados não passam de um imaginário não vivido, de um monte de histórias de outros tempos. Não foi esse o tempo em que cresceram, nem foi esse o lugar que conheceram. Mas atenção: esse passado não é, de todo, irrelevante. Mesmo que sem consciência disso, apenas porque esse passado existiu, estes "jovens" podem hoje olhar um futuro diferente, porventura mais largo, para além desse contexto que já só se vive nas memórias de quem, no seu tempo, foi também capaz de sonhar mais alto. Se os "velhos" têm razão para estar satisfeitos, porque têm, isso deve-se ao facto de terem conseguido, ao que me parece, transmitir a mensagem mais importante de todas: a de que os "jovens" se não podem nunca conformar...

Posto isto, e perante aquilo que é o inequívoco assassínio continuado do futuro de todo um País, das suas gerações de hoje e das vindouras, levado a cabo pela mediocridade dos sucessivos governos, é compreensível que os "velhos", cansados das suas lutas, perversamente comprometidos com o sistema, e com medo do porvir, arrumem as botas e se encostem para uma sesta. Porque podem. Porque devem. Porque os "jovens" de hoje aí estão...

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