segunda-feira, outubro 31, 2011
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"Great spirits have always encountered violent opposition from mediocre minds. The mediocre mind is incapable of understanding the man who refuses to bow blindly to conventional prejudices and chooses instead to express his opinions courageously and honestly."
(Albert Einstein, letter to Morris Raphael Cohen, professor emeritus of philosophy at the College of the City of New York, March 19, 1940. Einstein is defending the appointment of Bertrand Russell to a teaching position.)
(Albert Einstein, letter to Morris Raphael Cohen, professor emeritus of philosophy at the College of the City of New York, March 19, 1940. Einstein is defending the appointment of Bertrand Russell to a teaching position.)
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"I have repeatedly said that in my opinion the idea of a personal God is a childlike one. You may call me an agnostic, but I do not share the crusading spirit of the professional atheist whose fervor is mostly due to a painful act of liberation from the fetters of religious indoctrination received in youth. I prefer an attitude of humility corresponding to the weakness of our intellectual understanding of nature and of our own being."
(Albert Einstein, letter to Guy H. Raner Jr., Sept. 28, 1949)
(Albert Einstein, letter to Guy H. Raner Jr., Sept. 28, 1949)
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"Either the thing is true, or it isn't. If it is true, you should believe it, and if it isn't, you shouldn't. And if you can't find out whether it's true or whether it isn't, you should suspend judgment. It seems to me a fundamental dishonesty and a fundamental treachery to intellectual integrity to hold a belief because you think it's useful, and not because you think it's true." (Bertrand Russel)
Love Police...
"What you need to do is buy things you don't need. That's the best way to support the economy... If you see a buddhist on the street, try to get them to leave their religion.... Meditation is a waste of good shopping time. Miserable people shop more, so please, remain as miserable as you can."
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"O homem é talvez mortal, mas morramos resistindo e, se é o nada que nos está reservado, façamos com que isso seja uma injustiça." (Sénancour, Obermann)
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"It's my belief that history is a wheel. Inconstancy is my very essence, says the wheel. Rise up on my spokes if you like but don't complain when you're cast back down into the depths. Good times pass away, but then so do the bad. Mutability is our tragedy, but it's also our hope. The worst of times, like the best, are always passing away." (Boetius, Consolatio Philosophiae, 524)
Estertores...
Para quem não teve a oportunidade de ler, aqui fica a ligação a Pescadores de águas turvas, mais uma pérola de José António Saraiva, autor das famosas crónicas Fazer a mesma vida gastando metade e No poupar é que está o ganho. Lá que o senhor é poupado no acto de pensar, isso é inegável. Pois leia-se mais este delírio e pasme-se com aquilo que escreve, e também com aquilo que ensina: "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático." Aqui deixo a minha resposta possível, publicada no site do 'Sol' a 27 de Outubro...
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Caro José António Saraiva,
Tenho, desde já, três hipóteses: ou assumo que o senhor está a ser intelectualmente desonesto, que age de má fé, alimentado pelo medo do porvir, procurando defender o "estado de coisas" que tão bem o trata, e respondo-lhe à letra; ou assumo que este texto é fruto da sua inconsciência, gerada por um profundo afastamento da realidade que o rodeia, e, com alguma condescendência, dou-me ao trabalho de lhe explicar o que se passa no mundo e no país real, a si, que dirige um órgão de comunicação social; ou assumo, por fim, que a dimensão dos delírios que ultimamente tem produzido se fundam numa retirada involuntária da realidade, associada a desequilíbrios do foro psicológico, e, nesse caso, por mero pudor e respeito, opto pelo silêncio. Enfim, apesar de tudo, acredito que se situa algures entre a primeira e a segunda hipóteses (mas com alguns traços da terceira - quem consegue ser são num mundo como este?), pelo que procurarei ser o mais construtivo possível na minha resposta...
Antes de mais, começa por afirmar ser incapaz de compreender que gente é esta que se indigna, com quê, e porquê... Apesar de crer que conhece minimamente (também pela profissão que desempenha) o contexto social nacional e mundial actual, acredito serem genuínas essas questões que se coloca: acredito que não saiba, de facto, "quem é esta gente", nem porque se indigna. Não digo isto apenas pela bolha em que sei viver a sua vida (facilmente aferida pelas crónicas humorísticas sobre a poupança com que, tão gentilmente, nos presenteou nos últimos tempos), mas sobretudo pelo exercício oco dos dois parágrafos seguintes, em que subitamente já percebe muito bem que "haja pessoas indignadas." É quase confrangedor sentir a forma como escreve sobre uma realidade que é incapaz de tocar, numa quase absurda assunção de um lugar que não conhece, mas que sabe ou imagina existir: não há sentimento nas suas palavras, não há nervo, há apenas um vazio estéril; você não sabe o que é não ver "nenhuma saída"; e, se alguma vez soube, é óbvio que já se esqueceu...
Depois da tese superficial em que reduz o fundamento da indignação ao desemprego, diz o senhor que a aflição motivada pela potencial, ou real, perda da autonomia (colocando em causa a sobrevivência, ou a possibilidade de uma vida digna) conduz ao sentimento de revolta... Caro senhor, permita-me que lhe diga o seguinte, de uma forma muito simples: uma das características dos "indignados" que por esse mundo fora se manifestam é precisamente o partilharem a consciência de que essa asfixia de oportunidades não é, como se procura fazer crer, uma fatalidade; "não é a crise, é o sistema" tem sido proferido globalmente (por aqueles que conseguem ter voz - muitos há que estão silenciados), e o sentimento de revolta não nasce apenas da frustração ou do desespero daqueles que se encontram no terrível limite da sua condição; nasce, sobretudo, da percepção lúcida que é hoje possível ter-se de que a dignidade humana é verdadeiramente posta em causa pelo modelo de sociedade em que vivemos, pelos poderes sociopatas que se erguem neste paradigma do capitalismo selvagem e que, como se tem verificado nas últimas décadas, e de uma forma cada vez mais grave e acentuada, perpetuam e aprofundam as desigualdades e as injustiças sociais, hipotecando milhares de milhões de vidas presentes e futuras. Escreveu Camus: "A revolta nasce do espectáculo da insensatez, perante uma condição injusta. [...] Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim." Suponho que compreenda o que isto significa...
Não tenho de lhe explicar que a história da Humanidade é também a história da luta contra as formas de opressão; nem que lhe dizer que nenhum sistema, depois de implementado, por muito que seja melhor do que anterior, está livre de ser preterido ou transformado, com mais ou menos dores de crescimento, sofrendo de forma mais ou menos traumática. Sim, urge a mudança, e urge a mudança profunda, porque uma coisa é certa: como alguém gritava no dia 15 de Outubro, em Lisboa, se continuarmos por este caminho, vai chegar rapidamente o dia em que "a única coisa que os pobres terão para comer serão os ricos". E suponho que nem pobres nem ricos anseiem por esse dia...
Não deixa de ser engraçada a forma como, agindo o medo do desconhecido, ou de perder aquilo que se tem investido, se tenta descredibilizar um movimento de protesto, alegando não apresentar uma alternativa ao modelo vigente. Já tinha apreciado esse gesto desesperado, quando o mesmo procurava infantilizar, mas foi a primeira vez que o vi ser feito no sentido de ligar o movimento ao terrorismo. E porque razão são os indignados terroristas? Porque rejeitam este modelo de sociedade mas não propõem outro, diz o senhor. Brilhante! Um verdadeiro "salto", sem qualquer lógica ou sustentação. Duas coisas... Em primeiro lugar, para se afirmar que algo não funciona, não tem necessariamente de se saber dizer como deveria funcionar - se eu estivesse em condições de gerir o País, apresentava um projecto para ser Governo, mas como não estou, procuro conhecer os projectos daqueles que se apresentam a eleições, daqueles que se afirmam estar em condições de resolver os problemas com que nos defrontamos. Significa isto que me demito de criticar e protestar contra aquilo que julgo ser errado? Significa isso que renuncio ao meu direito de participar? Claro que não. Não sou adepto do "come e cala." Procurando usar um exemplo prosaico, como o senhor procura fazer nas suas crónicas: qualquer trabalhador sabe dizer se o chefe é ou não competente, e se as suas qualidade de liderança são uma mais valia para a empresa; mas para poder aferir isso não tem que saber ocupar o lugar do chefe, compreende? Em segundo lugar, apesar da natureza relativamente inorgânica destes movimentos, que por todo o mundo começam a surgir, é falso que não tenham propostas alternativas. Mas, mais importante do que isso: é sobretudo falso que procurem destruir (apesar de compreender que seja esse o seu medo), e que não sejam motivados pelo desejo de participar na construção dessas mesmas alternativas. E é isso que também reivindicam: o direito de participar. Mas não se preocupe, porque é isso vai acontecer, mais tarde ou mais cedo. E talvez ainda tenha a sorte de o viver...
"Tudo isto é uma lufada de ar fresco. As críticas segundo as quais o movimento não tem um objectivo concreto ou é ideologicamente vago não me dizem grande coisa. Nesta país, a cultura da dissidência é hoje tão insípida que penso que é óptimo as pessoas voltarem a practicá-la, ou a participar nela pela primeira vez, juntando-se em carne e osso num espaço de protesto. Além disso, as reivindicações podem não ser muito precisas, mas as razões gerais do protesto são perfeitamente claras e válidas por si mesmas." (Siddhartha Mitter, Alternatives Internationales)
"Não é a crise, é o sistema", grita-se. Mas o sistema é feito de pessoas, alguém responde. Sim, é, mas de pessoas paridas pelo própria sistema, que de uma forma viciosa se vai alimentando de si mesmo. As pessoas dão corpo a este sistema, fazem dele o que são, mas é também no seio do sistema, daquilo que ele é, que as pessoas nascem e ganham vida. O sistema só muda quando as pessoas mudam. E, quando o sistema muda, as pessoas mudam também... Quando se nasce, nasce-se no seio de uma família, de uma cultura, de uma sociedade, que nos acolhe, ou não. Há muitos mundos, diferentes, neste nosso mundo, uns mais ricos de afectos, de valores, outro mais miseráveis. E esses mundos particulares dão à luz pessoas com mundos internos muito diferentes... Conscientes desta dinâmica de causalidades mutáveis, devemos trabalhar no sentido de ir criando mecanismos que defendam as pessoas das muitas incapacidades daquilo que é ser-se humano hoje, geradas por este mundo desigual e muitas vezes atroz. Na minha opinião, apenas um ser incapaz de sentir empatia pelo outro, e desesperadamente vazio, está disposto a pisar e a escravizar, e apenas para se encher daquilo que é acessório, e que apenas permite mascarar o que, por sua infelicidade, esteve sempre ausente no mundo que o viu nascer. Tenho a convicção de que as pessoas que oprimem, mais ou menos despoticamente, com recurso às mais variadas armas para o conseguir, não são mais do que, também elas, um miserável produto da vida nascida e crescida neste mundo tristemente minado por lugares despovoados de amor e de afectos, sem valores e sem limites. E esses lugares engravidam, perpetuam-se, e ameaçam a sobrevivência e a dignidade da espécie humana...
Como explicou recentemente Luís Queirós no Jornal de Negócios, creio que, "para sobreviver, a nossa civilização tem de encontrar formas de prosperar sem crescimento: uma prosperidade não centrada em conteúdos predominantemente materiais, em que se valorize mais o 'ser' do que 'ter', num mundo com novos valores e uma nova espiritualidade." Não sei se a transição será suave, não sei sequer se será possível, mas não tenha medo, nem fique angustiado: lembre-se de que não controla absolutamente nada, e de que aquilo que tiver de acontecer, acontecerá... Porque, "na realidade, não estamos a sofrer uma crise, mas um feixe de crises, uma soma de crises tão intimamente misturadas umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas de outras, até se formar um verdadeiro sistema. Ou seja, estamos a enfrentar uma crise sistémica do mundo ocidental que afecta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a guerra, a geopolítica, o clima, o ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.", escreveu Igancio Romanet na última edição do Le Monde Diplomatique.
"Human history can be viewed as a slowly dawning awareness that we are members of a larger group. Initially our loyalties were to ourselves and our immediate family, next, to bands of wandering hunter-gatherers, then to tribes, small settlements, city-states, nations. We have broadened the circle of those we love. We have now organized what are modestly described as super-powers, which include groups of people from divergent ethnic and cultural backgrounds working in some sense together — surely a humanizing and character building experience. If we are to survive, our loyalties must be broadened further, to include the whole human community, the entire planet Earth. Many of those who run the nations will find this idea unpleasant. They will fear the loss of power. We will hear much about treason and disloyalty. Rich nation-states will have to share their wealth with poor ones. But the choice, as H. G. Wells once said in a different context, is clearly the universe or nothing." (Carl Sagan)
Mas regressando ao seu texto, não posso não lhe deixar uma nota sobre aquilo que ensina nas suas aulas de política... Diz-me então que "os movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", certo? Que "o seu objectivo é tentar impedir pela força o Governo legitimamente eleito de aplicar as medidas que considera necessárias.". Caro senhor, esquece-se de um pequeno pormenor, e refiro-me agora à escala local: Pedro Passos Coelho "tem toda a legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha eleitoral", escreveu recentemente no Jornal de Negócios o nosso Prémio Camões, Manuel António Pina. Compreende? Não consigo imaginar maior vigor democrático do aquele em que um povo consciente (da complexa conjuntura nacional e mundial) afirma o seu descontentamento, de forma pacífica, nas ruas, sem esperar pelo dia do voto. "O caminho dos 'indignados' não é definitivamente o trilho certo para construir um país melhor", conclui. Está a falar de um país melhor para quem, pergunto-lhe eu? Para si? E cuidado com esse "definitivamente". Lembre-se das palavras de Eric Hoffer: "Só podemos ter certeza absoluta das coisas que não compreendemos." E eu compreendo que seja difícil para si, e para qualquer pessoa, entender a dimensão e o significado de um movimento inédito de protesto, que se ensaia, de forma consonante, à escala mundial...
É curiosa a forma como o senhor, um suposto liberal, lutando contra a expressão da indignação, que afirma ser "terrorista" e antidemocrática, ou seja, que afirma constituir uma ameaça à liberdade, introduz claramente a ideia de que seria desejável limitar a liberdade da contestar nas ruas. "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", escreve. De alguma forma, alinha com alguns dos regimes que condena na sua crónica, repudiando as manifestações populares de descontentamento. Também as deseja proibir? Se os "terroristas" estão dispostos a destruir este mundo, que acha que faz o senhor, com essas suas palavras, ao seu mundo alegadamente democrático? Como diria Žižek, faz lembrar Jonathan Alter e Alan Dershowitz: mostravam tanto respeito pela dignidade humana que, para a defender, estavam dispostos a legalizar a tortura - ou seja, a suprema degradação da dignidade humana. Irónico, no mínimo...
E volto a trazer-lhe Carl Sagn, se me permite: "widespread intellectual and moral docility may be convenient for leaders in the short term, but it is suicidal for nations in the long term. One of the criteria for national leadership should therefore be a talent for understanding, encouraging, and making constructive use of vigorous criticism."
Por último, como indignado que estou e sou, devo dizer-lhe que não tenho intenção alguma de me tornar poder. Quanto a mim, pode ficar descansado. Como escreveu Bianciardi, "a revolução, se quiser resistir, deve permanecer revolução. Se se transforma em governo, já está falida... Os lugares que deixaram de ter uma revolução permanente recuperaram a tirania." Conte comigo para essa luta, enquanto o medo do porvir não me vergar, como diria que aconteceu consigo. Mas é normal, lembre-se de Pitigrilli, que é do seu tempo: "nasce-se incendiário e acaba-se bombeiro."
Cumprimentos,
Filipe Feio
P.S. Um conselho: leia a história da ascensão de Hitler, e verá que está enganado. Esse senhor, ao contrário do que diz, foi legitimado nas urnas, muito com a ajuda do grupo de comunicação social de Alfred Hugenberg...
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Caro José António Saraiva,
Tenho, desde já, três hipóteses: ou assumo que o senhor está a ser intelectualmente desonesto, que age de má fé, alimentado pelo medo do porvir, procurando defender o "estado de coisas" que tão bem o trata, e respondo-lhe à letra; ou assumo que este texto é fruto da sua inconsciência, gerada por um profundo afastamento da realidade que o rodeia, e, com alguma condescendência, dou-me ao trabalho de lhe explicar o que se passa no mundo e no país real, a si, que dirige um órgão de comunicação social; ou assumo, por fim, que a dimensão dos delírios que ultimamente tem produzido se fundam numa retirada involuntária da realidade, associada a desequilíbrios do foro psicológico, e, nesse caso, por mero pudor e respeito, opto pelo silêncio. Enfim, apesar de tudo, acredito que se situa algures entre a primeira e a segunda hipóteses (mas com alguns traços da terceira - quem consegue ser são num mundo como este?), pelo que procurarei ser o mais construtivo possível na minha resposta...
Antes de mais, começa por afirmar ser incapaz de compreender que gente é esta que se indigna, com quê, e porquê... Apesar de crer que conhece minimamente (também pela profissão que desempenha) o contexto social nacional e mundial actual, acredito serem genuínas essas questões que se coloca: acredito que não saiba, de facto, "quem é esta gente", nem porque se indigna. Não digo isto apenas pela bolha em que sei viver a sua vida (facilmente aferida pelas crónicas humorísticas sobre a poupança com que, tão gentilmente, nos presenteou nos últimos tempos), mas sobretudo pelo exercício oco dos dois parágrafos seguintes, em que subitamente já percebe muito bem que "haja pessoas indignadas." É quase confrangedor sentir a forma como escreve sobre uma realidade que é incapaz de tocar, numa quase absurda assunção de um lugar que não conhece, mas que sabe ou imagina existir: não há sentimento nas suas palavras, não há nervo, há apenas um vazio estéril; você não sabe o que é não ver "nenhuma saída"; e, se alguma vez soube, é óbvio que já se esqueceu...
Depois da tese superficial em que reduz o fundamento da indignação ao desemprego, diz o senhor que a aflição motivada pela potencial, ou real, perda da autonomia (colocando em causa a sobrevivência, ou a possibilidade de uma vida digna) conduz ao sentimento de revolta... Caro senhor, permita-me que lhe diga o seguinte, de uma forma muito simples: uma das características dos "indignados" que por esse mundo fora se manifestam é precisamente o partilharem a consciência de que essa asfixia de oportunidades não é, como se procura fazer crer, uma fatalidade; "não é a crise, é o sistema" tem sido proferido globalmente (por aqueles que conseguem ter voz - muitos há que estão silenciados), e o sentimento de revolta não nasce apenas da frustração ou do desespero daqueles que se encontram no terrível limite da sua condição; nasce, sobretudo, da percepção lúcida que é hoje possível ter-se de que a dignidade humana é verdadeiramente posta em causa pelo modelo de sociedade em que vivemos, pelos poderes sociopatas que se erguem neste paradigma do capitalismo selvagem e que, como se tem verificado nas últimas décadas, e de uma forma cada vez mais grave e acentuada, perpetuam e aprofundam as desigualdades e as injustiças sociais, hipotecando milhares de milhões de vidas presentes e futuras. Escreveu Camus: "A revolta nasce do espectáculo da insensatez, perante uma condição injusta. [...] Que vem a ser um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim." Suponho que compreenda o que isto significa...
Não tenho de lhe explicar que a história da Humanidade é também a história da luta contra as formas de opressão; nem que lhe dizer que nenhum sistema, depois de implementado, por muito que seja melhor do que anterior, está livre de ser preterido ou transformado, com mais ou menos dores de crescimento, sofrendo de forma mais ou menos traumática. Sim, urge a mudança, e urge a mudança profunda, porque uma coisa é certa: como alguém gritava no dia 15 de Outubro, em Lisboa, se continuarmos por este caminho, vai chegar rapidamente o dia em que "a única coisa que os pobres terão para comer serão os ricos". E suponho que nem pobres nem ricos anseiem por esse dia...
Não deixa de ser engraçada a forma como, agindo o medo do desconhecido, ou de perder aquilo que se tem investido, se tenta descredibilizar um movimento de protesto, alegando não apresentar uma alternativa ao modelo vigente. Já tinha apreciado esse gesto desesperado, quando o mesmo procurava infantilizar, mas foi a primeira vez que o vi ser feito no sentido de ligar o movimento ao terrorismo. E porque razão são os indignados terroristas? Porque rejeitam este modelo de sociedade mas não propõem outro, diz o senhor. Brilhante! Um verdadeiro "salto", sem qualquer lógica ou sustentação. Duas coisas... Em primeiro lugar, para se afirmar que algo não funciona, não tem necessariamente de se saber dizer como deveria funcionar - se eu estivesse em condições de gerir o País, apresentava um projecto para ser Governo, mas como não estou, procuro conhecer os projectos daqueles que se apresentam a eleições, daqueles que se afirmam estar em condições de resolver os problemas com que nos defrontamos. Significa isto que me demito de criticar e protestar contra aquilo que julgo ser errado? Significa isso que renuncio ao meu direito de participar? Claro que não. Não sou adepto do "come e cala." Procurando usar um exemplo prosaico, como o senhor procura fazer nas suas crónicas: qualquer trabalhador sabe dizer se o chefe é ou não competente, e se as suas qualidade de liderança são uma mais valia para a empresa; mas para poder aferir isso não tem que saber ocupar o lugar do chefe, compreende? Em segundo lugar, apesar da natureza relativamente inorgânica destes movimentos, que por todo o mundo começam a surgir, é falso que não tenham propostas alternativas. Mas, mais importante do que isso: é sobretudo falso que procurem destruir (apesar de compreender que seja esse o seu medo), e que não sejam motivados pelo desejo de participar na construção dessas mesmas alternativas. E é isso que também reivindicam: o direito de participar. Mas não se preocupe, porque é isso vai acontecer, mais tarde ou mais cedo. E talvez ainda tenha a sorte de o viver...
"Tudo isto é uma lufada de ar fresco. As críticas segundo as quais o movimento não tem um objectivo concreto ou é ideologicamente vago não me dizem grande coisa. Nesta país, a cultura da dissidência é hoje tão insípida que penso que é óptimo as pessoas voltarem a practicá-la, ou a participar nela pela primeira vez, juntando-se em carne e osso num espaço de protesto. Além disso, as reivindicações podem não ser muito precisas, mas as razões gerais do protesto são perfeitamente claras e válidas por si mesmas." (Siddhartha Mitter, Alternatives Internationales)
"Não é a crise, é o sistema", grita-se. Mas o sistema é feito de pessoas, alguém responde. Sim, é, mas de pessoas paridas pelo própria sistema, que de uma forma viciosa se vai alimentando de si mesmo. As pessoas dão corpo a este sistema, fazem dele o que são, mas é também no seio do sistema, daquilo que ele é, que as pessoas nascem e ganham vida. O sistema só muda quando as pessoas mudam. E, quando o sistema muda, as pessoas mudam também... Quando se nasce, nasce-se no seio de uma família, de uma cultura, de uma sociedade, que nos acolhe, ou não. Há muitos mundos, diferentes, neste nosso mundo, uns mais ricos de afectos, de valores, outro mais miseráveis. E esses mundos particulares dão à luz pessoas com mundos internos muito diferentes... Conscientes desta dinâmica de causalidades mutáveis, devemos trabalhar no sentido de ir criando mecanismos que defendam as pessoas das muitas incapacidades daquilo que é ser-se humano hoje, geradas por este mundo desigual e muitas vezes atroz. Na minha opinião, apenas um ser incapaz de sentir empatia pelo outro, e desesperadamente vazio, está disposto a pisar e a escravizar, e apenas para se encher daquilo que é acessório, e que apenas permite mascarar o que, por sua infelicidade, esteve sempre ausente no mundo que o viu nascer. Tenho a convicção de que as pessoas que oprimem, mais ou menos despoticamente, com recurso às mais variadas armas para o conseguir, não são mais do que, também elas, um miserável produto da vida nascida e crescida neste mundo tristemente minado por lugares despovoados de amor e de afectos, sem valores e sem limites. E esses lugares engravidam, perpetuam-se, e ameaçam a sobrevivência e a dignidade da espécie humana...
Como explicou recentemente Luís Queirós no Jornal de Negócios, creio que, "para sobreviver, a nossa civilização tem de encontrar formas de prosperar sem crescimento: uma prosperidade não centrada em conteúdos predominantemente materiais, em que se valorize mais o 'ser' do que 'ter', num mundo com novos valores e uma nova espiritualidade." Não sei se a transição será suave, não sei sequer se será possível, mas não tenha medo, nem fique angustiado: lembre-se de que não controla absolutamente nada, e de que aquilo que tiver de acontecer, acontecerá... Porque, "na realidade, não estamos a sofrer uma crise, mas um feixe de crises, uma soma de crises tão intimamente misturadas umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Porque os efeitos de umas são as causas de outras, até se formar um verdadeiro sistema. Ou seja, estamos a enfrentar uma crise sistémica do mundo ocidental que afecta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a guerra, a geopolítica, o clima, o ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.", escreveu Igancio Romanet na última edição do Le Monde Diplomatique.
"Human history can be viewed as a slowly dawning awareness that we are members of a larger group. Initially our loyalties were to ourselves and our immediate family, next, to bands of wandering hunter-gatherers, then to tribes, small settlements, city-states, nations. We have broadened the circle of those we love. We have now organized what are modestly described as super-powers, which include groups of people from divergent ethnic and cultural backgrounds working in some sense together — surely a humanizing and character building experience. If we are to survive, our loyalties must be broadened further, to include the whole human community, the entire planet Earth. Many of those who run the nations will find this idea unpleasant. They will fear the loss of power. We will hear much about treason and disloyalty. Rich nation-states will have to share their wealth with poor ones. But the choice, as H. G. Wells once said in a different context, is clearly the universe or nothing." (Carl Sagan)
Mas regressando ao seu texto, não posso não lhe deixar uma nota sobre aquilo que ensina nas suas aulas de política... Diz-me então que "os movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", certo? Que "o seu objectivo é tentar impedir pela força o Governo legitimamente eleito de aplicar as medidas que considera necessárias.". Caro senhor, esquece-se de um pequeno pormenor, e refiro-me agora à escala local: Pedro Passos Coelho "tem toda a legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha eleitoral", escreveu recentemente no Jornal de Negócios o nosso Prémio Camões, Manuel António Pina. Compreende? Não consigo imaginar maior vigor democrático do aquele em que um povo consciente (da complexa conjuntura nacional e mundial) afirma o seu descontentamento, de forma pacífica, nas ruas, sem esperar pelo dia do voto. "O caminho dos 'indignados' não é definitivamente o trilho certo para construir um país melhor", conclui. Está a falar de um país melhor para quem, pergunto-lhe eu? Para si? E cuidado com esse "definitivamente". Lembre-se das palavras de Eric Hoffer: "Só podemos ter certeza absoluta das coisas que não compreendemos." E eu compreendo que seja difícil para si, e para qualquer pessoa, entender a dimensão e o significado de um movimento inédito de protesto, que se ensaia, de forma consonante, à escala mundial...
É curiosa a forma como o senhor, um suposto liberal, lutando contra a expressão da indignação, que afirma ser "terrorista" e antidemocrática, ou seja, que afirma constituir uma ameaça à liberdade, introduz claramente a ideia de que seria desejável limitar a liberdade da contestar nas ruas. "Há muito tempo que defendo, nas minhas aulas de Política, que todos estes movimentos de massas têm um fundo antidemocrático", escreve. De alguma forma, alinha com alguns dos regimes que condena na sua crónica, repudiando as manifestações populares de descontentamento. Também as deseja proibir? Se os "terroristas" estão dispostos a destruir este mundo, que acha que faz o senhor, com essas suas palavras, ao seu mundo alegadamente democrático? Como diria Žižek, faz lembrar Jonathan Alter e Alan Dershowitz: mostravam tanto respeito pela dignidade humana que, para a defender, estavam dispostos a legalizar a tortura - ou seja, a suprema degradação da dignidade humana. Irónico, no mínimo...
E volto a trazer-lhe Carl Sagn, se me permite: "widespread intellectual and moral docility may be convenient for leaders in the short term, but it is suicidal for nations in the long term. One of the criteria for national leadership should therefore be a talent for understanding, encouraging, and making constructive use of vigorous criticism."
Por último, como indignado que estou e sou, devo dizer-lhe que não tenho intenção alguma de me tornar poder. Quanto a mim, pode ficar descansado. Como escreveu Bianciardi, "a revolução, se quiser resistir, deve permanecer revolução. Se se transforma em governo, já está falida... Os lugares que deixaram de ter uma revolução permanente recuperaram a tirania." Conte comigo para essa luta, enquanto o medo do porvir não me vergar, como diria que aconteceu consigo. Mas é normal, lembre-se de Pitigrilli, que é do seu tempo: "nasce-se incendiário e acaba-se bombeiro."
Cumprimentos,
Filipe Feio
P.S. Um conselho: leia a história da ascensão de Hitler, e verá que está enganado. Esse senhor, ao contrário do que diz, foi legitimado nas urnas, muito com a ajuda do grupo de comunicação social de Alfred Hugenberg...
sexta-feira, outubro 28, 2011
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"Não serão também as explosões neonazis pós-comunistas uma prova negativa da presença dessas possibilidades de emancipação, o sintoma de uma tomada de consciência, através de uma explosão de raiva, de possibilidades falhadas? Não devemos recear estabelecer um paralelo com a vida psíquica individual: tal como a consciência de ter passado ao lado de uma possibilidade 'privada' (digamos, a de se lançar numa relação amorosa plena e satisfatória) deixa muitas vezes marcas sob a forma de ansiedades 'irracionais, dores de cabeça, crises de raiva, o vazio que representa a possibilidade malograda de uma revolução pode explodir e degenerar sob a forma de crises 'irracionais', de iras destruidoras..." (Slavoj Žižek, Bem-vindo ao Deserto do Real)
quinta-feira, outubro 27, 2011
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"Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento de caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se a par, a Grécia e Portugal." (Eça de Queirós, Farpas, 1872)
quarta-feira, outubro 26, 2011
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"It takes more courage to examine the dark corners of your own soul than it does for a soldier to fight on a battlefield."
(William Butler Yeats)
(William Butler Yeats)
terça-feira, outubro 25, 2011
"Burla dos direitos adquiridos", por Ângelo Correia
Em Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias, Ângelo Correia afirmou que adquiridos são apenas os direitos como o direito à vida, o direito à liberdade, etc.. Defendeu que todos os outros direitos, ou seja, aqueles que custam dinheiro ao Estado, são direitos que "não existem", que estão dependentes da solidez da economia. Concluiu mesmo que a ideia de direitos adquiridos se trata de uma "burla".
No entanto, menos de um ano depois, a 23 de Outubro de 2011, quando questionado por uma jornalista da Antena 1 sobre a possibilidade de, em função do momento difícil que o país atravessa, abdicar da sua subvenção vitalícia de ex-titular de cargo público (quando, ainda por cima, trabalha no sector privado), Ângelo Correia afirmou não estar disponível, por se tratar de um "direito adquirido" legalmente.
Aqui ficam os endereços para as respectivas páginas. Vale a pena ver e ouvir...
"Nós não tivemos a ousadia e a necessidade de explicar a diferença entre direitos adquiridos [...] - direito à vida, direito à liberdade - e os outros, que são os direitos decorrentes da economia, que não são adquiridos. Só o são, enquanto a economia for sólida."
(Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias: http://videos.sapo.pt/m4f98nFL3iuMKcfSAagz - minuto 33:05)
"Os direitos que nós temos são direitos adquiridos legalmente."
(Outubro de 2011, à Antena 1, recusando renunciar à sua subvenção vitalícia: http://www.rtp.pt/noticias/?headline=46&visual=9&tm=9&t=Angelo-Correia-aceita-corte-de-subvencao-mas-nao-abdica-por-se-tratar-de-um-direito-adquirido.rtp&article=491873)
No entanto, menos de um ano depois, a 23 de Outubro de 2011, quando questionado por uma jornalista da Antena 1 sobre a possibilidade de, em função do momento difícil que o país atravessa, abdicar da sua subvenção vitalícia de ex-titular de cargo público (quando, ainda por cima, trabalha no sector privado), Ângelo Correia afirmou não estar disponível, por se tratar de um "direito adquirido" legalmente.
Aqui ficam os endereços para as respectivas páginas. Vale a pena ver e ouvir...
"Nós não tivemos a ousadia e a necessidade de explicar a diferença entre direitos adquiridos [...] - direito à vida, direito à liberdade - e os outros, que são os direitos decorrentes da economia, que não são adquiridos. Só o são, enquanto a economia for sólida."
(Novembro de 2010, no Plano Inclinado da SIC Notícias: http://videos.sapo.pt/m4f98nFL3iuMKcfSAagz - minuto 33:05)
"Os direitos que nós temos são direitos adquiridos legalmente."
(Outubro de 2011, à Antena 1, recusando renunciar à sua subvenção vitalícia: http://www.rtp.pt/noticias/?headline=46&visual=9&tm=9&t=Angelo-Correia-aceita-corte-de-subvencao-mas-nao-abdica-por-se-tratar-de-um-direito-adquirido.rtp&article=491873)
segunda-feira, outubro 24, 2011
É a ética, estúpidos!
Quando foi descoberto, Miguel Macedo defendeu-se alegando estar a receber o subsídio de alojamento ao abrigo da lei. Quando, numa questão de ética, se recorre ao escudo da legalidade, está tudo dito... Altere-se a lei, para que a mesma, quando devidamente aplicada, possa defender o País de indivíduos ccmo este, bandidos sem escrúpulos nem carácter...
Entretanto, eis que o ministro da Administração Interna teve a lata de vir dizer, de forma absolutamente arrogante e profundamente hipócrita, ventindo a pele da seriedade ofendida, que abdica de uma coisa que é sua por direito, apenas porque não quer perder "um minuto" da sua atenção. Ouviram bem? Sócios, ele renuncia porque quer estar "concentrado" naquilo que tem para fazer.
Ou seja, atribui a esta "polémica", como a designa, e àquilo em que a mesma se funda, um cariz perfeitamente irrelevante: para ele, não passa de uma distracção. O tipo vai renunciar, sim, mas não julguem que o faz porque se trata de algo eticamente reprovável. Não... Vai renunciar, mas para não se desconcentrar daquilo que, porventura, considera essencial. Ah pois: porque isto de aproveitar um vazio legal para roubar os portugueses não passa de uma coisa meramente acessória, de uma minudência, de uma distracçãozinha. Mas que mal tem pôr os portugueses a pagar 1400 euros por mês para que o dito senhor possa habitar a sua própria casa? Hum?
Enfim, só isto já seria suficiente para que, num país decente, o homem fosse afastado por quem de direito (já que o senhor não tem a decência de tomar a decisão de se demitir). Mas a história não termina aqui...
José Cesário, Secretário de Estado das Comunidades (outro que estava na mesma situação), optou também por prescindir do subsídio de alojamento a que tinha direito. Segundo fonte da Secretaria de Estado, "decidiu abdicar do subsídio para não introduzir qualquer tipo de ruído na gestão política da secretaria de Estado que tutela". Aqui, aproveito para citar o Aventar:
"É em momentos destes que descubro que, afinal, perífrase é frase mas no mau sentido, tal como eufemismo é uma treta codificada. O que José Cesário poderia ter dito, se estivesse minimamente interessado em parecer uma pessoa séria, seria qualquer coisa como: 'Um subsídio como este só faria sentido se pudesse ser aplicado a qualquer funcionário público que fosse obrigado a trabalhar longe da sua residência oficial, sendo obrigado a pagar alojamento perto do local de trabalho. Como eu ganho mais do que a maioria dos funcionários públicos e, ainda por cima, possuo uma segunda casa na cidade em que, agora, trabalho, é imoral receber esse subsídio, ainda para mais num país em dificuldades financeiras'."
Mas esta triste comédia não poderia chegar ao fim sem a participação de Aguiar Branco. O ministro da Defesa Nacional vai renunciar também ao subsídio, apesar de, ao contrário dos outros dois, "não ter casa própria em Lisboa." E porquê? Confesso que já tenho medo de perguntar... Será porque estamos a viver tempos difíceis, dos tais sacrifícios, e o abastado senhor deseja contribuir para o esforço que é exigido aos portugueses? Não! Pasme-se: "em solidariedade com os outros membros do governo". Mas será mesmo esta a razão? Acontece que o ministro da Defesa pode, se assim o desejar, utilizar o Forte de São Julião da Barra, sua Residência Oficial. Assim sendo, que sentido faz ter acesso ao subsídio se tem uma habitação à sua disposição? Será legal? Imoral é certamente: "Passos, não gosto muito do Forte, vou antes alugar uma casa. Mete o meu nome no despacho. Mil euros mensais, ok? Ou comem todos, ou há moralidade."
Assim vai este lamaçal. Que miséria...
[Fundamentos para a indignação: Indignados Lisboa!]
Entretanto, eis que o ministro da Administração Interna teve a lata de vir dizer, de forma absolutamente arrogante e profundamente hipócrita, ventindo a pele da seriedade ofendida, que abdica de uma coisa que é sua por direito, apenas porque não quer perder "um minuto" da sua atenção. Ouviram bem? Sócios, ele renuncia porque quer estar "concentrado" naquilo que tem para fazer.
Ou seja, atribui a esta "polémica", como a designa, e àquilo em que a mesma se funda, um cariz perfeitamente irrelevante: para ele, não passa de uma distracção. O tipo vai renunciar, sim, mas não julguem que o faz porque se trata de algo eticamente reprovável. Não... Vai renunciar, mas para não se desconcentrar daquilo que, porventura, considera essencial. Ah pois: porque isto de aproveitar um vazio legal para roubar os portugueses não passa de uma coisa meramente acessória, de uma minudência, de uma distracçãozinha. Mas que mal tem pôr os portugueses a pagar 1400 euros por mês para que o dito senhor possa habitar a sua própria casa? Hum?
Enfim, só isto já seria suficiente para que, num país decente, o homem fosse afastado por quem de direito (já que o senhor não tem a decência de tomar a decisão de se demitir). Mas a história não termina aqui...
José Cesário, Secretário de Estado das Comunidades (outro que estava na mesma situação), optou também por prescindir do subsídio de alojamento a que tinha direito. Segundo fonte da Secretaria de Estado, "decidiu abdicar do subsídio para não introduzir qualquer tipo de ruído na gestão política da secretaria de Estado que tutela". Aqui, aproveito para citar o Aventar:
"É em momentos destes que descubro que, afinal, perífrase é frase mas no mau sentido, tal como eufemismo é uma treta codificada. O que José Cesário poderia ter dito, se estivesse minimamente interessado em parecer uma pessoa séria, seria qualquer coisa como: 'Um subsídio como este só faria sentido se pudesse ser aplicado a qualquer funcionário público que fosse obrigado a trabalhar longe da sua residência oficial, sendo obrigado a pagar alojamento perto do local de trabalho. Como eu ganho mais do que a maioria dos funcionários públicos e, ainda por cima, possuo uma segunda casa na cidade em que, agora, trabalho, é imoral receber esse subsídio, ainda para mais num país em dificuldades financeiras'."
Mas esta triste comédia não poderia chegar ao fim sem a participação de Aguiar Branco. O ministro da Defesa Nacional vai renunciar também ao subsídio, apesar de, ao contrário dos outros dois, "não ter casa própria em Lisboa." E porquê? Confesso que já tenho medo de perguntar... Será porque estamos a viver tempos difíceis, dos tais sacrifícios, e o abastado senhor deseja contribuir para o esforço que é exigido aos portugueses? Não! Pasme-se: "em solidariedade com os outros membros do governo". Mas será mesmo esta a razão? Acontece que o ministro da Defesa pode, se assim o desejar, utilizar o Forte de São Julião da Barra, sua Residência Oficial. Assim sendo, que sentido faz ter acesso ao subsídio se tem uma habitação à sua disposição? Será legal? Imoral é certamente: "Passos, não gosto muito do Forte, vou antes alugar uma casa. Mete o meu nome no despacho. Mil euros mensais, ok? Ou comem todos, ou há moralidade."
Assim vai este lamaçal. Que miséria...
[Fundamentos para a indignação: Indignados Lisboa!]
sexta-feira, outubro 21, 2011
Memórias que são pérolas, ou do que eu me fui lembrar...
Era o ano de 2007 ou 2008 (não sei bem, mas também não interessa), e estava eu sentado no meu posto de trabalho, na redacção de um jornal com quase 150 anos de história, frente a um obsoleto modelo de computador (talvez dos tempos da fundação!), que a contragosto se arrastava por entre mais de uma dezena de janelas do "browser" - todas elas abertas em páginas acerca do assunto sobre o qual estava convictamente debruçado, diga-se - quando oiço a voz sábia do meu editor de então, vinda da secretária do lado, e indicando-me o caminho: "Então? Que estás tu a fazer? Isto aqui não é para perder tempo a investigar: é para escrever!"
quarta-feira, outubro 19, 2011
sexta-feira, outubro 14, 2011
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"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção." (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)
quarta-feira, outubro 12, 2011
15 Out | 15h | 951 cidades | 82 países
Lisboa - Marquês de Pombal | Porto - Praça da Batalha | Angra do Heroísmo - Praça Velha | Braga - Avenida Central | Coimbra - Praça da República | Évora - Praça do Sertório | Faro - Jardim Manuel Bivar
Resto do mundo: http://15october.net/!
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"Na verdade, a filosofia é nostalgia; o desejo de se sentir em casa em qualquer lugar." (Novalis, Fragmentos)
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"Um passo a mais neste caminho da lucidez impiedosa, e fico sem pé na vida." (Miguel Torga, Diário XIV)
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"O meu sonho de felicidade? O sonho de felicidade."
(Louis Aragon, em resposta ao questionário de Marcel Proust)
(Louis Aragon, em resposta ao questionário de Marcel Proust)
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"Could a greater miracle take place than for us to look through each other's eyes for an instant?" (Henry David Thoreau)
Is there cause for optimism?
"The cost of sanity, in this society, is a certain level of alienation." (Terence McKenna)
"Well, if I were dependent on the notion that human institutions are necessary to pull us out of the ditch, I would be very despairing. As I said, nobody’s in charge – not the IMF, the Pope, the communist party, the jews, no, no, no -, nobody has their finger on what’s going on. So then, why hope? Isn’t it just a runaway train, out of control? I don’t think so. I think the out-of-controlness is the most hopeful thing about it! After all, whose control is it out of? You and I never controlled it in the first place! Why are we anxious about the fact that it’s out of control? I think if it’s out of control, then our side... is winning."
"Well, if I were dependent on the notion that human institutions are necessary to pull us out of the ditch, I would be very despairing. As I said, nobody’s in charge – not the IMF, the Pope, the communist party, the jews, no, no, no -, nobody has their finger on what’s going on. So then, why hope? Isn’t it just a runaway train, out of control? I don’t think so. I think the out-of-controlness is the most hopeful thing about it! After all, whose control is it out of? You and I never controlled it in the first place! Why are we anxious about the fact that it’s out of control? I think if it’s out of control, then our side... is winning."
terça-feira, outubro 11, 2011
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"He thought that it was loneliness which he was trying to escape and not himself. But the street ran on: catlike, one place was the same as another to him. But in none of them could he be quiet." (William Faulkner, Light in August)
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"Às tantas vem à tona, tem o nariz a sangrar. Madrugada. Adivinha a madrugada pelo vidro da bandeira da porta. Chega à casa de banho para estancar a hemorragia.
Tonto, a língua encortiçada, diante do espelho do lavatório. De cabeça para trás e o braço no ar parece um cego a pedir passagem. Nessa posição é-lhe difícil ver-se, tem de forçar o olhar ao longo do nariz donde descorrem umas mechas de algodão; os poucos cabelos da calva estão eriçados numa penugem de pássaro esgrouviado. Por trás, ao fundo, reflecte-se a brancura da sanita contra a parede de azulejos: cortando o espelho cai a prumo o fio do autoclismo com o cabo de porcelana. Também a branco, o cabo. Também reluzente.
Elias molha a testa à torneira. Quando torna a endireitar-se é toda a massa do cérebro que se bloqueia com o movimento e tem de se amparar no lavatório para não cair. Cabeça pendida para trás outra vez, braço no ar; a recompor-se nesse vazio dele mesmo, nessa surdez branca e mundo branco, descai os olhos, força-os a seguirem a quilha do nariz até ao espelho e depara novamente com a parede de azulejos em fundo com a sanita. E na sanita está ela: Mena.
Viu-a como se soubesse que ela sempre ali estivera, sentada nua, os cotovelos sobre os joelhos. Os reflexos da luz ora a dissolvem no vidrado do azulejos, ora a recuperam, muito pálida.
Mas há uma sombra que atravessa o espelho por trás dele. Leva um braço levantado como Elias (podia ser a sombra dele próprio a deslocar-se, a abandoná-lo) e na mão erguida tem um dedo a deitar fogo. Fogo não, sangue. Isso, sangue. E quando se chega a Mena, ela, que já estava à espera desse dedo com a boca estendida como um animal amestrado, recebe-o e suga-o. Suga-o numa cadência obediente e sonolenta.
Elias reage. Aproxima-se mais do espelho até o ocupar por completo com o rosto e fita-se demoradamente. Cara a cara com ele, mas incapaz de pensar, apenas a ver-se. Quando se cansa concentra-se num último e silencioso olhar com a dureza de quem volta costas a um irmão.
Dirige-se então à retrete e urina. De braço no ar, sempre de braço no ar, descarrega uma calda ardente e turvada de febre num jacto ruidoso - de cavalo. Esgota-se até à última gota em arrancadas bruscas, quase dolorosas que furam a espuma acumulada no fundo da sanita.
De cara para o tecto, quase solene, quem o visse diria que estava a defazer com a urina quaisquer restos de memória que desejava ignorar."
(José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)
Tonto, a língua encortiçada, diante do espelho do lavatório. De cabeça para trás e o braço no ar parece um cego a pedir passagem. Nessa posição é-lhe difícil ver-se, tem de forçar o olhar ao longo do nariz donde descorrem umas mechas de algodão; os poucos cabelos da calva estão eriçados numa penugem de pássaro esgrouviado. Por trás, ao fundo, reflecte-se a brancura da sanita contra a parede de azulejos: cortando o espelho cai a prumo o fio do autoclismo com o cabo de porcelana. Também a branco, o cabo. Também reluzente.
Elias molha a testa à torneira. Quando torna a endireitar-se é toda a massa do cérebro que se bloqueia com o movimento e tem de se amparar no lavatório para não cair. Cabeça pendida para trás outra vez, braço no ar; a recompor-se nesse vazio dele mesmo, nessa surdez branca e mundo branco, descai os olhos, força-os a seguirem a quilha do nariz até ao espelho e depara novamente com a parede de azulejos em fundo com a sanita. E na sanita está ela: Mena.
Viu-a como se soubesse que ela sempre ali estivera, sentada nua, os cotovelos sobre os joelhos. Os reflexos da luz ora a dissolvem no vidrado do azulejos, ora a recuperam, muito pálida.
Mas há uma sombra que atravessa o espelho por trás dele. Leva um braço levantado como Elias (podia ser a sombra dele próprio a deslocar-se, a abandoná-lo) e na mão erguida tem um dedo a deitar fogo. Fogo não, sangue. Isso, sangue. E quando se chega a Mena, ela, que já estava à espera desse dedo com a boca estendida como um animal amestrado, recebe-o e suga-o. Suga-o numa cadência obediente e sonolenta.
Elias reage. Aproxima-se mais do espelho até o ocupar por completo com o rosto e fita-se demoradamente. Cara a cara com ele, mas incapaz de pensar, apenas a ver-se. Quando se cansa concentra-se num último e silencioso olhar com a dureza de quem volta costas a um irmão.
Dirige-se então à retrete e urina. De braço no ar, sempre de braço no ar, descarrega uma calda ardente e turvada de febre num jacto ruidoso - de cavalo. Esgota-se até à última gota em arrancadas bruscas, quase dolorosas que furam a espuma acumulada no fundo da sanita.
De cara para o tecto, quase solene, quem o visse diria que estava a defazer com a urina quaisquer restos de memória que desejava ignorar."
(José Cardoso Pires, Balada da Praia dos Cães)
segunda-feira, outubro 10, 2011
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"Sanity and happiness are an impossible combination. [...] No sane man can be happy, for to him life is real, and he sees what a fearful thing it is. Only the mad can be happy, and not many of those."
(Mark Twain, The Mysterious Stranger)
(Mark Twain, The Mysterious Stranger)
sábado, outubro 08, 2011
...
"Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs." (Miguel Torga, Diário XIV)
sexta-feira, outubro 07, 2011
...
“We have to create culture, don't watch TV, don't read magazines, don't even listen to NPR. Create your own roadshow. The nexus of space and time where you are now is the most immediate sector of your universe, and if you're worrying about Michael Jackson or Bill Clinton or somebody else, then you are disempowered, you're giving it all away to icons, icons which are maintained by an electronic media so that you want to dress like X or have lips like Y. This is shit-brained, this kind of thinking. That is all cultural diversion, and what is real is you and your friends and your associations, your highs, your orgasms, your hopes, your plans, your fears. And we are told 'no', we're unimportant, we're peripheral. 'Get a degree, get a job, get a this, get a that.' And then you're a player, you don't want to even play in that game. You want to reclaim your mind and get it out of the hands of the cultural engineers who want to turn you into a half-baked moron consuming all this trash that's being manufactured out of the bones of a dying world.” (Terence McKenna)
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"To dare is to lose one's footing momentarily. Not to dare is to lose oneself." (Soren Kierkegaard)
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"When a man asks himself what is meant by action he proves that he isn't a man of action. Action is a lack of balance. In order to act you must be somewhat insane. A reasonably sensible man is satisfied with thinking." (James Arthur Baldwin)
...
"O material da vida não é a estabilidade e a harmonia quieta, mas a luta permanente entre os contrários." (Yussof Murad)
...
"Hoje fala-se e procura-se a identificação. As pessoas querem identificar-se. Querem o que é igual a elas, o que não as destabiliza. Andamos sempre à procura do conforto. Mas o conforto é a morte." (Helder Macedo)
quinta-feira, outubro 06, 2011
Earth pilgrim...
"It seems to me that one of the fundamental failures of our time is our disconnection from the natural world [...]" (Satish Kumar)
"[...] No longer are we humble enough to identify ourselves as just a part of the whole; the consequence of this separation is grave environmental crisis; we are challenged as humankind has never been challenged before; to prove our mastery, not of nature, but of ourselves; to make peace with the earth and appreciate it for what it gives not for what we can take."
"[...] No longer are we humble enough to identify ourselves as just a part of the whole; the consequence of this separation is grave environmental crisis; we are challenged as humankind has never been challenged before; to prove our mastery, not of nature, but of ourselves; to make peace with the earth and appreciate it for what it gives not for what we can take."
...
"É através da loucura que o homem, mesmo na posse da razão, poderá tornar-se verdade concreta e objectiva aos seus próprios olhos. Do homem ao homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco." (Michel Foucault, História da Loucura na Idade Clássica)
terça-feira, outubro 04, 2011
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