segunda-feira, abril 09, 2012

As cidades e o desejo. 2.

"Ao cabo de três dias, andando para o meio-dia, o homem encontra-se em Anastásia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por grandes papagaios de papel. Eu deveria agora enumerar as mercadorias que aqui se compram com lucro: ágata ónix crisoprásio e outras variedades de calcedónia; gabar a carne do faisão dourado que se cozinha no fogo de lenha de cerejeira seca e se barra com muito orégão; falar das mulheres que vi tomar banho na piscina de um jardim e que às vezes convidam - conta-se - o transeunte a despir-se e a correr atrás delas na água. Mas com estas notícias não te diria a verdadeira essência da cidade: porque enquanto a descrição de Anastásia se limita a despertar os desejos um de cada vez para te obrigar a sufocá-los, a quem se encontra uma manhã no meio de Anastásia os desejos despertam todos ao mesmo tempo a assediar-nos. A cidade aparece-nos como um todo em que nenhum desejo se perde e de que nós fazemos parte, e como ela goza de tudo de que nós não gozamos só nos resta habitar este desejo e satisfazermo-nos com ele. Este poder, que consideram ora maligno ora benigno, tem-no Anastásia, cidade enganadora: se durante oito horas por dia trabalharmos como entalhadores de ágatas ónixes crisoprásios, a nossa fadiga que dá forma ao desejo toma do desejo a sua forma, e julgamos gozar por toda Anastásia enquanto afinal não passamos de seus escravos."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)

Sem comentários: