"A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente e foi ali.
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visam que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto."
(José Cardoso Pires, De Profundis, Valsa Lenta)
quinta-feira, novembro 29, 2012
sexta-feira, novembro 23, 2012
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"Trata de saborear a vida; e fica sabendo que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la." (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
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"[...] verdadeiramente, há só uma desgraça: é não nascer."
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
terça-feira, novembro 20, 2012
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Cheio de mansidão, aceitei responder a um questionário telefónico contratato pela benemérita Empresa Pública Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa. Num dos momentos mais hilariantes do processo, o inquiridor pretendia aferir o meu acordo ou desacordo com a seguinte afirmação: "A EMEL é uma empresa transparente e séria."
quinta-feira, novembro 15, 2012
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"O poder nunca cede senão perante a força. A única linguagem que os homens entenderão é a linguagem das acções; a primeira e obrigatória fase da reforma das leis injustas consiste em as transgredir.
A única força que nós podemos opor, já que não dispomos da força do diálogo nem da protecção jurídica, é a forma de desobediência à lei injusta; mas uma desobediência aberta, sem fraude, nem hipocrisia." (Felicidades Alves, É Preciso Nascer de Novo, 1970)
A única força que nós podemos opor, já que não dispomos da força do diálogo nem da protecção jurídica, é a forma de desobediência à lei injusta; mas uma desobediência aberta, sem fraude, nem hipocrisia." (Felicidades Alves, É Preciso Nascer de Novo, 1970)
quarta-feira, novembro 14, 2012
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"Ser revolucionário, em qualquer época, é fazer parte de uma corrente germinal, progressiva, contra uma corrente residual, regressiva: é estar com o futuro contra o passado." (Manuel Laranjeira, Prosas Perdidas)
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"Há tanta solidão no movimento deste mundo que a sentimos nos ponteiros de um relógio." (Charles Bukowski)
quarta-feira, novembro 07, 2012
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"Chamaremos a este homem o viajante - se por acaso isso for necessário - devido à lentidão com que caminha, à perturbação que traz no seu olhar." (Marguerite Duras, O Amor)
segunda-feira, novembro 05, 2012
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Porque é que os livros que citou triunfam de forma tão extraordinária?
Não tenho uma boa resposta para isso. Creio que é sobretudo um problema social. Vivemos em sociedades de consumo, que precisam de criar consumidores. O que é um consumidor? É um cidadão que não reflecte sobre aquilo que compra. Para que um cidadão não reflicta sobre aquilo que compra é necessário educá-lo na estupidez. Quer dizer, fazê-lo crer que não é inteligente, fazê-lo crer que certamente não entenderá os Diálogos de Platão, que seguramente não pode ler Dante, que com certeza não entenderá a Odisseia.
Quem é que está por detrás disso?
Se querer parecer paranoico, creio que as autoridades estatais funcionam em colaboração com as grandes empresas para manter a ideia de que o consumo arbitrário é necessário. Então, a literatura, a leitura devem ser entretenimento no sentido de serem um escape do mundo. O mesmo no que diz respeito à arte, ao cinema, ao teatro. A noção que querem inculcar-nos é a de que a criação artística e intelectual deve ser algo que nos ajude a não pensar.
[...]
No fundo, essa sua opinião - apesar das divergências que mantém com Vargas Llosa - não anda muito longe daquilo que ele escreve no livro de que já falámos, A Civilização do Espectáculo, quando se refere a um triunfo do trivial.
Sim, é o triunfo do trivial e do fácil por contraponto ao que é difícil. A ideia de dificuldade tornou-se um aspecto negativo. Durante muito tempo, a ideia de dificuldade foi algo que valorizámos porque se era difícil era porque valia a pena fazê-lo: fosse subir ao cimo de uma montanha ou estudar as obras de Espinosa ou, inclusive, nas relações humanas, estabelecer uma relação amistosa ou amorosa que requeria esforço. Os cavaleiros da Távola Redonda tinham de passar muitas provações para acederem ao amor que desejavam. Hoje, a dificuldade é vista como algo que tem de se pôr de parte e o que se promove é o que é fácil e rápido. Esta é uma propaganda consciente, feita pelas grandes empresas. Ninguém vai vender um produto dizendo: "Isto é difícil e vai requerer concentração, pense nisso, reflicta se for necessário."
(Alberto Manguel em entrevista à revista Ler, Novembro de 2012)
Não tenho uma boa resposta para isso. Creio que é sobretudo um problema social. Vivemos em sociedades de consumo, que precisam de criar consumidores. O que é um consumidor? É um cidadão que não reflecte sobre aquilo que compra. Para que um cidadão não reflicta sobre aquilo que compra é necessário educá-lo na estupidez. Quer dizer, fazê-lo crer que não é inteligente, fazê-lo crer que certamente não entenderá os Diálogos de Platão, que seguramente não pode ler Dante, que com certeza não entenderá a Odisseia.
Quem é que está por detrás disso?
Se querer parecer paranoico, creio que as autoridades estatais funcionam em colaboração com as grandes empresas para manter a ideia de que o consumo arbitrário é necessário. Então, a literatura, a leitura devem ser entretenimento no sentido de serem um escape do mundo. O mesmo no que diz respeito à arte, ao cinema, ao teatro. A noção que querem inculcar-nos é a de que a criação artística e intelectual deve ser algo que nos ajude a não pensar.
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No fundo, essa sua opinião - apesar das divergências que mantém com Vargas Llosa - não anda muito longe daquilo que ele escreve no livro de que já falámos, A Civilização do Espectáculo, quando se refere a um triunfo do trivial.
Sim, é o triunfo do trivial e do fácil por contraponto ao que é difícil. A ideia de dificuldade tornou-se um aspecto negativo. Durante muito tempo, a ideia de dificuldade foi algo que valorizámos porque se era difícil era porque valia a pena fazê-lo: fosse subir ao cimo de uma montanha ou estudar as obras de Espinosa ou, inclusive, nas relações humanas, estabelecer uma relação amistosa ou amorosa que requeria esforço. Os cavaleiros da Távola Redonda tinham de passar muitas provações para acederem ao amor que desejavam. Hoje, a dificuldade é vista como algo que tem de se pôr de parte e o que se promove é o que é fácil e rápido. Esta é uma propaganda consciente, feita pelas grandes empresas. Ninguém vai vender um produto dizendo: "Isto é difícil e vai requerer concentração, pense nisso, reflicta se for necessário."
(Alberto Manguel em entrevista à revista Ler, Novembro de 2012)
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"Uma das traduções livres da palavra revolução é esta: revelação. No momento da crise apaixonada, as forças mais intímas, os elementos mais profundos da sociedade revolvida nos seus abismos, agitando-se por chegar à claridade, sobem até à superfície, mostrando-se à luz do dia com uma energia, uma verdade irresistíveis. É uma revelação: vê-se o que há." (Antero de Quental, Prosas)
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"A grande revolução só pode ser uma revolução moral, e essa não se faz de um dia para o outro, nem se decreta nas espeluncas fumosas das conspirações." (Antero de Quental, Cartas)
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