Coincidiam no descontentamento face ao estado do país, que se vinha degradando há décadas. Idealistas, ambicionando desde sempre um mundo melhor, divergiam no entanto quanto à solução capaz de gerar uma ruptura profundamente transformadora. Todos os dias, ao amanhecer, desciam juntos até à praia...
- As coisas só podem mudar se as pessoas decidirem não votar. Ir às urnas é legitimar o exercício do poder, e está mais do que na altura de tirar a legitimidade a este poder que se vem perpetuando. A abstenção total representaria a falência do sistema, que não teria outra hipótese se não a de se refundar. É nisso que temos de investir, em convencer as pessoas a recusarem-se a participar no sufrágio, a não ir a jogo. O poder do direito de voto está em não exercer esse direito, e é disso que os partidos têm medo. "Se o voto mudasse alguma coisa, votar era proibido."
- Lá estás tu a fantasiar... Uma abstenção dessas nunca vai acontecer, estou farto de te dizer. Sabes bem que os aparelhos partidários movimentam muita gente. Haverá sempre quem vá às urnas, por inconsciência, por convicção, por conformismo, por fidelidade, por interesse, porque foi um direito que se conquistou, porque sim, porque não, eu sei lá porquê. E hão-de votar sempre nos mesmos, alternado aqui e ali. A abstenção favorece os partidos do "arco", consecutivamente eleitos por uma minoria que não se demite de lá ir fazer a cruzinha no boletim... Já para não falar do potencial espaço que abre à ascensão dos extremos... A solução passa por convencer quem se abstém a votar nos pequenos partidos com gente séria, que os há, e a dar a oportunidade a quem nunca pôs o cu no Parlamento. Há que levar gente nova para a Assembleia, baralhar tudo e voltar a dar. É disso que temos de convencer as pessoas. Toca a votar! "Se a abstenção mudasse alguma coisa, votar era obrigatório."
- Impossível. E dizes tu que estou a fantasiar... Nunca vais conseguir mobilizar toda a gente, nem sequer muita. A luta da maioria é outra, não vês? Procuram sobreviver, têm lá tempo para pensar a política. Já estou a imaginar o tipo lá da rua a ler programas eleitorais entre piropos à mulher do vizinho... Havia de ser giro: "Ó flor, com que partido te identificas mais quanto à questão da imigração? Dá para entrar, ou achas que é melhor não?" Não me faças rir... Só a abstenção tem hipóteses: parte não vai votar porque não é capaz de querer, a outra não vai porque escolhe não o fazer. Greve ao voto, é o que te digo...
- Isso nunca vai acontecer. Há sempre uma minoria que vota...
- Isso é que nunca vai acontecer. Há sempre uma maioria que não vota...
Pés na areia, aí se sentavam, dia após dia, já em silêncio, frente ao mar. E aí ficavam, embalados pelo vaivém da ondulação, olhos postos no espelho infinito, eternamente à espera de um barco que teimava em não passar...
quinta-feira, maio 29, 2014
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