sexta-feira, novembro 13, 2015

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"[...] a alegria de abraçá-lo, de lhe falar, de bebermos juntos. Arrastou-me para uma espécie de boîte local, o Ferro-Velho, que é curioso porque diferente (recomendo-lhes que o visitem). Vá de ceia, com cabrito assado e muito regada. Vá de bailarico: Vergílio Ferreira dançando o ié-ié. Cantando baladas coimbrãs, um fadinho rigoroso. Tocando violão. Incendiando a mesa com anedotas picantes. Rindo-se a escâncaras e fazendo rir os mais. Saltando para um banco ao dar da meia-noite, como é o ritual. Descontraído. Todo anti-angústias. Por vezes isolando-se comigo numa palestra mais atenta. Doutrinando-me. Apanhando algumas alfinetadas cá da minha lavra. Animando a solidão em que me encontrara. Deitando à socapa olhares lúbricos a uma admiradora desconhecida [...]
Em suma: encontro original, «mas a vida está cheia do seu dom original e só espera de nós um pouco de atenção - ou não bem de atenção: um pouco de humildade, de uma íntima nudez». Se merece relato, nesta croniqueta amena, a clandestina sortida de um escritor que nos (insistentemente) aparecia confinado num mundo de pura amargura é porque vejo moralidade nisso. É para, de propósito, mais uma vez vos fazer recordar que no Escritor, tal como ele pode querer e consegue impressionar através da palavra, coabita um homem. Um corpo que não abdica de uma alegria breve."

(Luiz Pacheco, O meu fim-de-ano com Vergílio Ferreira no Ferro-Velho, farejando a «Carta ao Futuro», 'Notícia', Luanda, 10.Fev.1968)

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