quarta-feira, janeiro 22, 2014

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"O doutor teve a ideia de lhe pedir o caderno que lhe entregara para aí escrever as suas memórias e onde ainda apenas se lia:

A verdade sobre o caso de Kees Popinga.

O doutor erguia uns olhos cheios de espanto, com ar de perguntar a si mesmo por que motivo o seu cliente não escrevera mais. E Popinga, com um sorriso constrangido, julgou-se obrigado a murmurar:

- Não há verdade, pois não?"

(Georges Simenon, O Homem Que Via Passar os Comboios)

segunda-feira, janeiro 13, 2014

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"It is only here, in solitude, that I might come to myself and become conscious of myself. For since that panic fear which overcame me that time, all I have tried has been to avert my eyes and close my ears. — If I am to find the way back to myself again, I must surrender to the horrors of loneliness. But fundamentally I am only speaking in riddles, for you do not know what has been and still is going on in me; but it is certainly not that hypochondriac fear of death, as you suppose. I had already realized that I shall have to die. But without trying to explain or describe you something for which there are perhaps no words at all, I’ll just tell you that at a blow I have simply lost all the clarity and quietude I ever achieved... and now at the end of life am again a beginner who must find his feet."

(Gustav Mahler, letter to Bruno Walter, July 1908)

sexta-feira, janeiro 10, 2014

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Há quem diga que seria uma grande maçada, a imortalidade física.

Eu acho que não.

Pelo menos cansativa.

Não, o Homem não se cansa de viver. E nós vemos que é mais fácil morrer em jovem, que morrer em velho. Há um livro de um escritor francês, de que não me ocorre o nome, em que há um homem distinto, um médico, que chega ao fim da vida e a quem o filho tenta convencer — quando ele já está para morrer, já moribundo — que é natural que a pessoa velha, que viveu muito, morra, que não tem de sentir pena por morrer. E o pai diz: "Pois é, por isso mesmo; porque vivi muito e porque sei o que é viver é que tenho pena, por isso é que me custa muito mais."

(Agustina Bessa-Luís, entrevistada para a revista Ler, 2003)

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Montevideu mudou muito desde essa altura... Por exemplo, o riacho Quitacalzones já não existe, foi canalizado.

Sim, mas para mim os lugares não mudam porque eu estou cego desde 1955. Continuo a ver o que já não existe, continuo a ver caras que possivelmente envelheceram, nada mais.

[...]

Você disse que ainda estava a averiguar quem é Borges, mas à primeira vista parece ser um todo composto por livros de ficção, de poesia e uma extensa memória dos seus mortos... Um pouco como a antítese da ignorância. E, ainda por cima, chamam-lhe "o Mestre"...

Evidentemente... Mas você está a idealizar-me generosamente, parece-me. Eu não sou mestre de ninguém, eu sou discípulo de todos.

(Jorge Luis Borges, entrevistado por Mario Delgado Aparaín, 1980)

quarta-feira, janeiro 08, 2014

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"Quando ia a sair, agradeci-lhe brevemente. Ele sorriu e não respondeu. Depois, antes de fechar a porta, disse-me: «Cega, a Ciência a inútil gleba lavra. Louca, a Fé vive o sonho do seu culto. Um novo deus é só uma palavra. Não procures nem creias: tudo é oculto». Desci os poucos degraus e dei alguns passos na alameda de seixos. Depois percebi de repente e voltei-me rapidamente: eram versos de um poema de Pessoa [...]"

(Antonio Tabucchi, Nocturno Indiano)

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"O amor à pátria torna-se um verdadeiro fantasma perante o espírito de um homem por ela oprimido."

(Giacomo Casanova, História da Minha Vida, Livro 4)

segunda-feira, janeiro 06, 2014

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Qual foi a entrevista que lhe deu mais gozo?

Numa das primeiras que fiz, vinha de uma reportagem em Espanha e cacei um pastor. Vinha com quatro ovelhas e assustou-se porque pensou que eu fosse um fiscal de alguma daquelas coisas que os alentejanos tanto temem. E eu era pior que fiscal. Era uma figura que ele não conhecia de parte nenhuma, com um gravador na mão, e um livro de apontamentos na outra mão e na outra mão a esferográfica, já vamos em três mãos... As ovelhas espantaram-se e fugiram. Lá foi recoleccionar as ovelhas, que se assustaram uma segunda vez quando o repórter fotográfico avançou, era o Joaquim Lobo. Acabei por me sentar no chão e disse: «Ó senhor Ludgero vamos então conversar.» E ele: «Ah, é para conversar!» Abriu-se-lhe o entendimento. [...]

(Fernando Assis Pacheco, entrevistado para a revista Ler, 1994)

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"Ficou a memória que tenho deles, a memória fotográfica, ficaram os livros, alguns escritos, sobretudo do meu pai, cartas, e ficou o silêncio. Vim a descobrir aquilo que já tinha lido em livros: a morte é o silêncio. Nunca mais oiço a voz deles. Às vezes, durante a noite, estou para adormecer, parece-me ouvir o meu pai falar. [É agora uma voz comovida.] Procuro que essa sensação não se prolongue, é insuportável e às vezes tenho a ilusão de que, tocando o telefone, é a minha mãe que vai falar do outro lado."

(Fernando Assis Pacheco, entrevistado para a revista Ler, 1994)

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A morte assusta-o?

Assustava muito e ainda me assusta, mas agora também não posso esperar muito. Quando aparecer, já estou com os copos.

(Luiz Pacheco, entrevistado para a revista Ler, 1995)