quarta-feira, julho 14, 2010

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"Uma mulher espera-me, tem tudo, não falta nada. Mas faltaria tudo se faltasse o sexo."
(Walt Whitman, Folhas da Erva)

segunda-feira, julho 12, 2010

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"The only impeccable writers are those that never wrote." (Hazlitt)

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"Desde esta hora eu me proclamo liberto de limites e linhas imaginárias,
vou para onde quero, meu próprio dono, total e absoluto,
prestando ouvidos, reparando bem no que os outros dizem,
pausando e inquirindo, recebendo, contemplando,
e brandamente, mas com vontade inabalável, desfazendo os laços que tentam prender-me. [...]" (Walt Whitman, Canção da Estrada Larga)

sexta-feira, julho 09, 2010

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"If I got rid of my demons, I’d lose my angels."
(Tenessee Williams, Conversations with Tenessee Williams)

terça-feira, julho 06, 2010

Escravidão...

"Sem actividade criadora não há liberdade nem independência. Cada instante de liberdade é preciso construí-lo e defendê-lo como um reduto. Representa um estado de esforço alegre e doloroso; alegre, porque dá ao homem a consciência do seu valor; e doloroso porque lhe exige trabalho nos dias de paz e a vida nas horas de guerra.

A escravidão é feita de descanso e de tristeza."

(Teixeira de Pascoaes, Arte de ser português)

segunda-feira, julho 05, 2010

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ÍAMOS por dentro da aurora...
Tínhamos fechado os olhos
quando o dia despontava
Pisámos horizontes
onde não havia túmulos.
Nada existia
para além das nossas pálpebras.
Apenas, dentro de nós,
a aurora...
Arranquemos as pupilas, amada,
e venceremos a noite.
A vida será
o que nós formos.

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Queria dizer-te a palavra.
Não a lês dentro de mim?
Ficará entre nós
como um eterno silêncio?
Adivinha-a e fala.
Se eu te dissesse o fogo
que arde dentro de mim
a alma fugir-me-ia.

(Félix Cucurull, Vida Terrena)

Archote

(A muitos, talvez também a mim próprio.)

INDENDEIA-TE,
faz-te chama.
Sê archote,
ilumina.
Apenas fogo.
Fogueira
erguida na noite.
Será a dor duns instantes
mais breve
que o sofrimento
de quando o cérebro,
sozinho,
arde a pouco e pouco,
dia após dia,
a todas as horas.
Faz da tuar carne labareda,
umsa fogueira
da qual se desprenda,
como um boneco invisível,
o teu pensamento.

(Félix Cucurull, Vida Terrena)

Povo

Queria estar em ti
despido de todas
as cores berrantes
que tornam grotescos e falsos
os gestos dos homens.

Queria chegar a ti
liberto de mitos e de miragens,
apenas com a pureza
do anseio de nunca mais esconder
a cobardia
e a inata mesquinhez
que me atraiçoa até quando digo que amo.

Queria estar contigo
inteiramente nu, como um abeto
que recebe a neve nos ramos
e na seiva o frio
do desengano que te punge
e te faz receoso e miserável.

Queria, povo,
fundir-me contigo
neste inverno que fura há tanto.

Ser um abeto entre abetos
de raízes entreligadas
e em nós abrir-se um incêndio
e tornar-se grito de combate
a força estiolada e dispersa
que nos resta.

(Félix Cucurull, Vida Terrena)

Revolução sem terror?

"Regra geral: nunca há uma revolução social sem terror. Toda a revolução desta natureza não é e não pode ser, no princípio, senão uma revolta; só o tempo e o sucesso conseguem enobrecê-la, torná-la legítima; mas, mais uma vez, não se pode lá chegar senão pelo terror. Como dizer a todos aqueles que preenchem todas as administrações, possuem todos os cargos, gozam de todam as fortunas: ide-vos. É claro que se defenderiam: é preciso, pois, enchê-los de terror, pô-los em fuga, e foi o que fizeram a 'lanterna'(1) e as execuções populares."
(Napoleão Bonaparte, Como fazer a guerra)

(1) Forca improvisada pela populaça com as cordas das lanternas, durante a revolução.

quarta-feira, junho 30, 2010

Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

(António Gedeão)

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"No doubt alcohol, tobacco, and so forth, are things that a saint must avoid, but sainthood is also a thing that human beings must avoid... Many people genuinely do not wish to be saints, and it is probable that some who achieve or aspire to sainthood have never felt much temptation to be human beings."
(Reflections on Gandhi by George Orwell, 1949)

quinta-feira, junho 24, 2010

Por favor, alguém conte à minha mãe que me portei mal...

A reportagem de capa da edição de hoje da Visão é um atentado à inteligência. Não conheço o movimento descrito, nem os fundamentos do mesmo, nem os podres que, obviamente, estarão presentes (como estarão em qualquer associação ou grupo de pessoas) mas as opções editoriais da revista, e o preconceito e o medo com que o senhor jornalista encarou a missão, roçam o inacreditável. Sexo? Orgias? Mas onde? E quando? Parece-me a mim que o senhor jornalista tem um enorme receio de que o chão lhe falte, sendo, por isso, incapaz de compreender aquilo que foge à matriz do pensamento que, por clara limitação, adoptou como sua. O resultado (com a ajuda da venenosa capa, possivelmente da responsabilidade de uma direcção desesperadamente à procura de vendas) é inevitável: a diabolização de algo que, claramente, o senhor não conseguiu entender (ou viver), e a construção de um trabalho opaco, tendencioso e sensacionalista. Não pretendo alongar-me sobre este assunto, mas confesso que o final do texto me fez soltar uma valente gargalhada, imaginando o desconforto que o dito senhor sentiu quando, surpresa das surpresas, alguém lhe tocava. Ainda por cima, parece que havia mãos de homem à mistura... Ou muito me engano, ou o senhor não conseguiu lidar com o prazer e com a excitação que sentiu ao viver essa sua, aparente, transgressão, sentindo por isso, inclusivamente, a necessidade de evocar a autoridade materna. "Não contem isto à minha mãe", assim termina o texto. Como quem, verdadeiramente, diz, "Alguém lhe conte, por favor, que eu preciso que ela me diga que eu me portei mal. Se não..."

Umas horas depois, aqui estou, porque senti vontade de vir acrescentar mais isto...

Não tenho nada contra o autor da reportagem, nem sequer o conheço. Acredito que possa ser um bom jornalista, e, obviamente, uma excelente pessoa. Não ponho isso em causa. O que ponho em causa são as suas competências para a realização de um trabalho deste cariz, bem como as várias opções editoriais da revista Visão no tratamento do mesmo...

Com fundamento ou não (não é isso que me interessa agora!), o que esta reportagem fez foi lembrar-me uma das características que me mais me desilude no jornalismo (e em muitos daqueles que o fazem): a forma como rapidamente condena e diaboliza aquilo que, de alguma forma, por medo ou incompreensão, sente que se afasta da norma que esta nossa sociedade (muito com a sua ajuda!) luta por preservar. Nada de novo, mas, felizmente, continua a fazer-me alergia...

Verdade que não tenho especial simpatia (e, nalguns casos, nenhuma mesmo!) por movimentos, seitas e igrejas que se alimentam obscenamente da espiritualidade ou do vazio daqueles que congregam, nem conheço os meandros da referida "seita do sexo", à excepção do que li no artigo...

Mas o modo como este trabalho foi apresentado obriga-me a afirmar, mais uma vez, que não posso tolerar a forma como, sistematicamente, o jornalismo se demite de tentar compreender aqueles que (por vezes, muito à frente do seu tempo) vão procurando respostas alternativas para as questões fundamentais da vida; nem consigo aceitar a rapidez com que se demite de dar a conhecer algumas das simples (mas, por vezes, tão importantes), descobertas, grandes dúvidas ou pequenas certezas com que esses filósofos, visionários, vagabundos ou aprendizes de feiticeiro se vão cruzando nas suas viagens marginais...

Alguém genuinamente justo acredita ainda que a solução se encontra na manutenção e na defesa do sistema que hoje existe? E quem, se não quem parte à procura de algo diferente, nos poderá dar a conhecer um mundo novo?

quarta-feira, junho 23, 2010

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"A moda. É uma atoarda lançada por um tolo, que faz fortuna de muitos tolos, com a vaidade de outros mais tolos ainda." (Albino Forjaz Sampaio, Mais além da Morte e do Amor)

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"Falar é bom, melhor inda é calar-se", diz Filinto. É por isso que, quando ela se cala, eu scismo que me está dizendo coisas que me não saberia dizer se falasse." (Mais além da Morte e do Amor, Albino Forjaz de Sampaio)

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"Justo motivo de orgulho nosso é ainda a mulher portuguesa. Nenhuma há no mundo que a exceda em sentimento, em ternura, em dedicação. Nenhuma a ultrapassa em meiguice, na doçura, na piedade. É que a mulher da nossa terra é a mais feminina das mulheres da Europa. Ela é a filha estremecida, a esposa dedicada, a mãe amante, a companheira fiel e a avó indulgente e devotada. Para o lar e para a vida jamais se pode topar melhor. Com o seu coração ela faz o sacrifício da sua vida e não há companheira que lhe possa ofuscar as suas qualidades.
Dizem que é ciumenta. Defende o seu amor com o escarniçamento com que a loba defende os filhos. Mas acompanha o esposo nas lutas da sorte, nas vicissitudes da vida e até no exílio. [...]
Açodadas labutam e mourejam, à torreira do sol nos campos, na penumbra dos ateliers, nas fábricas ou no remanso do lar, nada mais querendo para ser felizes do que um pouco da terra amiga para viver, e um nadinha de coração para morar." (A Mulher Portuguesa, Porque me orgulho de ser português, Albino Forjaz de Sampaio)

quinta-feira, junho 17, 2010

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"De acordo com a hipótese de Gaia, somos parte de um todo maior. O nosso destino não está apenas dependente do que possamos fazer por nós próprios, mas também pelo que possamos fazer por Gaia como um todo. Se a colocarmos em perigo, ela, no interesse de um bem maior - a própria vida - excluir-nos-á." (Vaclav Havel, citado por James Lovelock, em Gaia, um novo olhar sobre a Vida na Terra)

quarta-feira, junho 16, 2010

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"Quando chegou o dia em que fui obrigado a pronunciar-me sobre a profissão que escolhia, porque meu pai mo perguntava, respondi:
- Quero ser vendedor de sementes!
Meu pai disse que vendedor de sementes não era um ofício: ofício era ser carpinteiro, mecânico ou padeiro. Mas, como eu insistisse, meu pai acrescentou:
- Vendedor de sementes é um ofício de vagabundo!
Apeteceu-me responder-lhe que não conseguia submeter-me à ideia de passar o dia fechado num laboratório ou numa oficina. Mas tive medo das pesadas mãos de operário de meu pai, que me acertavam entre o pescoço e o cerebelo. Ele começava já a ficar zangado e repreendia minha mãe por me ter dado tão má educação.
- Este filho tem alma de vagabundo - dizia-lhe. - Não conseguiremos dele nada de bom!
Por isso calei as minhas razões. [...]

Eu era um rapaz de doze anos e gostaria de lhe ter dito:
- Sabes, papá, há sol quando estás na oficina. A água do rio é verde, os tremoços dourados, e as sementes de Misirizzi fazem faísca. Eu não posso passar sem isto, sem a minha liberdade.
Mas foi meu pai, afinal, quem me disse:
- Deves aprender um ofício. Trabalhar a sério distrai. Aprende-se muito mais do que um ofício: qualquer coisa de diferente, de forte. Um vendedor de sementes, quando fores grande, vai parecer-te também a ti um vagabundo, um homem que não teve a coragem do seu verdadeiro nome.
Pronto, papá, eu sou grande e nem mesmo hoje os poetas têm um nome."
(Vasco Pratolini, Ofício de Vagabundo)

segunda-feira, junho 14, 2010

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"Depois, percebera, também, que ela [essa liberdade] poderia, com maior propriedade, chamar-se solidão e tédio, e que me condenava a uma pena terrível: a da companhia de mim mesmo." (Luigi Pirandello, O Falecido Mattia Pascal)

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"Depois, percebera, também, que ela [essa liberdade] poderia, com maior propriedade, chamar-se solidão e tédio, e que me condenava a uma pena terrível: a da companhia de mim mesmo."
(Luigi Pirandello, O Falecido Mattia Pascal)

segunda-feira, junho 07, 2010

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"É evidente que nenhum homem tem a obrigação de se dedicar totalmente à eliminação do que está errado, por muito monstruoso que o erro seja; toda a gente tem o direito de se dedicar a outras actividades mais convidativas. Mas é seu dever, pelo menos, lavar as mãos e, no caso de desistir de pensar mais no assunto, tem de fazer por não dar, na prática, apoio à iniquidade. Posso dedicar-me a outros objectivos e a outras contemplações, mas tenho de verificar primeiramente se, para o fazer, não estou a pisar outro homem, É minha obrigação não o pisar, pois estou a impedi-lo de realizar as suas contemplações."
(Henry David Thoreau, A Desobediência Civil)

Trumbo

"At rare intervals, there appears among us a person whose virtues are so manifest to all, who has such a capacity for relating to every sort of human being, who so subordinates his own ego drive to the concerns of others, who lives his whole life in such harmony with the surrounding community that he is revered and lov...ed by everyone with whom he comes in contact. Such a man Dalton Trumbo was not..."

(Dalton Trumbo died from a heart attack in California on September 10, 1976. At his memorial service, Ring Lardner Jr., his close friend and fellow Hollywood 10 member, delivered an amusing eulogy.)

[Revi Trumbo. Obrigatório...]

quinta-feira, maio 27, 2010

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"[...]
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
[...]"

(Daniel Filipe, A Invenção do Amor)

quarta-feira, maio 26, 2010

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"Há uma tela de Rochegrosse intitulada Angoisse humaine. É um quadro que representa a Vida. No primeiro plano muitas criaturas erguem o braço para chegar mais alto. Homens de casaca tão correctos como se fossem para um baile. Há mulheres decotadas vestidas em rigor. Homens condecorados e homens banais, velhos e moços, misturam-se e empurram-se, disputando-se numa agonia pavorosa, num combate sem nome.
Aquele monte é a Ambição de subir, de que fala Vieira. Atrás, pela riba acima, numa escalada vertiginosa, aparece uma maré cheia de cabeças ululantes, estranguladas pela ambição, correndo, empurrando-se, pisando os que ficam, agarrando-se de pés e mãos, como se após, viessem também correndo numa perseguição fantástica, as ondas dum novo dilúvio.
Todos daquela multidão ávida querem ser os primeiros. O lugar é disputado a soco, a murro, a dente. O caminho que na vida leva ao triunfo é uma cena medonha que mais parece a fuga duma derrota.
Todas aquelas cabeças têm o rictus dum Tântalo supremo. São gastas, cansadas, lívidas. Os rostos são pálidos, suados, cor de terra, um não sei quê de loucura e de pesadelo; os olhos brilhantes, emoldurados no bistre das insónias e dos tormentos, as mão crispadas, rapaces, em foice, os vultos rembrandtescos. São ferozes e são crúéis.
A tela é violenta e verdadeira. A vida é aquilo, assim enérica, sinistra, brutal. Não há trégua, não há descanso. Cada um vigia sempre o seu vizinho, espreita se ele cai, e tripudia, espreita se ele sobe, e inveja-o.
Há um homem de peitilho engomado e cabelo colado sobre as frontes que, sentado, morto, segura não mão inerte e suicida, a coronha dum revólver.
Um grande homem brutal, de camisola, pulou, destruiu o último tapume, frágil afinal como uma convenção, e continua avançando sempre.
Toda aquela populaça, todas aquelas criaturas cuidam só em subir. A certa altura a Morte fixa-as com suas pupilas de aço, hipnotizantes, e elas caem, rolam, afundam-se lá em baixo, onde as espera uma cova aberta, algumas sem terem chegado, outras que pararam finalmente, levando nos olhos um pavor incerto, qualquer coisa de espantoso e indescritível que faz parar o sangue nas artérias.
Por cada um que tomba avançam mil. Trava-se um combate em que o mais cruel, o mais forte, o mais canalha, é o que triunfa. Nada de piedade nem de compaixão. Se não esmagares serás esmagado. Não há tempo de olhar, nem de pensar sequer. Avançar seja como for, custe o que custar.
A vida é dos de coração gelado e hirto. Amanhã é tarde, depois é impossível. Tudo na vida é mudável, tudo na vida é transitório. Tudo passa, tudo esquece. A criança será homem, o lacaio será senhor, o arbusto será árvore, o ontem será hoje, o bom será mal. Ai dos que param, ai dos vencidos!
Aquela cena é bem a Vida, esta luta brutal e torturadora que começa quando o sol se ergue loiro e triunfante para só terminar às horas em que tudo parece desolado e morto.
O crepúsculo cai suavemente. Ao longe a casaria branca duma cidade adivinha-se. E as altas chaminés das fábricas atiram para os astros o seu fumo apodrecido e gasto, como um hálito maldito e dosolador."
(Albino Forjaz de Sampayo, Palavras Cínicas)

Lei

Nascer e ficar aqui
Onde os pés sentem firmeza
Subir ao céu em beleza,
Mas em sonhos, em mentira,
Não vá deixar-nos a lira
De mal com a natureza.

Ser homem como outros homens
Na terra onde se alimenta
O sangue que nos sustenta
A pele e o coração.
Lutar por todo aquele pão
Que corre da placenta.

Dar alma a um deus dos nossos,
Por uma religião
Com bases na condição
E na dureza dos ossos.
E não rezar padre-nossos
Qualquer que seja a razão.

Trabalhar quanto é preciso
Com alegria e justiça.
Ter um pouco de preguiça
Quando o sol se descobrir.
E dar o sexo à mulher
Que mais fundo nos pedir
E mais fundo nos souber.


(Miguel Torga, Libertação)

terça-feira, maio 25, 2010

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"Olharei a morte com um rosto tão calmo (...). Submeter-me-ei a todos os trabalhos, por mais rudes que sejam, sustentando o corpo através da alma. Desprezarei igualmente as riquezas, quer estejam presentes ou ausentes, e não ficarei mais triste quando se encontrarem fora de minha casa, nem mais orgulhoso se me rodearem com o seu brilho. Permanecerei insensível às idas e vindas da sorte. Considerarei todas as terras como minhas e as minhas como pertencendo as todos. Viverei com o pensamento de que nasci para os outros e agradecerei à natureza, pois não sei como poderia ela salvaguardar melhor os meus interesses! Ela deu-me a todos, ela deu-me todos. Tudo o que tiver, nem o guardarei de um modo sórdido, nem o desperdiçarei de modo pródigo. Pensarei que nada possuo de melhor do que aquilo que dou como deve ser. Não avaliarei os benefícios, nem pelo seu número, nem pelo seu peso, mas apenas segundo a estima que me merecer aquele que o recebe. Nunca pensarei que dou de mais àquele que é digno de receber, Não farei nada por causa da opinião dos outros, farei tudo de acordo com a minha consciência. Pensarei que toda a gente me olha quando for a única testemunha dos meus actos... Na bebida e na comida terei como único objectivo a satisfação das necessidades naturais, e não encher e depois esvaziar o estômago. Serei agradável para com os meus amigos, indulgente e afável para os inimigos. Ficarei convencido mesmo antes que me peçam e anteciparei os pedidos honestos. Terei em conta que a minha pátria é o universo, governado pelos deuses que estão acima de mim e em volta de mim vigiando os meus actos e as minhas palavras. Quando a natureza me voltar a pedir a vida ou quando a minha razão a fizer cessar, partirei testemunhando que acarinhei a consciência honesta e os nobres estudos, e que não prejudiquei a liberdade de ninguém, e a minha menos do que qualquer outra." (Séneca, Da Vida Feliz)

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"[...] a morte nada é, pois todo o bem e todo o mal residem na sensação, e a morte é a erradicação das sensações. Por conseguinte, a adequada tomada de consciência de que a morte nada tem a ver connosco faz com que o carácter mortal da vida não provoque cuidados: não concedendo-lhe uma duração infinita, mas suprimindo-lhe o desejo de imortalidade. Nada há de temível na vida, para quem está verdadeiramente consciente de que nada existe também de terrível em não viver.

Estúpido é pois aquele que afirma ter medo da morte não porque sofrerá ao morrer mas por sofrer com a ideia de que ela há-de chegar. É verdadeiramente em vão que se sofre por esperar qualquer coisa que não nos causa qualquer perturbação! Assim, o mais temível dos males, a morte, nada tem a ver connosco: quando somos, a morte não é, e quando a morte é, somos nós que já não existimos! Ela não tem qualquer relação nem com os vivos nem com os mortos, pois para uns ainda não é, e os outros já não são. E, no entanto, a multidão foge da morte como se ela fosse quer a maior das infelicidades quer o ponto final nas coisas da vida.

O sábio, pelo contrário, não teme já não estar vivo: viver não lhe pesa sem que por isso ache que é um mal não viver. Tal como não escolhe nunca a alimentação mais abundante mas a mais agradável, assim também não procura o tempo mais longo de vida mas o mais agradável."
(Epicuro, Carta sobre a Felicidade)

segunda-feira, maio 24, 2010

Vendo a Morte

Em tudo vejo a morte! e, assim, ao ver
que a vida já vem morta cruelmente
logo ao surgir, começo a compreender
como a vida se vive inutilmente...

Debalde (como um náufrago que sente,
vendo a morte, mais fúria de viver)
estendo os olhos mais avidamente
e as mãos prà vida... e ponho-me a morrer.

A morte! sempre a morte! em tudo a vejo
tudo ma lembra! e invade-me o desejo
de viver toda a vida que perdi...

E não me assusta a morte! Só me assusta
ter tido tanta fé na vida injusta
... e não saber sequer pra que a vivi!

(Manuel Laranjeira)

sexta-feira, maio 21, 2010

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"Coimbra, 2 de Janeiro de 1987 - Um passo a mais neste caminho da lucidez impiedosa, e fico sem pé na vida." (Miguel Torga, Diário XIV)

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"Coimbra, 25 de Maio de 1982 - Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs." (Miguel Torga, Diário XIV)

terça-feira, maio 18, 2010

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"One makes oneself a visionary
by a long, immense, and reasoned
disordering of the senses."

(Rimbaud)

segunda-feira, maio 17, 2010

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"[...] uma infância só tem um sentido, só presta, se conseguimos sair dela, se teve resultado, isto é, se deu (e nós com ela, nós pós ela) para algum lado. Ora isto não é assim como se julga. Há os que avançam um bocadinho, mas depois param na adolescência - e são rapazolas toda a vida e chegam a velhos, quando chegam, e só fizeram rapaziadas. Outros ficam sempre sendo garotos mimalhos. Nada disto é coisa de louvar - no planos sociológico (no de cada um, tanto faz). Tudo se quer a seu tempo. O pior, o difícil, é haver só (e uma vez só) um tempo para cada coisa ou estado ou atitude. Um tempo certo para cada jogada, como no xadrez. Uma táctica subordinada a uma estratégia coerente, premeditadas ambas. Uma práxis ou etiqueta. Digamos: uma teoria e a prática teimosa logo e sempre dessa teoria. Um tempo, o lugar e a fórmula: um lar e pais e beijos e brinquedos para a infância; uma luz e amigos e namoradinhas para a adolescência; uma força e um gesto e o Amor para a idade adulta; um exemplo e uma dignidade e um silêncio para a velhice. Um tempo de liberdade para cada coisa e cada um. Ou: um tempo de coragem e desespero para lutar para conquistar essa liberdade necessária a essa cada coisa, a cada um. Talvez uma Pátria. Um amigo, ou dois, não seria demais. Inimigos, os que a nossa intransigência criasse. E filhos, muitos filhos - nossos juízes, nossa aposta no futuro." (O Teodolito, Luiz Pacheco)

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"Estes velhos palácios, quase abandonados, olho-os sempre, de longe, como um sonho de conforto, de intimidade e de bem-estar: de estabilidade na vida. Independência e sossego, possibilidade de fazer a vida como seja a nosso gosto! São os meus ideais impossíveis. Um velho solar de paredes que tenham vivido muito mais do que eu, dessas paredes que têm fantasmas, e em volta um grande parque de velhas árvores, com recantos onde nunca vai ninguém. Viver o tumulto das grandes cidades e depois o silêncio, a solidão desses paraísos abandonados há muitos anos, onde entramos com não sei que inquietação, como quem desembarca numa ilha desconhecida... Ah! isso, sim, é que me dava outras possibilidades de ser, de compreender e de ir pelo meu caminho. Mas não. Por que se luta, então, para conquistar um caminho que se sabe que não é o nosso? Somos nós próprios que traímos a nossa vida. A vida não é isto, não é ganhar dinheiro. Isto é a fase primária. As necessidades físicas pressupõem-se. Gastamos as forças a tentar alcançar o que nos devia ser dado sem pensarmos nisso e que o não é porque os homens se atraiçoaram uns aos outros como inimigos. A vida é outra coisa. Mas também sou uma espécie de místico sem coragem para renunciar. O espírito manda-me quebrar estas algemas que trago nos pulsos e ir para os montes, vaguear entre as coisas da Natureza, a vê-las com o deslumbramento de quem começasse a vida em cada dia. As flores, os bichos, o sol, a chuva, as fontes, as árvores, as aves, o azul do céu, as nuvens brancas que o vento leva lá ao longe, o mar, ah! tudo isso!... Mas falta-me não sei que força, não sei que convicção de conquista ou de renúncia, pois para conquistar uma coisa é preciso renunciar primeiro a muitas outras. Quantas pessoas, porém, tenho encontrado que são como eu, quase como eu: negadas a si próprias, paradas no encontro das forças contrárias, afinal sem a decisão de quem simplesmente caminha para algum sítio onde pensou chegar. (O Barão, Branquinho da Fonseca)

sexta-feira, maio 14, 2010

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"Quem fala da felicidade tem muitas vezes os olhos tristes."
(Louis Aragon)

quinta-feira, maio 06, 2010

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"The hopeless emptiness. Hell, plenty of people are on to the emptiness part; out where I used to work, on the Coast, that’s all we ever talked about. We’d sit around talking about emptiness all night. Nobody ever said 'hopeless', though; that’s where we’d chicken out. Because maybe it does take a certain amount of guts to see the emptiness, but it takes a whole hell of a lot more to see the hopelessness. And I guess when you do see the hopelessness, that’s when there’s nothing to do but take off. If you can." (Richard Yates, Revolutionary Road)

quarta-feira, maio 05, 2010

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"Que tenho eu a ver com todas as Revoluções do mundo, se sei permanecer eternamente doloroso e miserável no seio do meu próprio ossário?" (Antonin Artaud)

terça-feira, maio 04, 2010

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Neste espaço a si próprio condenado
Dum momento para o outro pode entrar
Um pássaro que levante o céu
E sustente o olhar
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Com a tristeza acender a alegria
Com a miséria atear a felicidade
E no céu inocente da visão
Fazer pulsar um pássaro por vir
Fazer voar um novo coração

(Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca)

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"Um homem desorganizado que vai morrer e não desconfia disso põe subitamente em ordem tudo à sua volta. A sua vida muda. Arquiva papéis. Levanta-se cedo e deita-se cedo. Renuncia aos vícios. Os seus familiares congratualam-se. Assim, a sua morte repentina parece ainda mais injusta. Ele teria sido feliz." (Raymond Radiguet, Com o Diabo no Corpo)

quinta-feira, abril 22, 2010

Bardo

"Bardo significa entre dois estados; quer dizer, situação crepuscular e incerta que oscila entre a morte e o renascimento (...). O poeta ocidental, o que resta do bardo celta ou do seu mísero canto de cego e de vagabundo, contém a mentalidade do sonhador, baseada em experiências humanas incomensuráveis; é um produto intemporal que subleva a própria força de viver e a vontade de acreditar, de amar e de criar um mundo."
(Agustina Bessa Luís, Florebela Espanca, a vida e a obra, 1979)

"You can not go further into the bardo..."
(Terence McKenna)

quarta-feira, abril 21, 2010

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"Se os outros te não entenderem, falla contigo mesmo."
(Manuel Laranjeira, 1877-1912)

[Lindo: Where The Wild Things Are...]

terça-feira, abril 20, 2010

Love...

quarta-feira, abril 14, 2010

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"Quando, em certas ocasiões, o homem considera esta confusa história a que se chama vida como um mero gracejo, embora se aperceba nebulosamente de que afinal é ele a própria vítima desse gracejo, nada existe capaz de desanimá-lo, nada vale o esforço de uma querela. Engole então todos os acontecimentos, todas as crenças, convicções e persuasões, todos os maus pedaços visíveis e invisíveis por mais nodosos que sejam, como um avestruz capaz de digerir cartuchos e pedras de fusil. E quanto às pequenas dificuldades e aos contratempos consecutivos a um desastre sofrido, embora afectando a sua integridade, quiçá a sua vida, tudo isso e a própria morte não lhe parecem mais que os efeitos maliciosos do bom humor, das palmadas nas costas que lhe são aplicadas pelo velho e invisível farsante. Essa espécie de humor fantástico apodera-se de um homem somente nos momentos de extrema tribulação; aparece no próprio auge do seu fervor e de tal modo que aquilo que num momento antes podia parecer-lhe momentoso, agora parece-lhe unicamente um aspecto do grande e geral gracejo. Nada existe como os perigos da baleia para libertar esta espécie de filosofia genial e fácil do desesperado." (Moby Dick, Herman Melville)

[Vale a pena ver Trumbo...]

segunda-feira, abril 12, 2010

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"Sinto sincero respeito por todos aqueles artistas que dedicam suas vidas à sua arte – é seu direito ou condição. Mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida". (Augusto Boal)

segunda-feira, março 29, 2010

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"Um dos primeiros motivos foi a prodigiosa imagem da própria baleia. Esse monstro, tão portentoso e enigmático, despertava a minha curiosidade. Depois havia os mares distantes e bravios onde o seu bojo enorme flutuava e os perigos constantes da sua presença. Isso, somado aos encantos de mil sons e suspiros patagónicos, contribuiu para formar dentro de mim um desejo. Com outros homens, talvez não surtisse o mesmo efeito, mas eu sinto-me sempre irremediavelmente atraído por aquilo que é remoto e misterioso." (Moby Dick, Herman Melville)

domingo, março 28, 2010

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[Vale a pena ver The Cove...]

sexta-feira, março 26, 2010

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"Não se olhe à pequenez do primeiro passo: o que, no princípio, é bem feito, permanecerá bem feito para sempre." (Henry David Thoreau)

quarta-feira, março 17, 2010

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"Sinto-me tão feliz, meu bom amigo, estou tão absorvido pela plenitude da minha tranquila existência que nem já sei desenhar; neste momento, nem ao menos um traço poderia fazer com lápis; e, todavia, nunca me senti tão grande pintor como actualmente. [...] Amigo, que assim me vejo inundado de luz, quando o mundo e o céu vêm gravar-se-me no coração, como a imagem de uma mulher amada, então digo a mim próprio: 'Se pudesses exprimir o que sentes! Se pudesses exalar e fixar, sobre o papel, o que vive em ti com tanto calor e tanta plenitude, de maneira a que essa obra se transformasse no espelho da tua alma, como a tua alma é o espelho do Eterno!...'" (Werther, Goethe)

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

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Não sou senão esse desejo de ser...

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"Zen é a 'consciência diária', na definição de Baso Matsu (falecido em 788). Esta consciência não é senão 'dormir, quando se está cansado, e comer, quando se tem fome'." (Daisetz T. Suzuki, no prefácio de Zen e a Arte do Tiro com Arco, de Eugen Herrigel)

segunda-feira, janeiro 11, 2010

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"I'm writing a book on magic," I explain, and I'm asked: "Real magic?" By real magic people mean miracles, thaumaturgical acts and supernatural powers. "No," I answer: "Conjuring tricks, not real magic." Real magic, in other words, refers to the magic that is not real, while the magic that is real, that can actually be done, is not real magic. (Lee Siegel, Net of Magic)

[Oiço Devotion, por Beach House. Depois, Contra, o novo de Vampire Weekend...]

terça-feira, dezembro 22, 2009

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Limpeza efectuada: retirados os mais de 400 posts escritos entre 20 de Abril de 2005 e 14 de Setembro de 2006. O restante, por enquanto, permanece...

segunda-feira, dezembro 07, 2009

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"Escrevo a palavra amanhã e olho para ela." (Hisao Kimura, Estas vozes que nos vêm do mar, depoimentos de aviadores suicidas japoneses)

sexta-feira, dezembro 04, 2009

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"[...] Deixa-me ser presa fácil
Dos prazeres que ergues aos meus lábios..."
(Kwesi Brew)

[Muito bom: Le peuple migrateur...]

segunda-feira, novembro 23, 2009

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"- Eu não poderei afirmar se à doce minha inimiga agrada ou não que o mundo saiba que eu a sirvo; somente sei dizer, respondendo ao que com tanta cortesia se me pede, que o seu nome é Dulcineia; a sua terra é Toboso, uma terra da Mancha; o seu título, pelo menos há-de ser de princesa, pois é rainha e senhora minha; a sua formusura, sobre-humana, pois nela se tornam verdadeiros todos os impossíveis e quiméricos atributos de beleza que os poetas dão às suas damas: os seus cabelos são ouro, a sua fronte campos elísios, as suas sobrancelhas arco-íris, os seus olhos sóis, as suas faces rosas, mármore o seu peito, os seus lábios corais, pérolas os seus dentes, alabastro o seu pescoço, marfim as suas mãos, a sua brancura neve e as partes que à vista humana encobria o pudor são tais, segundo penso e entendo, que só a sábia consideração pode exaltá-las e não compará-las." (D. Quixote de La Mancha)

sábado, novembro 21, 2009

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Recordo o "filho traquinas da vida", com quem tive o prazer de viajar durante sete dias, sete meses, sete anos... Preso no meu "quarto" aquecido, também eu vou confundindo as horas, que ora voam, ora se arrastam... Persiste o dilema: fechar-me ou dar-me? Como, a quê, e a quem? Não encontro meio termo para uma nova madrugada, e tudo me convida ao limite do ser...

[Oiço Beach Comber, por Real Estate...]

sexta-feira, novembro 20, 2009

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"Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio... Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro... Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume incompreensível, a nossa vida... compreende?... a nossa vida apresenta-se ali como algo... como um acontecimento excessivo. [...]
Uma vez fui a um médico.
- Doutor, estou louco - disse. - Devo estar louco.
- Tem loucos na família? - perguntou o médico. - Alcoólicos, sifilíticos?
- Sim, senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.
- Não preciso de remédios - disse eu. - Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos?"

(Herberto Helder, Estilo)

quarta-feira, novembro 18, 2009

O ritmo em que o eu se perde...

"To enter that rhythm where the self is lost,
where breathing : heartbeat : and the subtle music
of their relation make our dance, and hasten
us to the moment when all things become
magic, another possibility.
That blind moment, midnight, when all sight
begins, and the dance itself is all our breath,
and we ourselves the moment of life and death.
Blinded; but given now another saving,
the self as vision, at all times perceiving,
all arts all senses being languages,
delivered of will, being transformed in truth —
for life’s sake surrendering moment and images,
writing the poem; in love making; bringing to birth."

(Muriel Rukeyser, To enter that rhythm where the self is lost)

segunda-feira, novembro 16, 2009

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"Nada me põe tão feliz como contemplar e pintar a natureza. Imagine que, quando vou para o campo e vejo o sol e o verde e flores por todo o lado, digo a mim próprio: 'tudo isto é realmente meu!'"

(Henri Rousseau, em entrevista dada pelo pintor em 1910)

Para sempre...

"Dificilmente alguém tão honestamente e lealmente se terá mostrado e não menos cuidadosamente terá tido a preocupação de destruir qualquer possibilidade de romântica mistificação de si próprio. Este teria sido o caminho fácil e estava aberto ao total desconhecimento que um do outro tínhamos e à minha evidente fascinação por aquela personalidade - a rejeição desse caminho deu lugar a uma confiança e uma identificação que dificilmente, creio, poderão ter paralelo.
Não sem agruras e com algumas duras provas ambas resistiram, intactas, durante quase trinta anos, afinal o nosso 'para sempre', dignamente cumprido."

[Mécia Sena, Isto tudo que nos rodeia (Cartas de Amor)]

Isto tudo que nos rodeia...

"[...] eu nunca sonhei, imaginei ou desenhei o modelo perfeito de quem desejaria para companheira. Porque muito cedo tomei consciência da imensa distância entre o que se imagina e se é de facto (e não me excluo a mim próprio), porque, por feitio e visão, me convenci e convenço da irremediável solidão que é a vida, porque sei bem quanto gestos e palavras ficam sempre por fazer e dizer, porque me conheço suficientemente para apreciar como amo tão produndamente e dispersamente que uma determinada pessoa que eu visasse não poderia deixar de, até certo ponto, ser uma vítima desse mesmo amor, por tudo isso me recusei sempre a sonhar fosse o que fosse de projecto de vida, tanto mais que a experiência me ia ensinando que, ou por minha culpa ou por destino, me não valia a pensa desejar, porque era o suficiente para não ter. [...]"

(Trecho de carta enviada por Jorge de Sena a Mécia de Sena, datada de 1 de Janeiro de 1947)

sábado, novembro 14, 2009

Sonho bom, sonho meu...

Voava, girava e rodopiava, de braços-asas bem abertos, oferecendo o peito ao azul profundo de um inebriante mundo onírico. Conscientemente, desenhava e contemplava a realidade ao sabor da vontade. Brincava ao onde e ao quando, e ia construindo um quê sem porquê... Sorria, ainda, ao regressar. Um dia, hei-de voltar...






[ O Sonho . Henri Rousseau ]

[Oiço Far Away, de Jay-Jay Johanson...]

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sexta-feira, novembro 13, 2009

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Why do my eyes get attracted to the light, like butterflies at night?

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"'Essa grande desgraça de não se poder estar só!...' diz algures La Bruyère, como para envergonhar todos aqueles que correm a esquecer-se na multidão, temendo sem dúvida não poder suportar a si próprios.
'Quase todas as nossas desgraças nos vêm de não termos sabido conservar-nos no nosso quarto', diz outro sábio, Pascal, julgo eu, chamando assim para a célula do recolhimento todos esses desvairados que procuram a felicidade no movimento e numa prostituição a que eu podia chamar fraternitária, se quisesse usar da bela linguagem do meu século."

(Charles Baudelaire, A Solidão)

Passagem

"O êxtase do ar e a palavra do vento
Povoaram de ti meu pensamento."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Ausência

"Num deserto sem água,
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

quinta-feira, novembro 12, 2009

Quase Nada

"O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz."

(Eugénio de Andrade)

Espera

"Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça."

(Eugénio de Andrade)

quarta-feira, novembro 11, 2009

A um jovem poeta...

"Não me peças prefácios, nem juízos, nem conselhos,
Que me sinto empurrado
Para o trono dos velhos,
E coroado embalsamado!

Que pode, a ti, servir-te o que aprendi por mim?
Que darei eu do que ninguém me deu?
Chegar, nunca se chega! Mas, se há fim,
Cada qual ganhe belo o seu.

Chegar, nunca se chega ao píncaro sonhado!
Mas, se mais ampla já se nos anima
A linha do horizonte, – é o ganho dum pássaro
Deixando esfarrapado monte acima.

Nenhum caminho tem nenhum que se lhe iguale.
Meu – foi o meu suor; meus – os meus pés descalços.
Sofrer – só a quem sofre vale.
E o mais que se aprendeu são oiros falsos!

Ainda só há sol e azul pelos espaços
(Até se qualquer sombra lhes embace a quietude)
Diante desses passos
Que pedes que eu te ajude.

Pois vai! pois vai, sozinho, até que o sol se ponha,
Se entenebreça o azul, as aves emudeçam,
E tremam as estrelas, na medonha
Solidão onde, ao fim, desapareçam…

Sob, enquanto as houver, raríssimas estrelas,
Cava, na solidão, a terra escura,
E talvez venham a ser belas
As rosas, sobre a tua sepultura.

O que possas ganhar, tê-lo-ás, assim, ganhando,
Quando, perdido tudo o que era de perder,
Tombes, ao fim do descampado,
Sabendo que ninguém te pode socorrer…

Ninguém! Eu, menos que os demais,
Eu, que te perco, já, na curva do caminho,
E só te sei dizer adeuses tais
Que só te deixem mais sozinho.

Porque tu é que és tudo! a terra a cultivar,
A mão cultivadora, o arado da cultura,
O grão a semear,
O próprio fruto, – grão da mão futura.

Pois lavra-te, és o chão! emprega-te, és o braço!
Semeia-te, és o grão!
Floresce, frutifica, extingue-te! e, no espaço,
Pode, amanhã, nascer mais uma ideal constelação…

Entanto, se algum dia, por acaso,
Voltando à minha porta, me chamares,
Talvez, à tarde, ante esse imenso campo raso,
Possa eu ouvir os teus cantares.

Vendo, então, nos meus olhos, qualquer brilho,
Sentindo, em minha voz, tremer um alvoroço,
Vai-te embora feliz, meu irmão e meu filho!
Já te dei tudo quanto posso!"

(José Régio, A Chaga do Lado)

terça-feira, novembro 10, 2009

Imperdoável!

Tinha deixado escapar este: xx, por The xx.

Da democracia do demo...

Quando oiço o líder parlamentar do PSD, fico com a quase certeza surreal de que foi recrutado no seio do Governo, seja lá ele qual for... Ou então é mesmo um desejo dos sociais-democratas o de chegar ao país inteiro, crianças incluídas... "Mas há muitos especialista que contradizem o que o senhor ministro está a dizer", ou qualquer alarvidade do género, atirou ontem Aguiar Branco, neste caso pronunciando-se acerca do "enriquecimento ilícito". Mas houve outros, tantos, e tão ou mais admiráveis, argumentos de notável calibre, disparados por este senhor. "Sou ou não sou doutor?" Mediocridade no poleiro da oposição, é o que vejo, e quem se lixa é o mexilhão, pois então...

domingo, novembro 08, 2009

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Até hoje, estive sempre à espera. Agora compreendo, só agora, que nada sabia fazer se não esperar, por ti. Esperar que viesses, esperar que chegasses, e esperar que me ajudasses a tornar a fugir de mim...

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"O mais admirável no fantástico é que o fantástico não existe; tudo é real." (André Breton)


[ Carte Blanche . René Magritte ]

[Oiço Two Dancers, de Wild Beasts. Depois, Logos, de Atlas Sound, e Seek Magic, de Memory Tapes...]

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"A imaginação disseca o todo da criação de acordo com leis que têm a sua origem no mais fundo das profundezas da alma, e depois junta o organiza os pedaços, criando um novo mundo a partir deles." (Charles Baudelaire)

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"Vamos caminhando aos ziguezagues entre o apocalipse e o paraíso perdido, muito perto do primeiro e muito distantes do segundo; dilacerados entre o anseio e o ódio a nós próprios, perdidos de sonhos e de sonhos perdidos." (Rudolf Schlichter)

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Regresso a casa, a esse lugar onde nunca fui...


[ Christina . Andrew Wyeth ]

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"Fique então com uma pena - disse ela, arrancando uma do leque.
Peguei na pena e, só com o olhar, exprimi-lhe todo o meu fascínio e gratidão. Não estava apenas animado e contente, estava feliz, pairava na bem-aventurança, cheio de bondade, eu não era eu, era uma qualquer criatura não terrestre que desconhecia a maldade e só era capaz de fazer o bem." (Lev Tolstoi, Depois do Baile)

sexta-feira, novembro 06, 2009

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quinta-feira, novembro 05, 2009

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Hoje, sei o fim. Não sei como nem quando, mas sim...
E agora, que princípio quero de mim?

quarta-feira, novembro 04, 2009

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Vou deslizando pela Lisboa adormecida, sem pressa de chegar a lugar nenhum. O compasso, que se afirma sereno no íntimo do meu peito, marca o passo vagaroso do meu vadiar. Antevejo um convite para parar, numa hora que o estômago há-de dar...

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Quem é este
incansável desconhecido
que me leva de vencido,

a mim
frágil parte de um todo
que às vezes se encontra
e outras vezes se perde
nessa parte de ti?


[ De Es Schwertberger: http://www.dees.at ]

[Oiço Through the Devil Softly, o novo de Hope Sandoval & The Warm Inventions...]

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"[...] Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas."

(Herberto Helder)

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"Aturdido pela antevisão do abismo, aterrorizado perante a prova de desintegração mental a que terá que sujeitar-se para realizar o individualismo absoluto, o lírico faz um regresso desvairado ao seu individualismo convencional. No entanto ele nunca mais se libertará da nostalgia dum universo que chegou a pressentir."
(Natália Correia, Poesia de Arte e Realismo Poético)

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“A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.” (Sophia de Mello Breyner Andresen)

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"Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Os degraus

"Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo..."

(Mário Quintana)

sexta-feira, outubro 30, 2009

Soneto de Amor

"Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus, não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!"

(José Régio)


[ O Beijo . Gustav Klimt ]

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"Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo." (Fernando Pessoa)

quinta-feira, outubro 29, 2009

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"[...] Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti."

(Alexandre O'Neill, Um Adeus Português)

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"[...] Por que será / que quanto mais repartimos / o coração / maior e mais nosso ele fica?" (Raul de Carvalho, 1920-1984)

quarta-feira, outubro 28, 2009

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"[...] Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente subitamente [...]"

(Ruy Belo, Elogio de Maria Teresa)

"[...] Dizia que ao chegar se olhares e me não vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido."

(Ruy Belo, Muriel)

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Encontro-me na separação, separo-me no encontro. Sou bicho frágil e tonto...


[ Melancolia . Edvard Munch ]

terça-feira, outubro 27, 2009

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- Faça favor.
- Não senhor. Você estava primeiro. É regra de bibliófilo. Imagine que eu lhe ficava com a sua descoberta...

sábado, outubro 24, 2009

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"Saiba o homem partir só para a aventura da vida; e então o encontro com o outro será um pacto de solidariedade e não um laço de escravidão." (António Coimbra de Matos)

sexta-feira, outubro 23, 2009

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"Deus é existirmos e isso não ser tudo."
(Fernando Pessoa, Livro do Desasossego)

Quanto a Deus

"Limitamos Deus atribuindo todos os males ao Diabo. Uma infinita bondade e uma infinita justiça, despidas de todo o pensamento que a moral condena, fazem suspeitar que se empregou na construção uma escala demasiado humana; mais uma vez nos julgámos os senhores absolutos; mais uma vez nos quisemos centro do universo e nos vimos tratados com atenção e carinho especiais.
Não ousou o homem pôr a maldade entre os atributos de Deus e pecou primeiramente porque foi estreito; e de novo pecou porque foi tímido. Consolava-o a ideia de uma protecção sempre possível e a mente, que se não levantava ao total, só pôde conceber a explicação infantil e ilógica dos dois demiurgos. Fugimos da aspereza e erguemos um palácio de fadas, esplêndido e seguro, mas enervante e mole; tememos a vida e a vida se vingou.
Restituamos a Deus toda a sua grandeza; reconheçamos o seu poder na violência e no terror; tenhamos por divino o abaixamento deste tempos; emana Caim do espírito supremo - como Abel; não tiremos a Deus o que temos como ideal superior: a vontade do progresso; não o despojemos, por interesse egoísta, do prazer de marchar, não lhe dêmos em troca da variedade que roubamos a monotonia a que aspira a alma baixa.
E em face de um Deus pleno e terrível sejamos heróicos; cresçam as forças com que lutamos, seja mais larga a compreensão, mais perfeito o amor; enfrentemos o mal, cara a cara, e adoremos o Senhor no inimigo que nos derruba e pisa. Sejamos bravos e tolerantes. Não vacilemos na derrota, nem um instante voltemos costas ao perigo; mas não abusemos da vitória. É este o dom que nos oferece Deus, liberto de cadeias terrestres."
(Agostinho da Silva, Considerações e Outros Textos)

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"What does the fish know about the water in which it swims?" (Einstein)

Lembra-te

Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

(Mário Cesariny)


[ Untitled . Vernon Treweeke . beinart.org]

[Oiço Imidiwan: Companions, o novo de Tinariwen. Depois, ficarei a conhecer Love 2, de Air...]

sexta-feira, outubro 16, 2009

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[ Pormenor de Ayahuasca Dream . Robert Venosa . beinart.org]

[Improbable dreams, por Tom Chambers, na Burn...]

terça-feira, outubro 13, 2009

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"Não me julgue V. a caminho da loucura; creio que não estou. Isto é uma crise grave de um espírito felizmente capaz de ter crises destas." (Carta de Fernando Pessoa a Mário de Sá-Carneiro, de 6 de Dezembro de 1915)

quarta-feira, setembro 16, 2009

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"O encontro com o mundo índio não é hoje um luxo. Tornou-se uma necessidade para quem quer compreender o que se passa no mundo moderno. Não basta porém compreender; trata-se de tentar ir até ao fim de todas as galerias obscuras, de procurar abrir algumas portas - quer dizer, no fundo, tentar sobreviver. O nosso universo de cimento e de ramificações eléctricas não é simples. Quanto mais se o pretende explicar, mais ele se nos escapa. Viver por dentro, hermeticamente fechado, seguindo os impulsos mecânicos, sem procurar trespassar estas muralhas e estes tectos, é mais do que insconsciência; é expormo-nos ao perigo de sermos pervertidos, mortos, tragados. Sabemos hoje que não há verdades; apenas há explosões, metamorfoses, dúvidas. Bem entendido, queremos abalar. Mas para onde? Todos os caminhos são parecidos, todos são um regresso ao próprio indivíduo. É pois preciso procurar outras viagens..." (J.M.G. Le Clézio, Índio Branco)