"Sinto-me às vezes tocado, não sei porquê, de um prenúncio de morte. Ou seja uma vaga doença, que se não materializa em dor e por isso tende a espiritualizar-se em fim, ou seja um cansaço que quer um sono tão profundo que o dormir lhe não basta — o certo é que sinto como se, no fim de um piorar de doente, por fim largasse sem violência ou saudade as mãos débeis de sobre a colcha sentida.
Considero então que coisa é esta a que chamamos morte. Não quero dizer o mistério da morte, que não penetro, mas a sensação física de cessar de viver. A humanidade tem medo da morte, mas incertamente; o homem normal bate-se bem em exercício, o homem normal, doente ou velho, raras vezes olha com horror o abismo do nada que ele atribui a esse abismo. Tudo isso é falta de imaginação. Nem há nada menos de quem pensa que supor a morte um sono. Por que o há-de ser se a morte se não assemelha ao sono? O essencial do sono é o acordar-se dele, e da morte, supomos, não se acorda. E se a morte se assemelha ao sono, deveremos ter a noção de que se acorda Não é isso, porém, o que o homem normal se figura: figura para si a morte como um sono de que não se acorda, o que nada quer dizer. A morte, disse, não se assemelha ao sono, pois no sono se está vivo e dormindo; nem sei como pode alguém assemelhar a morte a qualquer coisa, pois não pode ter experiência dela, ou coisa com que a comparar.
A mim, quando vejo um morto, a morte parece-me uma partida. O cadáver dá-me a impressão de um trajo que se deixou. Alguém se foi embora e não precisou de levar aquele fato único que vestira."
(Bernardo Soares, Livro do Desassossego)
segunda-feira, dezembro 17, 2012
sexta-feira, dezembro 14, 2012
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Disse-me: primeiro, inspira profundamente e enche o peito de ar; depois, mergulha no abismo do eu, do outro, e do cosmo; sabe que não mais poderás regressar à superfície, e que não poderás nunca chegar ao fundo...
quinta-feira, dezembro 06, 2012
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(quem fala afinal quando
exausto de falar teu mundo escutas?)
(António Carlos Cortez, Linha de Fogo)
exausto de falar teu mundo escutas?)
(António Carlos Cortez, Linha de Fogo)
quarta-feira, dezembro 05, 2012
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"Sinto desde há muito que estou diante de uma porta fechada - as coisas essenciais que eu nem posso conhecer nem ver passam-se do outro lado da porta." (Vieira da Silva)
quinta-feira, novembro 29, 2012
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"A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente e foi ali.
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visam que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto."
(José Cardoso Pires, De Profundis, Valsa Lenta)
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visam que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto."
(José Cardoso Pires, De Profundis, Valsa Lenta)
sexta-feira, novembro 23, 2012
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"Trata de saborear a vida; e fica sabendo que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la." (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
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"[...] verdadeiramente, há só uma desgraça: é não nascer."
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
(Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás-Cubas)
terça-feira, novembro 20, 2012
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Cheio de mansidão, aceitei responder a um questionário telefónico contratato pela benemérita Empresa Pública Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa. Num dos momentos mais hilariantes do processo, o inquiridor pretendia aferir o meu acordo ou desacordo com a seguinte afirmação: "A EMEL é uma empresa transparente e séria."
quinta-feira, novembro 15, 2012
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"O poder nunca cede senão perante a força. A única linguagem que os homens entenderão é a linguagem das acções; a primeira e obrigatória fase da reforma das leis injustas consiste em as transgredir.
A única força que nós podemos opor, já que não dispomos da força do diálogo nem da protecção jurídica, é a forma de desobediência à lei injusta; mas uma desobediência aberta, sem fraude, nem hipocrisia." (Felicidades Alves, É Preciso Nascer de Novo, 1970)
A única força que nós podemos opor, já que não dispomos da força do diálogo nem da protecção jurídica, é a forma de desobediência à lei injusta; mas uma desobediência aberta, sem fraude, nem hipocrisia." (Felicidades Alves, É Preciso Nascer de Novo, 1970)
quarta-feira, novembro 14, 2012
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"Ser revolucionário, em qualquer época, é fazer parte de uma corrente germinal, progressiva, contra uma corrente residual, regressiva: é estar com o futuro contra o passado." (Manuel Laranjeira, Prosas Perdidas)
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"Há tanta solidão no movimento deste mundo que a sentimos nos ponteiros de um relógio." (Charles Bukowski)
quarta-feira, novembro 07, 2012
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"Chamaremos a este homem o viajante - se por acaso isso for necessário - devido à lentidão com que caminha, à perturbação que traz no seu olhar." (Marguerite Duras, O Amor)
segunda-feira, novembro 05, 2012
...
Porque é que os livros que citou triunfam de forma tão extraordinária?
Não tenho uma boa resposta para isso. Creio que é sobretudo um problema social. Vivemos em sociedades de consumo, que precisam de criar consumidores. O que é um consumidor? É um cidadão que não reflecte sobre aquilo que compra. Para que um cidadão não reflicta sobre aquilo que compra é necessário educá-lo na estupidez. Quer dizer, fazê-lo crer que não é inteligente, fazê-lo crer que certamente não entenderá os Diálogos de Platão, que seguramente não pode ler Dante, que com certeza não entenderá a Odisseia.
Quem é que está por detrás disso?
Se querer parecer paranoico, creio que as autoridades estatais funcionam em colaboração com as grandes empresas para manter a ideia de que o consumo arbitrário é necessário. Então, a literatura, a leitura devem ser entretenimento no sentido de serem um escape do mundo. O mesmo no que diz respeito à arte, ao cinema, ao teatro. A noção que querem inculcar-nos é a de que a criação artística e intelectual deve ser algo que nos ajude a não pensar.
[...]
No fundo, essa sua opinião - apesar das divergências que mantém com Vargas Llosa - não anda muito longe daquilo que ele escreve no livro de que já falámos, A Civilização do Espectáculo, quando se refere a um triunfo do trivial.
Sim, é o triunfo do trivial e do fácil por contraponto ao que é difícil. A ideia de dificuldade tornou-se um aspecto negativo. Durante muito tempo, a ideia de dificuldade foi algo que valorizámos porque se era difícil era porque valia a pena fazê-lo: fosse subir ao cimo de uma montanha ou estudar as obras de Espinosa ou, inclusive, nas relações humanas, estabelecer uma relação amistosa ou amorosa que requeria esforço. Os cavaleiros da Távola Redonda tinham de passar muitas provações para acederem ao amor que desejavam. Hoje, a dificuldade é vista como algo que tem de se pôr de parte e o que se promove é o que é fácil e rápido. Esta é uma propaganda consciente, feita pelas grandes empresas. Ninguém vai vender um produto dizendo: "Isto é difícil e vai requerer concentração, pense nisso, reflicta se for necessário."
(Alberto Manguel em entrevista à revista Ler, Novembro de 2012)
Não tenho uma boa resposta para isso. Creio que é sobretudo um problema social. Vivemos em sociedades de consumo, que precisam de criar consumidores. O que é um consumidor? É um cidadão que não reflecte sobre aquilo que compra. Para que um cidadão não reflicta sobre aquilo que compra é necessário educá-lo na estupidez. Quer dizer, fazê-lo crer que não é inteligente, fazê-lo crer que certamente não entenderá os Diálogos de Platão, que seguramente não pode ler Dante, que com certeza não entenderá a Odisseia.
Quem é que está por detrás disso?
Se querer parecer paranoico, creio que as autoridades estatais funcionam em colaboração com as grandes empresas para manter a ideia de que o consumo arbitrário é necessário. Então, a literatura, a leitura devem ser entretenimento no sentido de serem um escape do mundo. O mesmo no que diz respeito à arte, ao cinema, ao teatro. A noção que querem inculcar-nos é a de que a criação artística e intelectual deve ser algo que nos ajude a não pensar.
[...]
No fundo, essa sua opinião - apesar das divergências que mantém com Vargas Llosa - não anda muito longe daquilo que ele escreve no livro de que já falámos, A Civilização do Espectáculo, quando se refere a um triunfo do trivial.
Sim, é o triunfo do trivial e do fácil por contraponto ao que é difícil. A ideia de dificuldade tornou-se um aspecto negativo. Durante muito tempo, a ideia de dificuldade foi algo que valorizámos porque se era difícil era porque valia a pena fazê-lo: fosse subir ao cimo de uma montanha ou estudar as obras de Espinosa ou, inclusive, nas relações humanas, estabelecer uma relação amistosa ou amorosa que requeria esforço. Os cavaleiros da Távola Redonda tinham de passar muitas provações para acederem ao amor que desejavam. Hoje, a dificuldade é vista como algo que tem de se pôr de parte e o que se promove é o que é fácil e rápido. Esta é uma propaganda consciente, feita pelas grandes empresas. Ninguém vai vender um produto dizendo: "Isto é difícil e vai requerer concentração, pense nisso, reflicta se for necessário."
(Alberto Manguel em entrevista à revista Ler, Novembro de 2012)
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"Uma das traduções livres da palavra revolução é esta: revelação. No momento da crise apaixonada, as forças mais intímas, os elementos mais profundos da sociedade revolvida nos seus abismos, agitando-se por chegar à claridade, sobem até à superfície, mostrando-se à luz do dia com uma energia, uma verdade irresistíveis. É uma revelação: vê-se o que há." (Antero de Quental, Prosas)
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"A grande revolução só pode ser uma revolução moral, e essa não se faz de um dia para o outro, nem se decreta nas espeluncas fumosas das conspirações." (Antero de Quental, Cartas)
quarta-feira, outubro 31, 2012
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"- Então que é feito, homem? Não o vejo há muito tempo e tenho pena. Olhe que ainda outro dia falei de si.
- Sim?
- É verdade. Sabe que necessitamos de gente para a Junta de Freguesia e eu sugeri o seu nome. A verdade, meu amigo, é que todos temos obrigação de fazer qualquer coisa. Que diz da minha ideia?
- Nem pense nisso, sr. Engenheiro. Ainda que mo peçam, nunca entrarei para essas coisas. Limito-me a fazer aquilo que sei: chapéus, bonés e barretes.
- Pois tenho pena, meu amigo. Vocês passam a vida a dizer mal e, quando se trata de fazerem qualquer coisa, desaparecem todos.
- Mas eu não digo nada, sr. Engenheiro, nem mal nem bem. Essas coisas não me interessam nem me afectam. De qualquer forma, ainda que eu dissesse mal, não entrava para a Junta de Freguesia ou para qualquer outra junta.
- É o que eu digo: para dizerem mal estão por aqui; para fazerem qualquer coisa, desaparecem.
Não consigo entender o riso. Alguma coisa me há-de fazer rir! O Rodrigues não compreende porque me estou a rir.
- Por mais que queira, não compreendo nem vejo que isso tenha graça. Olhe que é um triste sinal dos tempos e das pessoas...
- Oiça, sr. Engenheiro Rodrigues, olhe que eu não me estou a rir do que o sr. disse. Pelo contrário, admiro a sua ingenuidade.
- Ingenuidade?
- Imagine o sr. Engenheiro que eu fora condenado à morte por uma sentença injusta e que passava os meus dias na cela criticando a sentença e o estado de coisas que a tornara possível. Está a imaginar isto? Pois imagine agora que o carcereiro, farto das minhas críticas permanentes, me vinha propor que eu o auxiliasse a fazer uma corda melhor para a forca, isto sabendo eu que acabaria por ser enforcado por essa corda... Imagine agora que o carcereiro, perante a minha recusa, se afastava pelo corredor fora resmungando que os presos passam a vida a criticar mas que, quando se lhes oferece a possibilidade de concorrerem para o melhoramento das coisas, se recusam a auxiliar os que trabalham cheios de boa vontade. Está a perceber? Não acha que isto revelaria ingenuidade?"
(Luis de Sttau Monteiro, Um Homem não Chora)
- Sim?
- É verdade. Sabe que necessitamos de gente para a Junta de Freguesia e eu sugeri o seu nome. A verdade, meu amigo, é que todos temos obrigação de fazer qualquer coisa. Que diz da minha ideia?
- Nem pense nisso, sr. Engenheiro. Ainda que mo peçam, nunca entrarei para essas coisas. Limito-me a fazer aquilo que sei: chapéus, bonés e barretes.
- Pois tenho pena, meu amigo. Vocês passam a vida a dizer mal e, quando se trata de fazerem qualquer coisa, desaparecem todos.
- Mas eu não digo nada, sr. Engenheiro, nem mal nem bem. Essas coisas não me interessam nem me afectam. De qualquer forma, ainda que eu dissesse mal, não entrava para a Junta de Freguesia ou para qualquer outra junta.
- É o que eu digo: para dizerem mal estão por aqui; para fazerem qualquer coisa, desaparecem.
Não consigo entender o riso. Alguma coisa me há-de fazer rir! O Rodrigues não compreende porque me estou a rir.
- Por mais que queira, não compreendo nem vejo que isso tenha graça. Olhe que é um triste sinal dos tempos e das pessoas...
- Oiça, sr. Engenheiro Rodrigues, olhe que eu não me estou a rir do que o sr. disse. Pelo contrário, admiro a sua ingenuidade.
- Ingenuidade?
- Imagine o sr. Engenheiro que eu fora condenado à morte por uma sentença injusta e que passava os meus dias na cela criticando a sentença e o estado de coisas que a tornara possível. Está a imaginar isto? Pois imagine agora que o carcereiro, farto das minhas críticas permanentes, me vinha propor que eu o auxiliasse a fazer uma corda melhor para a forca, isto sabendo eu que acabaria por ser enforcado por essa corda... Imagine agora que o carcereiro, perante a minha recusa, se afastava pelo corredor fora resmungando que os presos passam a vida a criticar mas que, quando se lhes oferece a possibilidade de concorrerem para o melhoramento das coisas, se recusam a auxiliar os que trabalham cheios de boa vontade. Está a perceber? Não acha que isto revelaria ingenuidade?"
(Luis de Sttau Monteiro, Um Homem não Chora)
sexta-feira, outubro 26, 2012
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Ao almoço, na pequena mesa ao lado da minha, sentam-se dois tipos novos. Assim que se encontram frente a frente, começam a tratar de se evitar. Um deles faz chamadas constantemente; o outro, carrega compulsivamente nas teclas do telefone; o primeiro saca de um iPad, navega no Facebook, envia mails... Enquanto isso, vão-se mantendo à superfície de uma conversa absolutamente abstrusa, totalmente desconexa. Raramente se olham. E eu próprio, contagiado pelo constrangimento, começo a ansiar pela chegada da comida...
Finalmente, as mãos abandonam os gadgets. O silêncio é apenas interrompido pelo ruído dos talheres, ou pela ocasional interjeição que atesta a qualidade da refeição. Podemos relaxar os três, agora que aquilo que não podia ser dito se esconde, tal como as suas cabeças, no fundo dos pratos...
Finalmente, as mãos abandonam os gadgets. O silêncio é apenas interrompido pelo ruído dos talheres, ou pela ocasional interjeição que atesta a qualidade da refeição. Podemos relaxar os três, agora que aquilo que não podia ser dito se esconde, tal como as suas cabeças, no fundo dos pratos...
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Se não for muito incómodo, gostaria de pedir a toda a classe política, opinadores de serviço e comentadores ocasionais para, quando se referirem aos portugueses, o fazerem da seguinte forma: "Todos os portugueses menos o Filipe..." Sim, qualquer que seja a circunstância. Muito obrigado.
quinta-feira, outubro 25, 2012
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"O que há de novo no mundo contemporâneo não é o facto nem mesmo o grau de inumanidade que a persistência da fome, da doença, da total exclusão de milhões de homens de um mínimo de dignidade ou até da hipótese da sobrevivência revela, mas a constatação de que esse fenómeno coexiste com o espectáculo de uma civilização aparentemente dotada de todos os meios, de todos os poderes, para a abolir."
(Eduardo Lourenço, O Esplendor do Caos)
(Eduardo Lourenço, O Esplendor do Caos)
quarta-feira, outubro 24, 2012
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Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
(António Aleixo)
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
(António Aleixo)
segunda-feira, outubro 22, 2012
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"[...] depois do surto do 25 de Abril, os ânimos voltaram a uma espécie de apatia, tanto no campo político como, digamos, no da cidadania. As universidades, que vivem em círculo fechado, mas também o regime partidário, as suas práticas e os seus discursos, o «autismo» dos governos e a sua visão medíocre do futuro, a falta de imaginação e a falta de coragem políticas contribuíram largamente para que os reflexos herdados da ditadura demorassem (e demorem) a dissolver-se. Refiro-me ao medo, à passividade, à aceitação sem revolta do que o poder propõe ao povo. Como se, tal como antigamente, a força de indignação, a reacção ao que tantas vezes aparece como intolerável, escandaloso, infame na sociedade portuguesa (tolerado, aceite, querido talvez pela maneira como as leis e regras democráticas se concretizam na sociedade, quer dizer no húmus das relações humanas), se voltasse para dentro num queixume infindável quanto à «república das bananas» ou «a trampa» que decididamente constituiria a essência eterna de Portugal, em vez de se exteriorizar em acção." (José Gil, Portugal, Hoje - O Medo de Existir)
sexta-feira, outubro 19, 2012
1943-2012
AMOR COMO EM CASA
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
(Manuel António Pina, Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde)
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
(Manuel António Pina, Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde)
quarta-feira, outubro 17, 2012
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"Até parece que estou a tentar convencer-vos de um sonho - tentativa inútil, porque o relato de um sonho não transmite a sensação-sonho, aquele emaranhado de absurdos e surpresas, o desespero na angústia de sermos aprisionados, a sensação de sermos presas do inacreditável que é verdadeira essência dos sonhos...
Fez um instante de silêncio.
- ... não, é impossível; é impossível transmitir a sensação-vida de uma época que vivemos - aquilo que constrói as suas verdades, o seu significado - a sua penetrante e subtil essência. É impossível. Vivemos como sonhamos - sós..."
(Joseph Conrad, O Coração das Trevas)
Fez um instante de silêncio.
- ... não, é impossível; é impossível transmitir a sensação-vida de uma época que vivemos - aquilo que constrói as suas verdades, o seu significado - a sua penetrante e subtil essência. É impossível. Vivemos como sonhamos - sós..."
(Joseph Conrad, O Coração das Trevas)
segunda-feira, outubro 15, 2012
quinta-feira, outubro 11, 2012
terça-feira, outubro 09, 2012
terça-feira, setembro 25, 2012
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"Limito-me a deixar ir a minha vida por onde quiser ir; eu sigo-a pacífico na albarda do burro, pus-lhe a rédea ao pescoço já que ele sabe melhor do que eu o caminho a tomar; às vezes nos enganamos os dois, o burro e eu." (Agostinho da Silva)
...
"O amor ideal é o amor de marinheiro. Você sempre deve lutar pela liberdade de deixar seu amor ir e vir quando quiser." (Agostinho da Silva)
sexta-feira, setembro 21, 2012
Pudesse Eu
Pudesse eu não ter laços nem limites,
Ó vida de mil faces transbordantes,
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
(Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia)
Ó vida de mil faces transbordantes,
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
(Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia)
A Paixão Nua
A paixão nua e cega dos estios
Atravessou a minha vida como rios
(Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas)
Atravessou a minha vida como rios
(Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas)
quarta-feira, setembro 19, 2012
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"Sê o proprietário de todas as tuas horas. Serás menos escravo do amanhã, se te tornares dono do presente. Enquanto a remetemos para mais tarde, a vida passa. Nada, Lucílio, nos pertence; só o tempo é nosso." (Sêneca, As Relações Humanas)
quarta-feira, agosto 29, 2012
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"Mr. Gould pai, homem sagaz e honrado, tinha contudo um defeito: dava demasiada importância aos formalismos, falta muito comum entre os homens cuja visão das coisas é toldada por preconceitos." (Joseph Conrad, Nostromo)
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"Ela tinha grande confiança no marido; sempre tivera. Desde o início que se deixara impressionar pela sua ausência de sentimentalismo e pelo seu espírito sereno e reservado que só podia, a seu ver, ser sinal inconfundível de competência para levar de vencida as atribulações da existência." (Joseph Conrad, Nostromo)
quarta-feira, julho 11, 2012
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"O que mais admiro nos homens (e o que neles mais me desgosta) é a sua extraordinária capacidade de resistir à monotonia da realidade - às vezes tão medíocre que nem deveria merecer a honra de lhe chamarmos realidade." (José Gomes Ferreira, Imitação dos Dias)
segunda-feira, julho 02, 2012
Quarta, 17 de Junho de 1908
"Estou com a Augusta até à madrugada. Ella tem de sahir cedo de casa, em companhia d'uma visinha.
Anda alegre, despreocupada como se a vida lhe corresse placidamente, e apega-me um pouco d'esse contentamento. De repente fito-me, sinto dentro de mim um pedaço de alegria - de felicidade talvez - e essa alegria assusta-me." (Manuel Laranjeira, Diário Íntimo)
Anda alegre, despreocupada como se a vida lhe corresse placidamente, e apega-me um pouco d'esse contentamento. De repente fito-me, sinto dentro de mim um pedaço de alegria - de felicidade talvez - e essa alegria assusta-me." (Manuel Laranjeira, Diário Íntimo)
7 de Junho de 1908
"Se eu estou farto de saber que o mundo não pode ser bello como a nossa phantasia o sonha, para que me hei de perturbar com a imperfeição das almas?"
(Manuel Laranjeira, Diário Íntimo)
Quarta, 3 de Junho de 1908
"Invade-me a infinita tristeza da existencia, o tedio infinito da vida, dos homens e das cousas." (Manuel Laranjeira, Diário Íntimo)
quinta-feira, junho 28, 2012
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"Passara quarenta anos de binóculos assestados, a seguir as migrações das aves e a tomar estranhos apontamentos num caderno. A última vez que foi visto voava a meia altura em direcção ao sul."
(Jorge Sousa Braga, A greve dos controladores de voo)
(Jorge Sousa Braga, A greve dos controladores de voo)
POEMA DE AMOR
Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo
(Jorge de Sousa Braga,
De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu)
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo
(Jorge de Sousa Braga,
De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu)
OMEGA electronic
No tempo dos relógios de sol
sempre havia de vez em quando
manhãs de nevoeiro!
(Jorge de Sousa Braga,
De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu)
sempre havia de vez em quando
manhãs de nevoeiro!
(Jorge de Sousa Braga,
De manhã vamos todos acordar com uma pérola no cu)
E agora?
Leio comentários sobre o jogo de Portugal, alguns brutalmente irracionais, surpreendentemente agressivos, com ofensas violentas dirigidas aos jogadores que falharam... Penso nesses vazios quase impossíveis de encarar, nessas vidas às quais é tão difícil regressar, a ponto de se tornar inevitável responsabilizar quem falhou pela miserável ausência de sentido com que o dia de amanhã se apresenta...
...
"Numa época e num país no qual todos se pelam por proclamar opiniões ou juízos, o senhor Palomar ganhou o hábito de morder a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação. Se, à terceira dentada na língua, ainda está convencido daquilo que estava para dizer, di-lo; se não, fica calado. Com efeito, passa semanas e meses inteiros em silêncio."
(Italo Calvino, Palomar)
(Italo Calvino, Palomar)
segunda-feira, junho 25, 2012
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"A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada..."
(Raul Brandão, Se Tivesse de Recomeçar a Vida)
(Raul Brandão, Se Tivesse de Recomeçar a Vida)
quarta-feira, junho 20, 2012
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"[...] na vida, aquele que caminha à frente, revestido de esplendor, é aquele que leva consigo um pequeno vaso de lágrimas, e não aquele que aperta na mão um punhado de diamantes."
(Federico Garcia Lorca, Carta a Carlos Morla)
(Federico Garcia Lorca, Carta a Carlos Morla)
...
"Antes no podia pensar en las cosas extraordinarias que tiene el mundo... Me quedaba en las puertas..." (Lorca)
...
"Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério que contém todas as coisas." (Federico Garcia Lorca, Livro de Poemas)
Meditation primera y ultima
El Tiempo
tiene color de noche.
De una noche quieta.
Sobre lunas enormes,
la Eternidad
está fija en las doce.
Y el Tiempo se ha dormido
para siempre en su torre.
Nos engañan
todos los relojes.
El Tiempo tiene ya
horizontes.
(Federico Garcia Lorca)
tiene color de noche.
De una noche quieta.
Sobre lunas enormes,
la Eternidad
está fija en las doce.
Y el Tiempo se ha dormido
para siempre en su torre.
Nos engañan
todos los relojes.
El Tiempo tiene ya
horizontes.
(Federico Garcia Lorca)
Gacela del Amor Imprevisto
Nadie comprendía el perfume
de la oscura magnolia de tu vientre.
Nadie sabía que martirizabas
un colibrí de amor entre los dientes.
Mil caballitos persas se dormían
en la plaza con luna de tu frente,
mientras que yo enlazaba cuatro noches
tu cintura, enemiga de la nieve.
Entre yeso y jazmines, tu mirada
era un pálido ramo de simientes.
Yo busqué, para darte, por mi pecho
las letras de marfil que dicen siempre,
siempre, siempre: jardín de mi agonía,
tu cuerpo fugitivo para siempre,
la sangre de tus venas en mi boca,
tu boca ya sin luz para mi muerte.
(Federico Garcia Lorca)
de la oscura magnolia de tu vientre.
Nadie sabía que martirizabas
un colibrí de amor entre los dientes.
Mil caballitos persas se dormían
en la plaza con luna de tu frente,
mientras que yo enlazaba cuatro noches
tu cintura, enemiga de la nieve.
Entre yeso y jazmines, tu mirada
era un pálido ramo de simientes.
Yo busqué, para darte, por mi pecho
las letras de marfil que dicen siempre,
siempre, siempre: jardín de mi agonía,
tu cuerpo fugitivo para siempre,
la sangre de tus venas en mi boca,
tu boca ya sin luz para mi muerte.
(Federico Garcia Lorca)
terça-feira, junho 19, 2012
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"A vida é feita de lugares-comuns. Acho que a única sinceridade é inventar."
(Manuel João Vieira, i,1.1.2012)
segunda-feira, junho 18, 2012
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"Take, say, sports - that's another crucial example of the indoctrination system, in my view. For one thing because it - you know, it offers people something to pay attention to that's of no importance. That keeps them from worrying about - keeps them from worrying about things that matter to their lives that they might have some idea of doing something about." (Noam Chomsky)
sábado, junho 09, 2012
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"Em 1993, os 161 sócios dividem o equivalente ao produto interno bruto da Tanzânia, um país que tem então 26 milhões de habitantes."
(Marc Roche, O Banco - Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo)
(Marc Roche, O Banco - Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo)
sexta-feira, junho 08, 2012
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"Para não melindrar ninguem apresento como exemplo uma creada que eu tive, que namorou quasi todo o regimento d'Infantaria 23. [...] Socialmente o namoro é, pois, a relação que se estabele entre duas ou mais pessoas de sexo diferente, a brincar ou a serio, conforme o temperamento de cada um."
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"Assim diz a «Escola Historica»: «O namoro é a troca elevada e nobre de impressões entre duas almas, que por afinidades reciprocas se encontraram na sugestão dum olhar, ou na permuta dum sorriso. É belo porque é puro como a neve da montanha, e num alheamento completo ha dois seres que vivem longe. [...] Por seu turno contesta a «Escola Radical»: «O namoro é um furioso ataque d'estupidez que ataca a mocidade, quasi sempre de consequencias funestas pelos gastos a que obriga em papel e estampilhas, e pelas constipações que origina quando pela calada da noite os dois malucos se dizem chuchices.» [...] Estas são em resumo as doutrinas dos seculos passados, cheirando a bafio d'alfarrabios, dispersas por calhamaços em velhos casarões, onde as foi buscar a evolução para as transformar, e lhes restituir a vida, construindo sobre os seus alicerces o gigantesco edifico da «Escola Intermedia». E quando outro valor esta não tivesse, teria vindo acabar com o velho preconceito de que o namoro se realisa só entre duas pessoas. Puro engano, minhas Senhoras e meus Senhores; tal disposição viria coarctar um dos mais sagrados direitos do homem: a liberdade individual. Nada impede, e a propria natureza o não contraria, que o homem sinta ao mesmo tempo uma serie de paixões, catalogadas com ordem e metodo, egual direito se concedendo ao sexo fragil."
(Elmano de Moraes da Cunha e Costa, O Namôro, 1916)
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"Assim diz a «Escola Historica»: «O namoro é a troca elevada e nobre de impressões entre duas almas, que por afinidades reciprocas se encontraram na sugestão dum olhar, ou na permuta dum sorriso. É belo porque é puro como a neve da montanha, e num alheamento completo ha dois seres que vivem longe. [...] Por seu turno contesta a «Escola Radical»: «O namoro é um furioso ataque d'estupidez que ataca a mocidade, quasi sempre de consequencias funestas pelos gastos a que obriga em papel e estampilhas, e pelas constipações que origina quando pela calada da noite os dois malucos se dizem chuchices.» [...] Estas são em resumo as doutrinas dos seculos passados, cheirando a bafio d'alfarrabios, dispersas por calhamaços em velhos casarões, onde as foi buscar a evolução para as transformar, e lhes restituir a vida, construindo sobre os seus alicerces o gigantesco edifico da «Escola Intermedia». E quando outro valor esta não tivesse, teria vindo acabar com o velho preconceito de que o namoro se realisa só entre duas pessoas. Puro engano, minhas Senhoras e meus Senhores; tal disposição viria coarctar um dos mais sagrados direitos do homem: a liberdade individual. Nada impede, e a propria natureza o não contraria, que o homem sinta ao mesmo tempo uma serie de paixões, catalogadas com ordem e metodo, egual direito se concedendo ao sexo fragil."
(Elmano de Moraes da Cunha e Costa, O Namôro, 1916)
quarta-feira, junho 06, 2012
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"There will never be a moment when the situation will be fully right for the change. If you wait for the right moment, the right moment will never come. When you intervene, it is always premature." (Slavoj Žižek)
terça-feira, junho 05, 2012
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"Os talentos de primeira ordem - escreve Schopenhauer - jamais serão especialistas. A existência, no seu conjunto, oferece-se a eles como um problema a resolver, e a cada um a humanidade, sob uma ou outra forma, apresentará horizontes novos. Só pode merecer o nome de génio aquele que toma o grande, o essencial e o geral como tema dos seus trabalhos, e não quem passa a vida a explicar alguma relação especial das coisas entre si." (Enrique Vila-Matas, Bartleby e companhia)
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"Nos quatro utimos annos [de 1846 a 1850], o movimento bancario em Portugal tinha-se desenvolvido consideravelmente [...]. Não tardou a que a agiotagem se desenvolvesse desenfreada com a creação de phantasticas Companhias, que só serviam para se interpôrem capitalisticamente entre o thesouro e aquelles que tinham de excutar, a final, os serviços tomados para pretexto da fundação d'ellas. Taes eram a Companhia das Obras Publicas, creada para construir a rêde das estradas, e a Confiança, creada para prestar ao thesouro um emprestimo de 4:000 contos a 5%, condições que o governo impunha á adjudicação do contracto do tabaco." (Bento Carqueja, O Capitalismo Moderno e as suas origens em Portugal, Livraria Chardon, Lello & Irmão, 1908)
quarta-feira, maio 30, 2012
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"Um regador, um ancinho abandonado no campo, um cão ao sol [...], cada um destes objectos, e mil outros parecidos, sobre os quais os olhos normalmente passam com natural indiferença, pode de repente, a qualquer momento, ganhar para mim um carácter sublime e comovedor que a totalidade do vocabulário me parece demasiado pobre para o poder expressar." (Hoffmannsthal, Carta de Lord Chandos)
"Em resumo: nesses dias, num estado de embriaguez permanente, toda a existência se me apresentava, então, como uma grande unidade: entre o mundo espiritual e o mundo material parecia não existir qualquer contraste, tão-pouco entre as maneiras corteses e as brutais, entre a arte e a barbárie, entre a solidão e a sociedade; em tudo sentia a presença da Natureza, tanto nas aberrações da loucura como nos requintes mais extremos dum cerimonial espanhol; nas boçalidades de jovens camponeses não menos que nas mais delicadas alegorias; e em todas as expressões da Natureza sentia-me a mim mesmo; quando, na cabana de caça, me dessedentava com o leite espumoso e morno que, das tetas duma bela vaca de olhos meigos, uma rapariga de cabelos desgrenhados mungia para um balde de madeira, em nada era esta experiência para mim diferente de quando, sentado no banco da janela do meu estúdio, o meu espírito absorvia o suave e espumoso alimento dum livro. [...]" (ibid.)
"Em resumo: nesses dias, num estado de embriaguez permanente, toda a existência se me apresentava, então, como uma grande unidade: entre o mundo espiritual e o mundo material parecia não existir qualquer contraste, tão-pouco entre as maneiras corteses e as brutais, entre a arte e a barbárie, entre a solidão e a sociedade; em tudo sentia a presença da Natureza, tanto nas aberrações da loucura como nos requintes mais extremos dum cerimonial espanhol; nas boçalidades de jovens camponeses não menos que nas mais delicadas alegorias; e em todas as expressões da Natureza sentia-me a mim mesmo; quando, na cabana de caça, me dessedentava com o leite espumoso e morno que, das tetas duma bela vaca de olhos meigos, uma rapariga de cabelos desgrenhados mungia para um balde de madeira, em nada era esta experiência para mim diferente de quando, sentado no banco da janela do meu estúdio, o meu espírito absorvia o suave e espumoso alimento dum livro. [...]" (ibid.)
sexta-feira, maio 25, 2012
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"Sobretudo não acredite, leitor, que os livros que não escrevi são puro nada. Pelo contrário (que fique claro de uma vez por todas), estão como em suspensão na literatura universal."
(Marcel Bénabou, Por Que não Escrevi Nenhum dos Meus Livros)
(Marcel Bénabou, Por Que não Escrevi Nenhum dos Meus Livros)
quinta-feira, maio 24, 2012
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"Mas foi coisa de um instante porque, ao dilatar-se, aquela sensação sofria uma estranha metamorfose, como se uma luva, ao voltar-se do avesso, levasse consigo a mão que protegia. Tudo mudou de perspectiva, num ápice experimentou a embriaguez da descoberta, uma náusea subtil e mortal melancolia. Mas também um sentimento infinito de libertação, como quando percebemos finalmente qualquer coisa que sabíamos desde sempre e queríamos ignorar: não era o já visto que o engolia num passado nunca vivido, ele é que o capturava num futuro ainda por viver."
(Antonio Tabucchi, O Tempo Envelhece depressa)
(Antonio Tabucchi, O Tempo Envelhece depressa)
terça-feira, maio 22, 2012
Da caridadezinha...
Salvo raras excepções, os programas televisivos informativos dedicam-se à tarefa de atirar areia para os olhos do telespectador. O Prós e Contras é especialmente violento na forma como o faz: é às pazadas; se um gajo não tem cuidado chega ao fim da emissão soterrado...
Chega mesmo a ser ofensivo... Ontem, num programa supostamente dedicado aos movimentos da sociedade civil que se vão organizando para combater "o estado a que isto chegou", grande parte do tempo foi perdido a dar a conhecer as soluções que se vão encontrando para dar de comer aos pobres deste País. Será que há interesse em discutir formas de irradicar a pobreza, e de criar uma sociedade mais igualitária? Claro que não! Para quê? Vamos mas é gastar o tempo do debate (pago com o nosso dinheiro!) a trocar ideias sobre como não os deixar morrer à fome... Até porque, assim, enquanto os formos aguentando vivos (mesmo que num lugar para além da dignidade), podemos ir perpetuando esta miséria...
Chega mesmo a ser ofensivo... Ontem, num programa supostamente dedicado aos movimentos da sociedade civil que se vão organizando para combater "o estado a que isto chegou", grande parte do tempo foi perdido a dar a conhecer as soluções que se vão encontrando para dar de comer aos pobres deste País. Será que há interesse em discutir formas de irradicar a pobreza, e de criar uma sociedade mais igualitária? Claro que não! Para quê? Vamos mas é gastar o tempo do debate (pago com o nosso dinheiro!) a trocar ideias sobre como não os deixar morrer à fome... Até porque, assim, enquanto os formos aguentando vivos (mesmo que num lugar para além da dignidade), podemos ir perpetuando esta miséria...
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"There is a pioneering study done by Glasgow University on the reporting of Palestine. They interviewed young people who watched TV news in Britain. More than 90 percent thought the illegal settlers were palestinian. The more they watched, the less they knew - Danny Schecter’s famous phrase." (John Pilger)
segunda-feira, maio 21, 2012
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"Será isto utópico? Um mapa do mundo que não inclua a Utopia não merece sequer um olhar, pois põe de parte o único país onde a humanidade desembarca a todo o momento. E quando lá chega, a humanidade perscruta o longe e, divisando um terra melhor, iça as velas e põe-se de novo a caminho. O progresso é a realização das utopias."
(Oscar Wilde, A Alma do Homem e o Socialismo)
(Oscar Wilde, A Alma do Homem e o Socialismo)
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"Pela primeira vez, fiz esta triste constatação: as pessoas dizem que gostam de novidade, mas na verdade gostam me tudo menos de aventura. Entre liberdade e segurançazinha, escolhem sempre a segunda, por muito que digam que preferem a outra. Mais tarde, viria a ouvir isto dito de outro modo: quando lhe tiram as grilhetas, a primeira coisa que o prisioneiro faz é queixar-se do frio que tem nos pulsos."
(Rui Zink, Anibaleitor)
(Rui Zink, Anibaleitor)
segunda-feira, maio 14, 2012
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"É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados." (Miguel Torga, Diário, 17-09-1961)
quinta-feira, maio 10, 2012
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"A liberdade é a única coisa que os homens não desejam, pois se a desejassem bem a alcançariam."
(La Boétie, Discurso sobre a servidão voluntária)
(La Boétie, Discurso sobre a servidão voluntária)
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"É de crer, isso sim, que [a Natureza], favorecendo alguns e desfavorecendo outros, pretendia dar lugar à fraterna afeição, dar-lhe meios de se manifestar, pois se a uns assiste o poder ajudar, os outros têm necessidade de ser ajudados."
(La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária)
(La Boétie, Discurso Sobre a Servidão Voluntária)
quarta-feira, maio 09, 2012
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"Aprendi, pelos índios, que são em muita coisa bem melhores que nós, as pescar mesmo para os que não podem [...]"
(Agostinho da Silva, Compostela - Carta Sem Prazo a Seus Amigos, Primeira de 71)
terça-feira, maio 08, 2012
Porn for book lovers
"Tenho a suspeita de que a espécie humana - a única – está prestes a extinguir-se e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta." (Jorge Luis Borges)
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"As grandes causas são um espantoso conforto para não se olhar para dentro e para se fugir de si próprio. Isto não é fácil de dizer, mas é inteiramente assim." (Miguel Portas, em entrevista ao Expresso)
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"A infância é um país mágico donde somos todos expatriados pela percepção da morte, ou da crueldade. Uns mais do que outros, uns mais cedo que outros." (Maria Velho da Costa, Myra)
sexta-feira, abril 20, 2012
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"E depois, tentando deixar-me ainda mais enterrado, dizia-me que a luta contra a dispersão era o motivo mais oculto do coleccionista, e que eu, com o meu arquivo, tentava corrigir essa dispersão, mas, lamentavelmente, continuava a andar disperso, direito ao desastre. O meu filme é ambicioso, e podia ao menos deixar-me prepará-lo, dizia-lhe eu. O teu filme é a ideia de um louco, respondia-me ele, fazes-me lembrar um homem que conheci em Nova Iorque, que queria escrever tudo, tudo o que ouvisse a rua, não importava que fosse chato, néscio ou vulgar o que registasse, queria escrever tudo, era um grande maluco. Não sei, dizia-lhe eu, não sei quem era esse homem, mas sei que quero filmar todos os fracassos do mundo, todos. Mas se, na realidade, dizia-me ele, isso apenas demonstra que não sabes o que queres, embarcas numa coisa interminável para assim não teres de concluir nada, nuna vi niguém mais inconsciente, mais caprichoso." (Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan)
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"Em última instância (disse Vílnius improvisando de novo), como dizer?, as coisas têm de ser tal como são e tal como têm sido sempre; quero eu dizer que as grandes coisas estão reservadas para os grandes; os abismos para os profundos; as delicadezas e estremecimentos para os subtis; e, evidentemente, tudo o que é esquisito para os esquisitos."
(Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan)
(Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan)
terça-feira, abril 17, 2012
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"Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota a pisar um rosto humano. Para sempre."
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)
sexta-feira, abril 13, 2012
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"We – the civilised – have been inculcated to believe that belongings are more important than belonging." (Derrick Jensen, Endgame, Volume I)
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"Os dias são frutos maduros que devemos saborear bem."
(Jean Giono, O Homem que Plantava Árvores)
(Jean Giono, O Homem que Plantava Árvores)
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"O erotismo imaginado, sem parceiro, é a pior da solidão."
(Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro)
(Carlos de Oliveira, O Aprendiz de Feiticeiro)
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"É na cama que eu quero que me digas tudo [...]"
(Eurico, Narrativas de Sonho e Textos Automáticos)
(Eurico, Narrativas de Sonho e Textos Automáticos)
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"Comecei a fumar mais um cigarro. A não ser que vos informe especificamente do contrário, estou sempre a fumar mais um cigarro."
(Martin Amis, Money)
(Martin Amis, Money)
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"Vocês terão que se habituar a viver sem resultados nem esperança. Trabalharão durante algum tempo, serão apanhados, confessarão e morrerão. São estes os únicos resultados visíveis. Convençam-se de que é improvável virem a ocorrer mudanças perceptíveis durante a vossa vida. Nós somos os mortos. A nossa única vida autêntica está no futuro. Viveremos essa vida como uma mão cheia de pó e estilhaços de ossos. Mas ninguém sabe quando virá esse futuro. Até pode ser daqui a mil anos. De momento nada podemos fazer senão alargar a pouco e pouco os espaços de saúde mental."
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)
(George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro)
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"Preciso de tanto tempo para não fazer nada que não me sobra tempo para trabalhar." (Pierre Reverdy)
segunda-feira, abril 09, 2012
As cidades subtis. 5.
"Se quiserem acreditar, muito bem. Agora vou contar como é Otávia, cidade teia de aranha. Há um precipício no meio de duas montanhas escarpadas: a cidade está situada sobre o vácuo, ligada aos dois cumes por teleféricos e correntes e passarelas. Caminha-se sobre as travessas de madeira, com cuidado para não meter os pés nos intervalos, ou agarrados às malhas de cânhamo. Por baixo não há nada por centenas e centenas de metros; corre uma ou outra nuvem; entrevê-se mais abaixo o fundo do precipício.
Esta é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e de apoio. Tudo o resto, em vez de se elevar por cima, está pendurado por baixo: escadas de corda, camas de rede, tendas suspensas, cabides, terraços como barcas, odres de água, bicos de gás, espetos, cestos pendurados por cordéis, monta-cargas, duches, trapézios e aros para os jogos, teleféricos, candelabros, vasos com plantas de folhagens pendulares.
Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta do que noutras cidades. Sabem que além de um certo ponto a rede não aguenta."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)
Esta é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e de apoio. Tudo o resto, em vez de se elevar por cima, está pendurado por baixo: escadas de corda, camas de rede, tendas suspensas, cabides, terraços como barcas, odres de água, bicos de gás, espetos, cestos pendurados por cordéis, monta-cargas, duches, trapézios e aros para os jogos, teleféricos, candelabros, vasos com plantas de folhagens pendulares.
Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta do que noutras cidades. Sabem que além de um certo ponto a rede não aguenta."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)
As cidades e o desejo. 2.
"Ao cabo de três dias, andando para o meio-dia, o homem encontra-se em Anastásia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por grandes papagaios de papel. Eu deveria agora enumerar as mercadorias que aqui se compram com lucro: ágata ónix crisoprásio e outras variedades de calcedónia; gabar a carne do faisão dourado que se cozinha no fogo de lenha de cerejeira seca e se barra com muito orégão; falar das mulheres que vi tomar banho na piscina de um jardim e que às vezes convidam - conta-se - o transeunte a despir-se e a correr atrás delas na água. Mas com estas notícias não te diria a verdadeira essência da cidade: porque enquanto a descrição de Anastásia se limita a despertar os desejos um de cada vez para te obrigar a sufocá-los, a quem se encontra uma manhã no meio de Anastásia os desejos despertam todos ao mesmo tempo a assediar-nos. A cidade aparece-nos como um todo em que nenhum desejo se perde e de que nós fazemos parte, e como ela goza de tudo de que nós não gozamos só nos resta habitar este desejo e satisfazermo-nos com ele. Este poder, que consideram ora maligno ora benigno, tem-no Anastásia, cidade enganadora: se durante oito horas por dia trabalharmos como entalhadores de ágatas ónixes crisoprásios, a nossa fadiga que dá forma ao desejo toma do desejo a sua forma, e julgamos gozar por toda Anastásia enquanto afinal não passamos de seus escravos."
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)
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"O poder do rei é governar, não é? Mas o homem não quer governar: tem vontade de forçar, como você disse. De ser mais do que homem, num mundo de homens. Escapar à condição humana, era o que eu dizia. Não apenas poderoso: todo poderoso. A quimérica doença, de que a vontade de poder é a justificação intelectual, é a vontade de divindade: todo o homem sonha ser deus."
(André Malraux, A Condição Humana)
(André Malraux, A Condição Humana)
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"A castidade, Maria Augusta? É uma coisa muito aborrecida do Senhor. São mistérios gozosos. A castidade é porca.
- É blasfémia, Frei Bento.
- Blasfémia é não amar, não ver, não sentir. Blasfémia é o delírio de si, sem mundos, sem outros, sem dó do que se desconhece. Isso é blasfémia."
(Maria Velho da Costa, Myra)
- É blasfémia, Frei Bento.
- Blasfémia é não amar, não ver, não sentir. Blasfémia é o delírio de si, sem mundos, sem outros, sem dó do que se desconhece. Isso é blasfémia."
(Maria Velho da Costa, Myra)
sexta-feira, março 30, 2012
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"Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto?
E a resposta é: não é só isto, é exactamente isto."
(Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H.)
E a resposta é: não é só isto, é exactamente isto."
(Clarice Lispector, A Paixão segundo G.H.)
quinta-feira, março 22, 2012
Coimbra de Matos . Público . 04.03.2012
Perante o novo e diferente, temos sempre uma dupla atitude: por um lado receio e por outro fascínio. Quando somos mais doentes, predomina o receio, quando somos mais saudáveis, predomina o fascínio.
[...]
Lidamos mal com o conflito e com a interpelação? Porque é que o outro discordar de nós é sentido pelos portugueses como uma forma de afrontamento, de intimidação? Tudo é demasiado pessoal. Confirmo isso. Se fizer uma pergunta a um conferencista, discordando dele, num congresso em Portugal, sou acusado de ser agressivo. Se for num congresso internacional, isso é completamente aceite. Aqui somos muito narcísicos, ficamos logo ofendidos. Discordar é ofender o outro.
Isso é um traço de narcisismo? É, não aceitamos bem que o outro discorde de nós, sentimos isso como uma diminuição.
Como é que ficamos menos vulneráveis, menos narcísicos? Como é que apredendemos a lidar com a crítica e aquilo que sentimos como sendo a agressividade do outro? A causa psicológica assenta num sentimento de inferioridade. Se a pessoa se sente inferior, qualquer discordância do outro é sentida como uma ofensa pessoal.
[...]
O que nos deve entusiasmar é aquilo que não sabemos, não aquilo que sabemos. O verdadeiro cientista põe perguntas e tem poucas respostas, interessa-se por aquilo que não sabe e quer descobrir, não por aquilo que já sabe.
[...]
Só há um processo para ultrapassar aquilo a que chamo "a angústia essencial", a angústia [que resulta da] consciência de que temos um prazo (apesar de nunca se ultrapassar totalmente, transcende-se um pouco isso): realizando alguma coisa, uma obra, transmitindo cultura.
[...]
A evolução faz-se por fracturas. Há duas ideias sobre o progresso; há a ideia de que o progresso se faz na continuidade - acrescenta-se àquilo que já se sabe, na mesma linha. Um exemplo disso era a evolução na continuidade do Marcelo Caetano; e há outra ideia de progresso, que é por ideias fracturantes. Sou apologista desta.
[...]
O que é que tememos tanto nessa mudança de paradigma? Se quisermos levar isto até às últimas consequências, temos medo de desaparecer, de ser engolidos? Insegurança, incapacidade de gostar do novo e do diferente. Há uma entrevista muita bonita de um professor de Física Teórica, brasileiro, um homem de 50 e tal anos. Às tantas diz: "Repare, o que é bonito não é o que é simétrico, regular. É o que tem assimetria, pequenos defeitos." Tudo é impermanente, tudo é incerto, tudo é imperfeito. É isto que nos deve atrair. As pessoas mais conservadoras querem o permanente, a certeza, o perfeito.
[...]
Por que é que somos tão pouco persistentes? No fundo, quando nos ocupamos do curto prazo, isso quer dizer que, ou não temos a persistência ou não temos a organização necessárias. Uma das razões é porque acreditamos na Virgem. Acreditamos sempre que Nosso Senhor ou a Virgem fazem milagres, que o Estado ou os papás vão resolver a situação. Acreditamos sempre que vem qualquer coisa que nos salva, que não o nosso esforço, o nosso trabalho, a nossa intervenção. Somos educados na base da religião a sermos adaptados, a obedecer ao pai, ao chefe, ao polícia, a Deus e a não interferir no meio.
[...]
Se este país se deitasse no divã, tinha emenda? O que é que precisaria mais que tudo, de trabalhar? Tinha de ter tempo e espaço para poder crescer por si próprio sem se apoiar noutros. A psicanálise é uma auto-análise assistida, o analista dá uns toques, o paciente é que faz a análise. Como num parto. Quem faz o parto é a mulher, a parturiente; o parteiro interfere se houver alguma coisa, se tudo correr bem, não faz nada. Facilitar o crescimento pessoal, a autodeterminação, a identificação idiomórfica, segundo o seu próprio plano, o seu próprio projecto, e não seguir ideias do analista ou de outra pessoa qualquer. Sou a favor da emigração, de que as pessoas se movam, se cruzem. E sou a falor da depressão normal, com revolta e revolução! Devemos zangar-nos com os tipos que nos fazem mal.
(António Coimbra de Matos em entrevista ao Público, de 4 de Marco de 2012: http://www.sendspace.com/file/rwgzjn)
[...]
Lidamos mal com o conflito e com a interpelação? Porque é que o outro discordar de nós é sentido pelos portugueses como uma forma de afrontamento, de intimidação? Tudo é demasiado pessoal. Confirmo isso. Se fizer uma pergunta a um conferencista, discordando dele, num congresso em Portugal, sou acusado de ser agressivo. Se for num congresso internacional, isso é completamente aceite. Aqui somos muito narcísicos, ficamos logo ofendidos. Discordar é ofender o outro.
Isso é um traço de narcisismo? É, não aceitamos bem que o outro discorde de nós, sentimos isso como uma diminuição.
Como é que ficamos menos vulneráveis, menos narcísicos? Como é que apredendemos a lidar com a crítica e aquilo que sentimos como sendo a agressividade do outro? A causa psicológica assenta num sentimento de inferioridade. Se a pessoa se sente inferior, qualquer discordância do outro é sentida como uma ofensa pessoal.
[...]
O que nos deve entusiasmar é aquilo que não sabemos, não aquilo que sabemos. O verdadeiro cientista põe perguntas e tem poucas respostas, interessa-se por aquilo que não sabe e quer descobrir, não por aquilo que já sabe.
[...]
Só há um processo para ultrapassar aquilo a que chamo "a angústia essencial", a angústia [que resulta da] consciência de que temos um prazo (apesar de nunca se ultrapassar totalmente, transcende-se um pouco isso): realizando alguma coisa, uma obra, transmitindo cultura.
[...]
A evolução faz-se por fracturas. Há duas ideias sobre o progresso; há a ideia de que o progresso se faz na continuidade - acrescenta-se àquilo que já se sabe, na mesma linha. Um exemplo disso era a evolução na continuidade do Marcelo Caetano; e há outra ideia de progresso, que é por ideias fracturantes. Sou apologista desta.
[...]
O que é que tememos tanto nessa mudança de paradigma? Se quisermos levar isto até às últimas consequências, temos medo de desaparecer, de ser engolidos? Insegurança, incapacidade de gostar do novo e do diferente. Há uma entrevista muita bonita de um professor de Física Teórica, brasileiro, um homem de 50 e tal anos. Às tantas diz: "Repare, o que é bonito não é o que é simétrico, regular. É o que tem assimetria, pequenos defeitos." Tudo é impermanente, tudo é incerto, tudo é imperfeito. É isto que nos deve atrair. As pessoas mais conservadoras querem o permanente, a certeza, o perfeito.
[...]
Por que é que somos tão pouco persistentes? No fundo, quando nos ocupamos do curto prazo, isso quer dizer que, ou não temos a persistência ou não temos a organização necessárias. Uma das razões é porque acreditamos na Virgem. Acreditamos sempre que Nosso Senhor ou a Virgem fazem milagres, que o Estado ou os papás vão resolver a situação. Acreditamos sempre que vem qualquer coisa que nos salva, que não o nosso esforço, o nosso trabalho, a nossa intervenção. Somos educados na base da religião a sermos adaptados, a obedecer ao pai, ao chefe, ao polícia, a Deus e a não interferir no meio.
[...]
Se este país se deitasse no divã, tinha emenda? O que é que precisaria mais que tudo, de trabalhar? Tinha de ter tempo e espaço para poder crescer por si próprio sem se apoiar noutros. A psicanálise é uma auto-análise assistida, o analista dá uns toques, o paciente é que faz a análise. Como num parto. Quem faz o parto é a mulher, a parturiente; o parteiro interfere se houver alguma coisa, se tudo correr bem, não faz nada. Facilitar o crescimento pessoal, a autodeterminação, a identificação idiomórfica, segundo o seu próprio plano, o seu próprio projecto, e não seguir ideias do analista ou de outra pessoa qualquer. Sou a favor da emigração, de que as pessoas se movam, se cruzem. E sou a falor da depressão normal, com revolta e revolução! Devemos zangar-nos com os tipos que nos fazem mal.
(António Coimbra de Matos em entrevista ao Público, de 4 de Marco de 2012: http://www.sendspace.com/file/rwgzjn)
terça-feira, março 06, 2012
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"Sempre me tentou o desejo de correr o mundo e desembaraçar-me dos preconceitos impostos pela vida de família." (Agustina Bessa-Luís)
sexta-feira, fevereiro 24, 2012
I lost a button hole...
"You know how it feels when you're leaning back on a chair, and you lean too far back, and you almost fall over backwards, but then you catch yourself at the last second? I feel like that all the time." (Steven Wright)
quinta-feira, fevereiro 23, 2012
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"É portanto necessário ver a ideia do Futuro, nunca como muita gente a vê, como uma coisa impossível de se realizar, mas sobretudo como uma coisa possibilíssima de ser ultrapassada, de tal maneira, que nós nem a pudéssemos entender." (Agostinho da Silva, Conversas Vadias)
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"Sentia-se penetrado, com a consciência intrusa, num domínio que lhe pertencia mais que qualquer outro, possuir com angústia uma solidão interdita onde ninguém mais se lhe reuniria." (André Malraux, A Condição Humana)
quarta-feira, fevereiro 15, 2012
quinta-feira, fevereiro 09, 2012
ACONSELHO-VOS O AMOR
"Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
— vão dizer-vos que não —
para os gestos diários).
ACONSELHO-VOS A LUTA."
(Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular)
"Um ano ou dois após a sua morte, um grupo de jovens (...) quis homenageá-lo, numa tasca do Bairro Alto. Estavam presentes a família, o Manuel Alegre, o Cardoso Pires e mais gente. Quando chegou a vez do Cardoso Pires dizer algo, pronunciou-se duro: «Não falo. Tenho muito mau perder.»"
(Rogério Rodrigues, sobre Fernando Assis Pacheco, Roteiro Sentimental em 11 cenas, Revista Ler)
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
— vão dizer-vos que não —
para os gestos diários).
ACONSELHO-VOS A LUTA."
(Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular)
"Um ano ou dois após a sua morte, um grupo de jovens (...) quis homenageá-lo, numa tasca do Bairro Alto. Estavam presentes a família, o Manuel Alegre, o Cardoso Pires e mais gente. Quando chegou a vez do Cardoso Pires dizer algo, pronunciou-se duro: «Não falo. Tenho muito mau perder.»"
(Rogério Rodrigues, sobre Fernando Assis Pacheco, Roteiro Sentimental em 11 cenas, Revista Ler)
terça-feira, fevereiro 07, 2012
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"Quando durmo muitos sonhos, venho para a rua, de olhos abertos, ainda com o rastro e a segurança deles. E pasmo do automatismo meu com que os outros me desconhecem. Porque atravesso a vida quotidiana sem largar a mão da ama astral, e os meus passos na rua vão concordes e consoantes com obscuros desígnios da imaginação de dormir. E na rua vou certo; não cambaleio; respondo bem; existo.
Mas, quando há um intervalo, e não tenho que vigiar o curso da minha marcha, para evitar veículos ou não estorvar peões, quando não tenho que falar a alguém, nem me pesa a entrada para uma porta próxima, largo-me de novo nas águas do sonho, como um barco de papel dobrado em bicos, e de novo regresso à ilusão mortiça que me acalentara a vaga consciência da manhã nascendo entre o som dos carros que hortaliçam.
E então, em plena vida, é que o sonho tem grandes cinemas. Desço uma rua irreal da Baixa e a realidade das vidas que não são ata-me, com carinho, a cabeça num trapo branco de reminiscências falsas. Sou navegador num desconhecimento de mim. Venci tudo onde nunca estive. E é uma brisa nova esta sonolência com que posso andar, curvado para a frente numa marcha sobre o impossível.
Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até ao rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito." (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)
Mas, quando há um intervalo, e não tenho que vigiar o curso da minha marcha, para evitar veículos ou não estorvar peões, quando não tenho que falar a alguém, nem me pesa a entrada para uma porta próxima, largo-me de novo nas águas do sonho, como um barco de papel dobrado em bicos, e de novo regresso à ilusão mortiça que me acalentara a vaga consciência da manhã nascendo entre o som dos carros que hortaliçam.
E então, em plena vida, é que o sonho tem grandes cinemas. Desço uma rua irreal da Baixa e a realidade das vidas que não são ata-me, com carinho, a cabeça num trapo branco de reminiscências falsas. Sou navegador num desconhecimento de mim. Venci tudo onde nunca estive. E é uma brisa nova esta sonolência com que posso andar, curvado para a frente numa marcha sobre o impossível.
Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até ao rio fitar o rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho o meu infinito." (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)
quinta-feira, fevereiro 02, 2012
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"We have not yet encountered any god who is as merciful as a man, who flicks a beetle over on its feet." (Annie Dillard, Pilgrim at Tinker Creek)
terça-feira, janeiro 31, 2012
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"Obama's most 'historic' achievement is to bring the war on democracy home to America. On New Year's Eve, he signed the National Defence Authorisation Act, a law that grants the Pentagon the legal right to kidnap both foreigners and US citizens secretly and indefinitely detain, interrogate and torture, or even kill them. They need only 'associate' with those 'belligerent' to the US. There will be no protection of law, no trial, no legal representation. This is the first explicit legislation to abolish habeas corpus (the right to due process of law) and, in effect, repeal the Bill of Rights of 1789." (The war on democracy, de John Pilger)
segunda-feira, janeiro 30, 2012
VIII
A televisão
contribuiu muito para a minha educação
nas horas mais ingratas
da contra-revolução.
Ensinou-me sobretudo
a aguçar o gosto de usar gravatas
de seda e de veludo
- para enforcar a imaginação.
(José Gomes Ferreira, Termidor Errado)
contribuiu muito para a minha educação
nas horas mais ingratas
da contra-revolução.
Ensinou-me sobretudo
a aguçar o gosto de usar gravatas
de seda e de veludo
- para enforcar a imaginação.
(José Gomes Ferreira, Termidor Errado)
quinta-feira, janeiro 26, 2012
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"A verdade, não tardaria em sabê-lo, é que a liberdade pessoal e o sossego se pagam em solidão, tributo o mais pesado. Por contraditório que pareça, só a presença de outros seres humanos acorda em nós as reacções que nos forçam a pensar, a mobilizar os conhecimentos, e a agir. Isto explica como é que nunca consegui viver sozinho nem longe - duas coisas que desejava ardentemente. E também porque nunca fui feliz na companhia de ninguém, nem tornei felizes senão aqueles que, de mim, só conhecem as aparências." (José Rodrigues Miguéis, Léah)
quarta-feira, janeiro 11, 2012
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"Ao cabo de nove ou dez noites compreendeu com certa amargura que nada podia esperar dos alunos que aceitavam passivamente a sua doutrina, mas sim dos que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável." (Jorge Luis Borges, Ficções)
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"Uma das escolas de Tlön chega a negar o tempo: raciocina que o presente é indefinido, que o futuro não tem realidade senão como esperança presente, e que o passado não tem realidade senão como recordação presente (1). Outra escola declara que já decorreu todo o tempo e que a nossa vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável. Outra, que a história do universo - e nela as nossas vidas e o pormenor mais ténue das nossas vidas - é a escrita que produz um deus subalterno para se entender com um demónio. Outra, que o universo é comparável a essas criptografias em que não valem todos os símbolos e que só é verdade o que sucede de trezentas em trezentas noites. Outra, que enquanto dormimos aqui, estamos acordados noutro lado e que assim cada homem é dois homens.
(1) Russel (The Analysis of Mind, 1921, página 159) supõe que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que 'recorda' um passado ilusório."
(Jorge Luis Borges, Ficções)
(1) Russel (The Analysis of Mind, 1921, página 159) supõe que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que 'recorda' um passado ilusório."
(Jorge Luis Borges, Ficções)
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"O meu pai estreitara com ele (o verbo é excessivo) uma dessas amizades inglesas que começam por excluir as confidências e que muito em breve omitem o diálogo." (Jorge Luis Borges, Ficções)
sexta-feira, janeiro 06, 2012
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- Que significa para si o amor?
- Não significa nada, quando quero que signifique. Como o tempo para Stº Agostinho, só sei o que quer dizer, quando mo não perguntam.
(Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)
- Não significa nada, quando quero que signifique. Como o tempo para Stº Agostinho, só sei o que quer dizer, quando mo não perguntam.
(Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)
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"A questão da ilusão do sujeito é uma questão do tipo da ilusão da liberdade, que foi enunciada por vários pensadores, nomeadamente or Espinosa. Não vou dissertar sobre o assunto, mas queria dizer-lhe o seguinte: pelo simples facto de uma pessoa se interrogar sobre se é livre, manifestou já que é livre. A liberdade para o homem assenta, para mim, fundamentalmente nisto, nessa pequena fissura, nessa pequena fenda que separa o acto do homem da reflexão sobre ele. Quer dizer, essa pequena separação do homem consigo é que me dá a primeira, e a última talvez, base para a afirmação da liberdade." (Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)
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"Como é que podemos não nos interessar por política?! Pois se vivemos um momento tão grave, tão agitado, tão problemático desde o 25 de Abril no acerto de todas as forças, na chamada consolidação da democracia... Como é que podemos não nos interessar?! No que se refere a uma intervenção activa, não estou vocacionado para isso. Não é político quem quer, como não é escritor quem quer, como não é pintor quem quer. Há pessoas vocacionadas para uma vida activa e portanto têm uma intervenção mais directa nos problemas políticos. Não é o meu caso. Nesse sentido, não sou político. Mas evidentemente que me interesso. Em todo o caso, o interesse no sentido de uma vivência muito intensa de tudo quanto está a acontecer politicamente desvaneceu-se um pouco, por aquilo que será supérfluo estar a mencionar.
Não sou político no sentido activista do termo porque em tal sentido não é político quem quer. Mas estive a ponto de sê-lo por ter acreditado que uma determinada solução política resolveria os essenciais problemas humanos. Hoje penso que esses problemas escapam a uma concreta orientação política, porque todas essas orientações terão de resolver-se numa síntese final que mal descortinamos ainda. Há uma crise política geral, como há uma crise religiosa, artística, fiolosófica, porque há uma crise mundial. Neste virar de página na história humana a que assistimos, sabemos apenas que de todos os valores há um que inexoravelmente resiste e é o valor do próprio homem, da sua dignidade, da sua plena realização. Assim, aceitamos tudo quanto promova essa dignificação: o reajustamento económico pela socialização, para o que é elementar, a intensificação cultural em inteira liberdade, para o que é essencial. Ter-se-á realizado tudo? Decerto que não e assim o mais essencial se não terá atingido. Mas tal essencialidade primeira não está em nossa mão. Porque, referindo-se ela a uma plenitude humana, em que tudo se harmoniza - a vida e a morte adentro dos nossos estritos limites terrenos -, só a própria vida a poderá promover, quando e como não sabemos."
(Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)
Não sou político no sentido activista do termo porque em tal sentido não é político quem quer. Mas estive a ponto de sê-lo por ter acreditado que uma determinada solução política resolveria os essenciais problemas humanos. Hoje penso que esses problemas escapam a uma concreta orientação política, porque todas essas orientações terão de resolver-se numa síntese final que mal descortinamos ainda. Há uma crise política geral, como há uma crise religiosa, artística, fiolosófica, porque há uma crise mundial. Neste virar de página na história humana a que assistimos, sabemos apenas que de todos os valores há um que inexoravelmente resiste e é o valor do próprio homem, da sua dignidade, da sua plena realização. Assim, aceitamos tudo quanto promova essa dignificação: o reajustamento económico pela socialização, para o que é elementar, a intensificação cultural em inteira liberdade, para o que é essencial. Ter-se-á realizado tudo? Decerto que não e assim o mais essencial se não terá atingido. Mas tal essencialidade primeira não está em nossa mão. Porque, referindo-se ela a uma plenitude humana, em que tudo se harmoniza - a vida e a morte adentro dos nossos estritos limites terrenos -, só a própria vida a poderá promover, quando e como não sabemos."
(Vergílio Ferreira, Um Escritor Apresenta-se)
terça-feira, janeiro 03, 2012
...
- [...] A nossa existência é uma prisão num labirinto cuja porta de saída, para alguns, é a fé.
- Qual é a sua?
- Não há porta de saída a não ser essa. Acho que não há porta de saída nenhuma. Invejo as pessoas que têm fé.
- A poesia não é uma porta de saída?
- É uma porta, se calhar, para reconhecer que não há porta nenhuma.
[Manuel António Pina em entrevista à revista Ler)
- Qual é a sua?
- Não há porta de saída a não ser essa. Acho que não há porta de saída nenhuma. Invejo as pessoas que têm fé.
- A poesia não é uma porta de saída?
- É uma porta, se calhar, para reconhecer que não há porta nenhuma.
[Manuel António Pina em entrevista à revista Ler)
Os Livros
É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo "eu" entre nós e nós?
(Manuel António Pina, Como Se Desenha Uma Casa)
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo "eu" entre nós e nós?
(Manuel António Pina, Como Se Desenha Uma Casa)
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